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Passos N.62, Junho 2005

EXPERIÊNCIA / BELO HORIZONTE

Uma resposta totalmente correspondente

por Marco Matos

A profissão de médico em Belo Horizonte. A grande expressão de criatividade que surgiu a partir de um encontro nos tempos da faculdade. O florescer da vocação e a gratificação em servir

Encontrei o movimento Comunhão e Libertação quando estudava Medicina na UFMG. Isso foi em 1984. Eu tinha ido assistir a uma palestra de um professor com o qual simpatizava muito. No final do encontro algumas pessoas fizeram um convite: eram um grupo de amigos que se encontrava todas as quartas-feiras às 16h30. Estavam juntos para entender o sentido da faculdade. Aquele simples convite me tocou em um desejo que eu nem sabia que existia. Mas no dia seguinte a universidade entrou de greve e tive que aguardar mais algum tempo, curioso para conhecer aquelas pessoas. Quando acabou a greve, na primeira quarta-feira eu apareci na sala D e foi assim que conheci os primeiros amigos dessa história. Pouco tempo depois conheci o padre Virgilio *. Em toda a minha história ele foi a pessoa mais marcante que me acompanhou durante quase 20 anos. Virgilio logo me tocou e via-se que era um amigo porque na amizade com ele começava a ser respondida a curiosidade do meu coração. Foi ele que me introduziu na grande presença de Cristo com a sua companhia. Começamos a fazer várias coisas juntos, como organizar encontros na universidade, fazer caminhadas nas montanhas, passeios, cantos. Fiquei marcado por uma vez, assim que o conheci, quando logo após um encontro ele me chamou e me deu a chave de seu carro, pedindo para que eu acompanhasse uma pessoa em casa. Ele tinha acabado de me conhecer e não teve nenhuma desconfiança. E esta amizade era com todos. Ia atrás das pessoas mais simples que o procuravam, como as senhoras de Caeté, e tinha o mesmo tratamento para os políticos importantes com quem mantinha relacionamento. E olhando pra esse homem comecei a entender que a vida valia a pena pela oferta que fazia.

Olhar e seguir
Por meio dos relatos do Virgilio eu fui me familiarizando com padre Giussani. Comecei a entender que para crescer eu precisava sair da minha própria medida, e que isso só era possível pelo seguimento. Era impressionante ver uma maneira de se relacionar com as pessoas abraçando-as verdadeiramente, levando conforto, ajudando a usar a razão, ajudando a acolher a própria realidade. E dar a vida não era só fazer viagens e fazer reuniões, mas se arriscar em cada circunstância que o Senhor pedia.
Isso foi fundamental para o passo a que fui chamado recentemente. Hoje, depois de 12 anos como médico pediatra em um posto de saúde, fui chamado para trabalhar com o Benê na Secretaria de Saúde. Saí do contato com o povo, que é o que mais gosto, para assumir um trabalho administrativo e burocrático. Logo vi que chefiar 150 pessoas não ia ser nada fácil, e ali entendi que o Senhor queria construir alguma coisa. Quando cheguei lá comecei a me interessar pelo que cada uma das seções fazia, comecei a visitar as repartições e as pessoas maravilham-se com este modo de serem valorizadas. O Senhor usa a nossa liberdade e eu precisei estudar, passar por situações constrangedoras, difíceis, mas é através disso que Cristo constrói, pois traz uma novidade nos relacionamentos. Na minha amizade com o Benê é possível querer bem ao outro, servir ao outro com gratuidade. E os outros começaram a se perguntar: de onde vem isso? Começamos um grupinho com 30 a 40 pessoas que se encontram, livremente, uma vez por mês, para falar da vida, para entender que é possível levar a sério o desejo de felicidade naquele trabalho. E isso é uma graça! Somos amigos ali não só para dar continuidade ao trabalho, mas para criar companhia, pois Cristo torna potente os relacionamentos e isso transforma tudo, faz acontecer ali dentro daquela Secretaria a vitória de Cristo e se documenta um povo novo naquele ambiente.

Alargando os horizontes
Penso sempre naquela frase que padre Giussani citou muitas vezes: “Na simplicidade do meu coração, cheio de letícia, te dei tudo” (Liturgia Ambrosiana). Todos esses acontecimentos na Secretaria são pequenos e limitados, mas é o acontecer disso, é participar desse desejo de dar tudo. Por isso também me envolvi com a Companhia das Obras, colocando-me a serviço da construção de uma rede de trabalho na área de Saúde. Fiquei muito provocado pelo Giorgio Vittadini quando ele fez uma colocação no encontro da CdO no Rio de Janeiro em outubro de 2003 (cf. Passos 38, p.16; nde). Desde aquele evento fiquei em contato com alguns italianos que atuam na política da região da Lombardia e desse relacionamento nasceu uma parceria para a execução de um curso para 25 funcionários da Secretaria de Saúde com o objetivo de reavaliar as metodologias adotadas, comparando com a experiência deles na Itália. As pessoas se maravilharam por uma parceria internacional ter sido realizada com tanta facilidade, o que lhes abriu os horizontes, ajudando-os a entender o porquê doar a vida naquela Secretaria, recuperando aquele desejo de construção que está na base do desejo quando eles cursaram a faculdade de medicina e pode ter sido perdida em ideologias ao longo desses anos. E isso tudo nasceu daquele sim de 20 anos atrás. Foi isso que me fez organizar o grupo de trabalho da área de Saúde no 2º encontro Latino-Americano da Cdo realizado em março deste ano na Argentina. Deu a disponibilidade porque a hipótese com que a gente se coloca na vida é a hipótese de um outro, um outro que me diz o que é bom ou não fazer. Sem essa comparação não é possível dar a vida. Percebo que tudo onde dá frutos na minha vida é onde eu obedeço, onde deixo a minha medida para aderir à medida de um Outro.

A gratuidade
Quando cursava a universidade comecei a participar da caritativa para ajudar a Rosetta. Com outros amigos da área de saúde visitávamos a creche para fazer orientação, depois criou-se um ambulatório para tornar mais constante estes atendimentos. Um dia eu vi uma criança muito descuidada e fiquei tocado por aquela situação. Dei as orientações para a mãe que levasse a criança regulamente para que eu a acompanhasse, mas ela desapareceu por dez meses. Um dia chegou no ambulatório e pediu ajuda. A criança estava muito debilitada e a mãe visivelmente não tinha condições de acompanhá-la. Eu fiquei com a criança e a levei até a creche. Lá eu pedi ajuda para que alguma família a acolhesse. A Silvana, que trabalhava ali como diretora naquela época, a levou consigo até que pudemos devolver a criança para a família. Ali entendi o desejo de fazer crescer e responder à necessidade do outro. Depois de alguns anos veio a possibilidade de abrir a casa de acolhida para cuidar de casos como esse. O padre Gigio em colaboração com a Associação de Voluntários para o Serviço Internacional (Avsi) deram o dinheiro e assim abriu-se a Casa Novella que eu ajudo a coordenar. Responder a mãe e a criança é responder a Cristo. Essa é a consciência que temos nesse trabalho.

A vocação
Nesses anos entendi que é preciso voltar sempre ao início, àquela experiência de fascínio que fizemos, à objetividade do fato da correspondência que Cristo é para o coração do homem. Seguindo esse caminho a vocação aos Memores Domini veio à tona dentro de uma história de companhia com o padre Virgilio. Querer dar a vida como ele foi o que me colocou a questão da vocação, que me fez interessar por um tipo de vida que Cristo correspondia. Fazendo tudo juntos, aprendendo a dar as razões das coisas, contando pra ele o que me acontecia, compreendi que a amizade é para um destino que me corresponde totalmente. Intuí desde o início e fui me dando conta desse chamado durante a convivência com ele. O ponto central foi um retiro de Natal, quando eu já tinha aquela pergunta e ali explicitei procurando ajuda para entender o caminho a seguir. Depois, em 1988 padre Giussani foi no Paraguai e lá tive a ocasião de falar com ele sobre isso. Quando ele explicou o concerto para violino e orquestra de Beethoven, falando como sendo a experiência que ele fazia, pensei: quero ser assim também!. A vocação nunca apareceu como uma grande dúvida a ser solucionada. Foi apenas seguir um fascínio. O caminho da vocação é para viver a realidade com mais razão e com mais consciência, de maneira mais inteira, me afeiçoando de verdade por todas as coisas que o Senhor faz acontecer na minha vida: casa, trabalho, responsabilidade no Movimento, tempo livre. Como Giussani disse tantas vezes: “A aventura de entrar na realidade para abraçar Cristo”. E isso me faz muito contente.


Nota
[*] Padre Virgilio Resi, italiano, era missionário em Belo Horizonte desde 1982 onde permaneceu até falecer em outubro de 2003 em sua residência no Santuário da Serra da Piedade. Era o responsável pela comunidade de CL no Brasil.

 


Casa Novella

A Casa de Acolhida Novella tem por finalidade acolher crianças de 0 a 6 anos, em situação de risco pessoal e/ou social, vítimas de violência doméstica e suas famílias. Atende no máximo dez crianças por vez, que recebem cuidados médicos e psicológicos, reforço alimentar e tratamentos para higiene, além de acompanhamento pedagógico. As crianças contam com monitores dia e noite e, durante a semana, participam das atividades da creche da organização junto a outras crianças do bairro. Durante todo o abrigamento, desenvolve-se também um trabalho de resgate do vínculo familiar, visando à volta da criança para casa. Essa metodologia foi reconhecida pela Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, que concedeu à Casa Novella o primeiro lugar no Prêmio Abrinq, na categoria serviços sociais de 2004.

Outras informações:
Casa de Acolhida Novella
Av. Profª. Gabriela Varela, 580
Jardim Felicidade Belo Horizonte - MG
Tel: (31) 3434-9390 - Fax: (31) 3433-7293
E-mail: casa_novella@yahoo.com.br

 

 
 

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