Relembrando uma frase do então cardeal Ratzinger, muitas vezes citada por padre Giussani – “A fé é uma obediência de coração àquela forma de ensinamento ao qual fomos consignados” –, milhares de jovens e adultos de Comunhão e Libertação participaram da missa para o início do pontificado do sucessor de João Paulo II
O presidente do Instituto Teológico de Gaming fala do primeiro encontro com o então cardeal Ratzinger e dos anos de colaboração com o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé
Quando me encontrei pela primeira vez com o cardeal Ratzinger, fiquei impressionado com a sua plena e radiante humanidade, e desde então essa impressão só se reforçou. Em 1983, quando eu era estudante no Pontifício Instituto Bíblico de Roma, quis encontrá-lo porque eu havia lido, com grande admiração, alguns dos seus escritos. Graças à intervenção do seu secretário consegui marcar uma audiência com ele. A caminho do Vaticano, enquanto o ônibus atravessava lentamente o tráfego romano, tive bastante tempo para lamentar minha decisão. Eu me perguntava: “Por que estou levando esse homem a perder tempo comigo? Ele deve ter coisas mais importantes para fazer. Na verdade, não tenho nenhum grande problema a lhe propor. Sou só um estudante. Sem dúvida, ficará aborrecido com esse encontro inútil”.
Sobre a carta aos filipenses
Essas dúvidas me deixavam nervoso e perturbado, enquanto estava na sala de espera da Congregação para a Doutrina da Fé. O cardeal Ratzinger entrou e logo me deixou à vontade, mostrando uma expressão de alegria ao me ver. Falamos da carta de São Paulo aos filipenses, com o seu grande hino à kenosis e o autodespojamento de Cristo que eu estava estudando naqueles dias. Ele falou comigo como se eu fosse o outro único ser humano presente em Roma. Não sondava nervosamente o relógio. Não parecia preocupado com questões mais importantes, que o levariam a dispensar só uma atenção marginal àquele humilde estudante. Com grande simplicidade, parecia inteiramente disponível para o aluno que tinha diante de si. Fiquei impres-sionado com a sua serenidade interior. Estava profunda e serenamente absorto em si mesmo, no entanto parecia inteiramente presente, pelo seu modo de olhar e ouvir.
Falando dos filipenses ficou claro que estava a par de todos os comentários que eu estava então estudando no Instituto Bíblico; lembrava-se dos detalhes das argumentações desses autores com grande precisão, melhor do que eu que os estava estudando, demonstrande grande cultura. Todavia, não me humilhou, exibindo da sua erudição, mas mostrou interesse pelas minhas idéias sobre o texto, esse tipo de interesse que sustenta uma conversa entre amigos. No entanto, para ele eu era apenas um estranho. De maneira surpreendente, o muro da estranheza que separa dois desconhecidos parecia dissolver-se frente à presença de Cristo.
Amor simples e direto por Cristo
Foi justamente esse o aspecto que mais me tocou. Parecia totalmente óbvio que a inteligência brilhante e aguda do cardeal era guiada por um simples e direto amor a Cristo. Não se tratava do perfume de uma piedosa emoção, espalhado externamente sobre a superfície de uma mente erudita, que segue as próprias leis seculares. Seu pensamento parecia transformado por um profundo amor a Cristo, a Cristo como pessoa viva, presente aqui e agora. Esse amor fez dele um grande estudioso e um grande pensador.
Eu havia chegado para a audiência cheio de nervosismo e de dúvidas. Parti cheio de alegria. Uma alegria causada, em primeiro lugar, pela humanidade plena e radiante desse homem. Em segundo lugar, e como conse-qüência, havia também a alegria de ser homem, uma alegria que me deu força para viver a minha humanidade. Suscitou em mim o desejo de segui-lo.
Nos 22 anos que já se passaram desde então, encontrei o cardeal em diversas outras ocasiões. Recentemente, fiz parte de um grupo de 20 teólogos que se encontravam com ele uma vez por ano, não para discutir algum problema, mas simplesmente para compartilhar a verdade. Discutimos, por exemplo, sobre a relação entre teologia e liturgia, sobre Maria e a renovação da Igreja no terceiro milênio, e sobre o mundo como revelação de Deus. Todos os contatos que tive com ele só confirmaram a primeira impressão: eis um homem que posso sinceramente amar e seguir. Agora que ele se tornou Bento XVI, posso afirmar a mesma coisa, com grande serenidade e segurança.
Defensor da Igreja
É fácil intuir por que o cardeal Ratzinger foi descrito como o “rottweiler de Deus”, ou como um cão de guarda que ataca os hereges. Esse parece ser um aspecto inevitável da imagem pública do prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Mas não foi muito divulgado o fato de que esse prefeito, em particular, foi capaz de resolver a maioria dos casos de modo pacífico, convencendo aqueles que se apresentavam diante dele de que é a fé da Igreja – mais do que a sua opinião pessoal – que é o caminho seguro para seguir a Cristo.
A minha experiência com o cardeal, agora Bento XVI, me convenceu, para além de qualquer dúvida, de que ele é um homem especialmente pleno e radiante.
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