No mês dedicado à Mãe de Jesus, publicamos alguns trechos de mensagens de padre Luigi Giussani e do papa João Paulo II, que sempre se dirigiram a Nossa Senhora pedindo sua proteção e sua ajuda
A Ave Maria é a mais popular e a mais fácil das orações, a que podemos rezar sempre, mesmo quando não temos a coragem de pronunciar o “seja feita a vossa vontade” no Pai Nosso.
Como todos sabem, a oração a Nossa Senhora termina com as palavras “rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte”. Muitas mortes marcaram os primeiros meses deste ano. Cada um lembra daquelas que mais o fizeram sofrer por sua proximidade; mas todos pensam, com emoções e consciência diferentes, nas mortes de padre Giussani e João Paulo II. Dois homens que tinham a oração a Nossa Senhora muito presente e muito querida, pois a devoção a Maria, neles, era essencial, raiz e vértice de uma visão do mistério cristão ao qual dedicaram a vida inteira.
Fazer a Sua vontade
É de 1959 um escrito de padre Giussani expressamente dedicado a Nossa Senhora. Nele, Giussani cita um trecho do Evangelho, qualificando-o como um dos mais grosseiramente reveladores da educação de Cristo à verdade da existência, que está na relação com Deus. É o episódio narrado por Lucas em que se eleva a voz de uma mulher no meio da multidão: “Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram”, e Jesus responde: “Felizes, antes, os que ouvem a palavra de Deus e a observam” (Lc 11,27-28). Padre Giussani nota que é precisamente nesse ouvir e cumprir a palavra de Deus que está a grandeza de Maria: “A nobreza do espírito humano não é medida pela função que ele deve desempenhar, mas por sua liberdade, ou seja, pela adesão ao desígnio da vontade divina que essa função revela como sua tarefa”. Já desde então padre Giussani confia à poesia de Claudel a função de sugerir o que poderia ficar implícito: “A santidade não consiste em se fazer lapidar pelos turcos ou beijar o leproso na boca, mas em cumprir sem demora a ordem de Deus. Seja essa ordem ficar no lugar em que estamos, ou subir mais alto” (P. Claudel, O anúncio feito a Maria, tradução de dom Marcos Barbosa, Rio de Janeiro, Agir, 1968, p. 30). E conclui que na intimidade impenetrável do “fiat” de Maria à saudação do anjo está a justiça perfeita da criatura diante de seu Criador; em seu gesto de livre aceitação está a medida dessa “bendita entre as mulheres”.
O trecho imediatamente seguinte a essas reflexões, que se desenvolvem em torno do tema da liberdade de Nossa Senhora, revela outro traço da fisionomia de padre Giussani, sua concepção dramática da existência: “No fim da vida, quando nosso ser problemático e sempre à prova sofrer o confronto com o paradigma absoluto do Ser Divino, quando com um só olhar medirmos nossa estatura sem a menor aproximação, quando avaliarmos nossa dignidade sem nenhuma possibilidade de ilusão, quando descobrirmos a verdade de nossa realidade com genialidade exaustiva, nesse momento final o código que conterá o juízo até suas últimas nuanças será o código do ‘seu’, do ‘novo Mandamento’: ‘No fim da vida, seremos julgados quanto ao amor’. Ora, o amor, num ser dependente como o homem, começa sempre como aceitação” (L. Giussani, Porta la speranza, Gênova, Marietti 1820, 1997). É apenas uma conjectura, mas, à luz dessas primeiras palavras, não parece estranha a insistência mais recente de que invoquemos o Espírito por meio de Nossa Senhora. Não parece estranho que o sim seja pleno, como pode ser num homem pecador, agora, aqui, e na hora da morte.
Nas mãos, o Rosário
“Totus tuus”: o lema do papa João Paulo II, para além das simplificações fáceis e compreensíveis, revela sua estatura de modo singular. Muito já se disse e se viu a esse respeito. A morte colheu o pontífice no ano da Eucaristia, por ele proclamado e pedido à Igreja com palavras que dificilmente poderão ser esquecidas, que retomam as que haviam sido escritas por ocasião do ano do Rosário. Em 2002, o pontífice encerrava assim a Rosarium Virginis Mariae: “Penso em vós todos, irmãos e irmãs de qualquer condição, em vós, famílias cristãs, em vós, doentes e idosos, em vós, jovens: retomai confiadamente nas mãos o terço do Rosário, fazendo a sua descoberta à luz da Escritura, de harmonia com a Liturgia, no contexto da vida cotidiana. Que este meu apelo não fique ignorado! No início do vigésimo quinto ano de Pontificado, entrego esta Carta Apostólica nas mãos sapientes da Virgem Maria, prostrando-me em espírito diante da sua imagem venerada no Santuário esplêndido que Lhe edificou o Beato Bártolo Longo, apóstolo do Rosário. De bom grado, faço minhas as comoventes palavras com que ele conclui a célebre Súplica à Rainha do Santo Rosário: ‘Ó Rosário bendito de Maria, doce cadeia que nos prende a Deus, vínculo de amor que nos une aos Anjos, torre de salvação contra os assaltos do inferno, porto seguro no naufrágio geral, não te deixaremos nunca mais. Serás o nosso conforto na hora da agonia. Seja para ti o último beijo da vida que se apaga. E a última palavra dos nossos lábios há-de ser o vosso nome suave, ó Rainha do Rosário de Pompéia, ó nossa Mãe querida, ó Refúgio dos pecadores, ó Soberana consoladora dos tristes. Sede bendita em todo o lado, hoje e sempre, na terra e no céu’”.
O dom da Eucaristia
Seria preciso ler a parte final da encíclica Ecclesia de eucharistia para fazer uma idéia da beleza da relação entre o mistério da Presença real, o mistério da Igreja e o de Maria, tal como essa relação nos é apresentada pelo estilo severo e apaziguante do pontífice. Mas, freqüentemente, na vida agitada de nossos tempos, as urgências prevalecem sobre as prioridades, e isso vale também para as leituras, cada vez mais raras e muitas vezes determinadas mais pelas modas do que pela força nutriente que têm. Faz bem, portanto, recolher de vez em quando as migalhas que caem da rica mesa do papa polonês: “Deixai, meus queridos irmãos e irmãs, que dê com íntima emoção, em companhia e para conforto da vossa fé, o meu testemunho de fé na Eucaristia: ‘Ave, verum corpus natum de Maria Virgine, vere passum, immolatum, in cruce pro homine!’. Eis aqui o tesouro da Igreja, o coração do mundo, o penhor da meta pela qual, mesmo inconscientemente, suspira todo o homem. Mistério grande, que nos excede – é certo – e põe a dura prova a capacidade da nossa mente em avançar para além das aparências. [...] Na Eucaristia, temos Jesus, o seu sacrifício redentor, a sua ressurreição, temos o dom do Espírito Santo, temos a adoração, a obediência e o amor ao Pai. Se negligenciássemos a Eucaristia, como poderíamos dar remédio à nossa indigência?”. Não é um acaso o fato de que, escolhendo entre as jóias da arte cristã, João Paulo II tenha concluído mais uma vez sob o signo de Maria o aflito e tenaz apelo à essencialidade da fé em Cristo, que qualificou sua figura humana e seu pontificado.
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