Em uma festa, em Chiavari, Ricardo e Vincenzo conhecem “pessoas com quem é bonito estar juntos”. Em Siracusa, depois de um encontro imprevisto, os detentos de segurança máxima pintam ícones e encenam Pirandello... Segunda etapa de uma série de reportagens sobre as penitenciárias italianas. Para entender que há algo que permite ser livres também na cela
A esperança, para Ricardo e Vincenzo, detentos do distrito policial de Chiavari, cidadezinha da costa ligúria, tem o nome de uma criança que eles nunca conheceram: Simone, que nasceu com Síndrome de Down e com uma grave má-formação. Depois de sua morte, em 2005, os pais, junto com alguns amigos, deram vida à Associação “Amigos de Simone Tanturli”, para ajudar famílias com filhos portadores de deficiência. No dia 8 de dezembro de 2008, montaram um estande na praça principal para arrecadar fundos com a venda de chocolate quente e doces preparados pelos detentos. Ricardo, 27 anos – os últimos seis passados na penitenciária –, ajuda na venda e conhece estas pessoas, com quem gosta de estar. Não perguntam o que fez, não julgam, mas têm algo diferente. Ele conversa um pouco com Francesca, que lhe diz: “Posso ir visitar você na prisão?”. “Sim.” Vincenzo também fica tocado com essas pessoas. Para ele, é um período difícil: depois de anos na prisão, começa a gozar de alguns benefícios todos os dias sai para trabalhar. Mas tem medo de enfrentar o mundo externo. Que esperança pode ter? No estande, conhece Alessandro, o pai de Simone. Como um pai que perdeu um filho pode ser feliz? No entanto, Vincenzo percebe que ele é.
Na quinta-feira seguinte, Francesca vai à prisão. Especialista em medicina esportiva, tem três filhos grandes e não tinha ideia do que era uma penitenciária antes daquele encontro. Começam as conversas com Ricardo, com Vincenzo e, depois, com Ernesto, Giuseppe, Cristian... Ela fala sobre si, sobre sua família, sobre seus amigos que eles conheceram e que mudaram sua vida. Fala de um encontro. Nasce uma amizade, nova, inesperada, que responde às necessidades. Francesca entra em contato com os amigos do Centro de Solidariedade de Gênova, pedindo bolsas-trabalho para os detentos que, dessa maneira, podem fazer um curso de três meses de formação, pagos pelo Centro, dentro de empresas. Para alguns deles, no fim, surge a possibilidade de serem admitidos. Sempre que há uma manifestação da Associação, Vincenzo, Ricardo e os outros estão presentes. É uma ocasião para rever aqueles amigos que escrevem, que se preocupam com eles, que gostam deles. Muda a vida atrás das grades. É uma história que se repete? Sim. É outro exemplo, nessa nossa viagem pelas penitenciárias italianas, de como só uma humanidade abraçada e acompanhada pode gerar uma mudança radical. Pode fazer renascer, e pode delinear um método, um caminho percorrido em alguns lugares, mas possível também em qualquer lugar.
Como me contou Ricardo, que em março terminou de cumprir sua pena, enquanto bebemos um café na casa de Francesca: “Comecei a me fazer perguntas sobre a minha vida que antes nunca tinha me feito. Eu, que nunca acreditei no bem, agora, nestes amigos, o vejo. Eles se tornaram a minha família. Qualquer coisa que você precise, eles estão ali para ajudar; no entanto, não temos nada em comum. Ao contrário. Mas, uma coisa temos em comum: o coração e o desejo de bem. Por isso, não os deixo. Eles são pescadores de homens, e eu era um peixe muito... veloz! Antes de encontrá-los, eu era desconfiado, via tudo escuro. Hoje, posso dizer que perdi muito na vida... Mas ganhei muito também. Minha vida é interessante, tem um objetivo”. Qual, Ricardo? “Ter um futuro, ser feliz. E com eles, isso é possível. Porque são cristãos. Não porque pertencem a uma categoria, mas encontraram Cristo. Quando falamos de Jesus eu não vou mais embora. Como quando padre Eugenio vem.” Em 2009, padre Eugenio Nembrini veio de Milão para visitar a penitenciária pela primeira vez, convidado por Francesca... para uma partida de futebol entre presos e livres. Vestia uma camisa do Atlanta e não se absteve do jogo. Muito menos depois, quando começou a falar. Pediram que ele voltasse. E ele voltou: dois encontros com os detentos com perguntas sobre o coração, a vida...
SOFRIMENTO LUCRATIVO. Vincenzo tinha a lembrança nítida daquele primeiro encontro de 8 de dezembro que “me fez ficar de antenas ligadas”. E, enquanto come um prato de macarrão, me diz: “Eu, aqui, como você pode ver, sou de casa. Francesca e os outros me fizeram experimentar uma sensação que eu nunca tinha sentido antes. Em sua simplicidade, elevada à enésima potência, havia uma possibilidade de bem. Nenhuma imposição, mas uma companhia. Mudou minha maneira de estar na prisão. O sofrimento de estar fechado dentro daquelas paredes continuava, mas eu compreendia que podia ser lucrativo”. O sofrimento como fonte de rendimento? “Sim, se ele puder fazer você saborear outra vez a verdade da vida. Se o sofrimento tem um sentido, é possível entender muitas coisas, é útil para enfrentar o futuro. Mas isso só é possível se há um rosto. Eu, antes, tinha um trabalho importante. Agora, varro a prisão, e sou feliz. Esses amigos são o que tenho de mais querido. Foi uma graça encontrá-los. Agora, preciso ir. Cristian chegou, converse com ele. Nós dois frequentamos o curso noturno de diagramação”.
Cristian está todo molhado. “Desculpa, estava de moto.” Federico, o filho de Francesca, o chama: “Vem que eu lhe dou uma calça”. Romeno, vinte e três anos, morou em Londres até dois anos atrás, quando, para ajudar os amigos, cometeu um crime na Itália e foi preso. A pena terminou em 27 de fevereiro último. Ateu, frequenta a missa e conhece Francesca. Começam as conversas. Quinta-feira torna-se, para ele, o dia mais bonito da semana. Não há mais o pavor pelo futuro e a impaciência que sempre o caracterizou deixa lugar a uma nova paz. Ele me explica: “Eu era alguém que ‘florescia’. De um mal pode realmente nascer um bem. Não tinha ninguém, minha família sequer me escrevia e estas pessoas se interessaram por mim. Mudaram meu pensamento. Ofereceram-me uma bolsa-trabalho em um restaurante importante, onde ninguém sabe do meu passado, porque, como me disse o cozinheiro: ‘O que isso tem a ver?’. Eu sou aquilo que sou, não aquilo que fiz. Pelo que fiz, paguei. Estou mudado”. Mais uma vez a palavra mudança, mais um indício. No encontro com estes amigos, descobriu a beleza da fé cristã. Na prisão, leu o Corão, leu sobre Buda e outras religiões, mas “são invenções dos homens. Eu, agora, acredito em Deus e em seu Filho. Se quiser, vou com você até a estação”. Aceito. No caminho, me conta que, para ele, a oração é uma conversa com Deus. “Também como um caminho. Estou me preparando para o Batismo e...” Enquanto conversamos somos interrompidos pelo toque do meu celular. É Vincenzo: “Desculpa, mas esqueci da coisa mais importante: agora estou no mundo por uma razão”. No trem, reviso as anotações: mudança, esperança, amizade, família. O cristianismo é mesmo uma coisa simples que torna a vida bela.
NOVOS ALUNOS. Bela como o céu da Sicília. De mar a mar. Giovanni Burgio, professor de Letras aposentado, me espera na Catânia. Melhor, “o professor”, como o chamam na prisão de Brucoli, perto de Siracusa, onde vai, há seis anos, ensinar esses novos “alunos”. No início, os instrui em História e Italiano para o curso de contabilidade. Mas não são noções, datas e nomes o que lhes transmite. O que ensina é aquilo pelo qual vive. Começa a falar sobre si com alguns deles. Esta é outra história de amizade, onde, com uma modalidade completamente diferente, se percebem os sinais de um percurso de mudança, os lampejos que fazem compreender que se está no caminho certo. Uma história que também tem o nome de um jovem dos colegiais: Andrea, portador de leucemia (cf. Passos n. 66/ Outubro de 2005). Giovanni fala sobre ele aos presos e eles rezam por sua cura e escrevem uma carta que termina assim: “Nós o abraçamos virtualmente e o consideramos nosso irmão”.
ENCENAÇÃO DE PIRANDELLO. Quando atravessamos o portão de entrada da penitenciária, que acolhe mais de 600 detentos, dos quais 40% estrangeiros, o inspetor, cumprimentando-nos, diz: “professor, eles estão esperando o senhor. Estão no teatro, os alunos de Teologia e os outros”. Um curso de Teologia? “Sim, já há alguns anos não ensino mais italiano”, me explicou Giovanni. “Eu e os outros professores voluntários começamos a dar aulas de teologia, filosofia e iconografia bizantina. As discussões são animadas.” Sentados nas cadeiras da plateia, nos esperam uma dezena de detentos, todos de segurança máxima. Como eles podem estar no teatro? “Pela primeira vez foi concedido a nós, presos de segurança máxima, graças à ajuda do professor, criar um laboratório teatral”, responde Franco. “Estamos ensaiando uma obra de Pirandello, Ciáula descobre a lua. Eu fiz adaptações no texto, colocando reflexões que fazemos entre nós sobre família, fé e liberdade. Vamos, Vincenzo, diga o trecho sobre a fé.” Vincenzo tenta, e para. “É a emoção.” Os outros insistem. Tenta mais uma vez: “A fé é a coisa mais importante porque o homem tem necessidade de acreditar, acreditar, acreditar. A fé é a flor da esperança”. Alguns aplaudem. Mas, o que quer dizer fé? “Posso? Sou Roberto. Somos todos batizados. Mas fora isso, nossa fé era muito pequena. Eu, aqui, através do professor e dos outros voluntários, pelo exemplo deles, nas discussões que fazemos, aprendi a levantar os olhos. Voltei a rezar, a recitar o Terço, a ler o Evangelho. Nós somos como São Pedro, quando Jesus diz a ele: ‘Quando você era mais jovem vestia-se sozinho e ia aonde queria; mas quando você for velho estenderá suas mãos, e um outro lhe vestirá e levará aonde você não quer ir’. É possível mudar dentro da prisão.” “Sim, mas você precisa querer. Eu conheço o professor desde o primeiro dia em que entrou aqui. É uma boa pessoa, como os outros voluntários, que nos trazem bem-estar e humanidade. Precisamos de uma pessoa boa que traga à tona nossa alma boa, mas muita coisa depende de você”, intervém Massimo. Questão de liberdade? “A liberdade está dentro de nós. Eu sou prisioneiro, mas meu coração não. Hoje, posso dizer isso. Mas isso só é possível através de um percurso de conhecimento do passado e do presente. Cada dia é uma aposta.” A discussão se inflama. Alguém não concorda. Ouve-se uma voz: “Professor, fale o senhor”. Giovanni diz, calmamente: “Vocês disseram que, na prisão, é possível pegar o caminho do mal ou a senda estreita do bem. Mas, neste percurso, percebemos que existe Alguém que ama o nosso destino? Que tem um projeto bom para a nossa vida? Algum encontro, um sinal pelo qual se pode dizer: ‘Esta é a vida!’?”. Silêncio. “O senhor, professor”, diz Diego. “Vim pela primeira vez a esses encontros, há cinco anos. O professor nunca faltou a um encontro. Eu o defini como: ‘indômito guerreiro da fé’. Certamente há um Algo.” Do fundo, ouve-se uma voz. É Vincenzo: “Você quer ver os ícones que pintamos no curso de iconografia bizantina?”. Quem vocês pintam? “Cristo”, me responde. “O rosto de Cristo é o êxtase do coração.” Mas, onde vocês o veem? “O rosto de Cristo está na Via Crucis, é o professor, é o companheiro de cela. Pode-se vê-lo nas coisas comuns da vida.”
Fora, dentro do carro, Giovanni diz: “Estive doente durante dois anos. Não conseguia fazer mais nada. Mas nunca deixei de vir aqui. Todas as vezes, antes de entrar, peço ao Espírito Santo para que me ajude”.
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ALGO QUE NUNCA TINHA SIDO VISTO
A prisão é um ambiente difícil, onde prolifera a violência, a loucura e segregações, mas o denominador comum é que todos estão cumprindo uma tentativa desesperada para se tornar si mesmos. Deus é visto como uma companhia de seguros a que se referir, em tempos difíceis. Neste clima aconteceu algo que nunca tinha sido visto antes: alguém pôs em prática uma vontade de escuta, valorizou a personalidade do recluso, oferecendo acolhida, proximidade, mas também a oportunidade de reflexão, uma ocasião para a busca da própria identidade. Empatia, a Eugenio e Francesca, significa saber se imaginar no lugar do outro, tentando, ainda que se mantendo a uma útil distância, de ver as coisas com os dos olhos dele. Eugenio nunca simplifica um processo complexo e exigente como esse, mas tenta, com uma adesão invejável à realidade, fazer emergir o potencial dos detentos. Em Francesca não há nenhuma postura de julgamento, talvez apenas uma humaníssimo véu de tristeza no olhar diante das dramáticas condições de quem não soube organizar bem a vida. Foi aqui que eu vi Jesus. Reconhecer a presença de Jesus em um ambiente como esse é uma forte emoção, que conduz, inevitavelmente, a visões e comportamentos novos e diferentes. Jesus coloca você diante de si mesmo: se sentir dor, desconforto, significa que você não começou um trabalho de renovação, por que continuar a defender-se, a encontrar desculpas, não o faz feliz e, sobretudo, não o torna livre, enquanto que, pelo contrário, buscar tocar os limites e recomeçar deles para melhorar, sim.
P., da prisão de Chiavari
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