Para compreendermos a importância da visão de pessoa humana contida no Magistério da Igreja, é útil compreender como a cultura moderna vê o ser humano.
A sociedade burguesa se organizou politicamente em torno da idéia de autonomia do indivíduo, em um mundo estruturado para que os homens possam fazer o que desejarem (desde que não atrapalhem aos demais). Mas o que ele deseja? No início, os ideólogos do liberalismo entendiam que o homem desejava um protagonismo na vida pública, ser sujeito atuante, moldar a realidade segundo sua vontade. Mas, à medida que o ideal se tornava realidade e perdia encanto, este grande desejo pareceu se deslocar para a satisfação de desejos particulares, que seriam satisfeitos através do consumo das mercadorias oferecidas no grande mercado da vida (onde o último produto à venda se tornou o próprio ser humano).
A partir daí a participação política se tornou um grande problema para as sociedades burguesas. Se vivemos apenas para nos satisfazer, não há porque participar da construção da sociedade, a não ser nos momentos críticos em que a vida política nos impede de consumir o que desejamos. No lugar da indignação ética diante das situações de injustiça, que marcou a posição humana durante séculos, existe apenas a revolta contra aqueles que conseguem mais vantagens do que os outros.
Seguindo os mesmos paradigmas culturais, mas do lado oposto na luta política, o marxismo tentou mostrar que este indivíduo autônomo, este consumidor independente, era uma figura ilusória, quando muito uma condição dada a poucos. Reduzimo-nos todos, em sua visão, a membros das grandes classes sociais e somos determinados por um conjunto de relações materiais. O sujeito da ação política, único capaz de transformar realmente a sociedade, é “o partido”, portador da consciência da classe oprimida. O século XX viu muitas batalhas, dentro da própria esquerda, para saber quem eram os legítimos representantes deste partido transformador, mas o que interessa aqui é notar como o protagonismo de cada ser humano fica totalmente à mercê, nesta concepção, da lógica do partido. Nesta concepção, ter o poder ou estar do lado de quem detém o poder no partido é a única possibilidade para ser sujeito na própria vida.
O marxismo sempre teve dificuldade de explicar a subjetividade humana. O desejo de ser amado, a atração pelo belo, ou as contradições do temperamento humano nunca se encaixaram bem nesta lógica determinada apenas pelas relações sócio-econômicas e pela luta pelo poder. O homem concreto teimava em não aparecer apenas como membro de uma classe social, mas sim como uma totalidade que insistia em escapar dos esquematismos. No fim do século XX, com a queda dos grandes regimes comunistas e a proliferação dos pequenos movimentos de transformação da sociedade (como as comunidades eclesiais de base – CEB’s; e as organizações não governamentais – ONG’s), esta lógica centrada no partido mostrou-se inadequada também para orientar a própria luta pela transformação da sociedade.
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