Os movimentos no magistério de João Paulo II, desde o primeiro congresso internacional em 1981 até o encontro na praça São Pedro, em 1998. “A missão é, antes de mais nada, comunicar ao outro as razões da experiência da própria conversão. Neste sentido, pode-se falar de uma essencialidade dos movimentos na vida da Igreja, junto à hierarquia”
Estou muito contente por este encontro e vos saúdo cordialmente, queridos participantes do congresso internacional “Movimentos na Igreja”.
Como bem sabem, a própria Igreja é um movimento. E, sobretudo, é um mistério: o mistério do “Amor” eterno do Pai, do seu coração paterno, do qual inicia a missão do Filho e a missão do Espírito Santo. A Igreja nascida desta missão se encontra “in statu missionis”. Ela é um “movimento” que penetra nos corações e nas circunstâncias. É um “movimento” que se inscreve na história do homem-pessoa e das comunidades humanas.
Os “movimentos” na Igreja devem espelhar em si o mistério daquele “amor”, do qual ela nasceu e nasce continuamente.
Os “movimentos” no seio da Igreja-Povo de Deus exprimem aquele movimento múltiplo, que é a resposta do homem à Revelação, ao Evangelho: o movimento em direção ao Deus Vivente, que tanto se aproximou do homem; o movimento em direção ao próprio íntimo, em direção à própria consciência e em direção ao próprio coração, o qual revela a sua profundidade no encontro com Deus; o movimento em direção aos homens, nossos irmãos e irmãs, que Cristo coloca na estrada da nossa vida; o movimento em direção ao mundo, que espera incessantemente em si “a revelação do filho de Deus” (Rm 8,19).
27 de setembro de 1981. Homilia da missa para os participantes do congresso “Movimentos na Igreja”, em Castel Gandolfo. (La traccia, 1981, pp. 547-548)
O Espírito Santo, ao confiar à Igreja-Comunhão os diversos ministérios, enriquece-a com outros dons e impulsos especiais, chamados carismas. Podem assumir as mais variadas formas, tanto como expressão da liberdade absoluta do Espírito que os distribui, como em resposta às múltiplas exigências da história da Igreja.
Os carismas, sejam extraordinários ou simples e humildes, são graças do Espírito Santo que têm, direta ou indiretamente, uma utilidade eclesial, ordenados como são à edificação da Igreja, ao bem dos homens e às necessidades do mundo.
Também aos nossos dias não falta o florescer de diversos carismas entre os fiéis leigos, homens e mulheres. São dados ao indivíduo, mas também podem ser partilhados por outros e de tal modo perseveram no tempo como uma herança preciosa e viva, que gera uma afinidade espiritual entre as pessoas. Precisamente em referência ao apostolado dos leigos, o Concílio Vaticano II escreve: “Para exercerem este apostolado, o Espírito Santo, que opera a santificação do Povo de Deus por meio do ministério e dos sacramentos, concede também aos fiéis dons particulares (cf. 1 Cor 12, 7), ‘distribuindo-os por cada um conforme Lhe apraz’ (cf. 1 Cor 12, 7-11), a fim de que ‘cada um ponha a serviço dos outros a graça que recebeu’, e todos atuem ‘como bons administradores da multiforme graça de Deus’ (1 Pd 4, 10), para a edificação, no amor, do corpo todo (cf. Ef 4, 6)”.
Na lógica da originária doação donde derivam, os dons do Espírito Santo exigem que todos aqueles que os receberam os exerçam para o crescimento de toda a Igreja, como recorda o Concílio.
Os carismas devem ser recebidos com gratidão: tanto da parte de quem os recebe, como da parte de todos na Igreja. Com efeito, eles são uma especial riqueza de graça para a vitalidade apostólica e para a santidade de todo o Corpo de Cristo.
30 de dezembro de 1988. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christifideles Laici
Penso neste momento nos Congressos Internacionais organizados em Roma em 1981, em Rocca di Papa em 1987, em Bratislava em 1991. Segui os seus trabalhos com atenção, acompanhando-os com a oração e o constante encorajamento. Desde o início do meu Pontificado, atribui especial importância ao caminho dos movimentos eclesiais e tive ocasião de apreciar os frutos da sua difundida e crescente presença no decurso das visitas pastorais às paróquias e das viagens apostólicas. Constatei com prazer a sua disponibilidade para pôr as próprias energias a serviço da Sé de Pedro e das Igrejas locais. Pude indicá-los como novidade que ainda espera ser adequadamente acolhida e valorizada. Constato hoje, e com isto me alegro, uma sua mais amadurecida autoconsciência. Eles representam um dos frutos mais significativos daquela primavera da Igreja já prenunciada pelo Concílio Vaticano II, mas infelizmente não raro obstaculizada pelo difundido processo de secularização. A sua presença é encorajadora, porque mostra que esta primavera progride, manifestando o vigor da experiência cristã sobre o encontro pessoal com Cristo. Embora na diversidade das formas, os movimentos caracterizam-se pela comum consciência da “novidade” que a graça batismal traz à vida, pelo singular anseio por aprofundar o mistério da comunhão com Cristo e com os irmãos, pela firme fidelidade ao patrimônio da fé transmitido pelo fluxo vivo da Tradição.
A originalidade própria do carisma que dá vida a um movimento não pretende, nem o poderia, acrescentar algo à riqueza do depositum fidei, conservado pela Igreja com apaixonada fidelidade. Ela, porém, constitui um apoio poderoso, um apelo sugestivo e convincente a viver plenamente, com inteligência e criatividade, a experiência cristã. Está nisto o pressuposto para encontrar respostas adequadas aos desafios e às urgências dos tempos e das circunstâncias históricas sempre diversas.
Nessa luz, os carismas reconhecidos pela Igreja representam caminhos para aprofundar o conhecimento de Cristo e para se dar com mais generosidade a Ele, enraizando-se contemporaneamente sempre mais na comunhão com o inteiro povo cristão. Eles merecem, por isso, atenção da parte de cada membro da comunidade eclesial, a começar pelos pastores, aos quais é confiado o cuidado das Igrejas particulares, em comunhão com o Vigário de Cristo. Os movimentos podem assim oferecer uma contribuição preciosa à dinâmica vital da única Igreja, fundada sobre Pedro, nas diversas situações locais.
Muitas vezes tive ocasião de ressaltar como na Igreja não existe contraste ou contraposição entre a dimensão institucional e a dimensão carismática, da qual os movimentos são uma expressão significativa. Ambas são coessenciais à constituição divina da Igreja fundada por Jesus, porque concorrem juntas para tornar presentes o mistério de Cristo e a Sua obra salvífica no mundo. Juntas, além disso, têm em vista renovar, segundo os seus modos próprios, a autoconsciência da Igreja, que se pode dizer, num certo sentido, ela mesma “movimento” enquanto acontecimento, no tempo e no espaço, da missão do Filho, por obra do Pai no poder do Espírito Santo.
27 de maio de 1998. Mensagem aos participantes do Congresso Mundial dos movimentos eclesiais em Roma.
Hoje, a Igreja alegra-se ao constatar o renovado cumprimento das palavras do profeta Joel, que há pouco escutamos: “Derramarei o meu Espírito sobre toda a criatura...” (At 2, 17). Vós aqui presentes sois a prova palpável desta “efusão” do Espírito. Pela sua natureza, os carismas são comunicativos e fazem nascer aquela “afinidade espiritual entre as pessoas” (cf. Christifideles laici, 24) e aquela amizade em Cristo que dá origem aos “movimentos”. O seu nascimento e a sua difusão trouxeram à vida da Igreja uma novidade inesperada, e por vezes até explosiva. Isto não deixou de suscitar interrogativos, dificuldades e tensões; às vezes comportou, por um lado, presunções e intemperanças e, por outro, não poucos preconceitos e reservas. Foi um período de prova para a sua fidelidade, uma ocasião importante para verificar a genuinidade dos seus carismas. Hoje, diante de vós, abre-se uma etapa nova, a da maturidade eclesial.
No nosso mundo, com freqüência dominado por uma cultura secularizada que fomenta e difunde modelos de vida sem Deus, a fé de muitos é posta à dura prova e, não raro, é sufocada e extinta. Percebe-se, então, com urgência a necessidade de um anúncio forte e de uma sólida e aprofundada formação cristã. Como é grande, hoje, a necessidade de personalidades cristãs amadurecidas, conscientes da própria identidade batismal, da própria vocação e missão na Igreja e no mundo! E eis, então, os movimentos e as novas comunidades eclesiais: eles são a resposta, suscitada pelo Espírito Santo, a este dramático desafio do final de milênio. Vós sois esta resposta providencial.
30 de maio de 1998. Discurso durante o encontro dos movimentos eclesiais e das novas comunidades em Roma.
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