Para muitos, uma longa viagem. Que valeu a pena para todos os jovens que, naqueles três dias de Exercícios espirituais, levaram a sério a proposta de descobrir o próprio coração e o desejo de infinito. Que nada, nem ninguém, pode saciar, mas que em tudo encontra uma ajuda para caminhar rumo Àquela única presença que nos sacia
“Sem discursos, por favor. Apenas documente.” Este foi o pedido que padre Julián de la Morena fez no início dos Exercícios espirituais dos universitários e jovens trabalhadores de CL. E que permaneceu como o pano de fundo das conversas durante o jantar, o café e nos períodos de intervalo durante os dois dias de encontro, realizado de 23 a 25 de abril, em Mariápolis. Para orientar ao trabalho de reflexão pessoal apenas uma pergunta: É possível documentar a contemporaneidade de Cristo? Ele existe mesmo?
Mais do que uma pergunta a ser respondida na Assembleia havia a indicação de uma atitude pessoal, de uma forma de estar presente nos Exercícios que exigia grande honestidade consigo mesmo e escuta atenta ao outro. Fórmulas religiosas aprendidas na Igreja e até mesmo no Movimento não servem para responder a esta questão, pois este é o ponto em que se joga a verdade do nosso caminho e sobre o qual não se pode hesitar: Cristo existe hoje? É real? Onde O encontro vivo, hoje?
Atendendo ao pedido, jovens de Salvador, Ribeirão Preto, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Aracaju e Belo Horizonte, revezaram-se ao microfone em depoimentos que revelavam um cotidiano normal, banal, sem fatos excepcionais aos nossos olhos acostumados às manchetes dos jornais, mas que contrastavam com a força da verdade que carregavam. Por exemplo, Marília, de Brasília nos contou: “Eu e minha chefe do estágio sempre nos demos muito bem, e conversávamos muito, eu contava o que era o Movimento e o que isso influenciava na minha vida, e ela começou a mostrar grande interesse e querer saber sempre mais. Ela dizia que algo chamava a sua atenção, porque eu era diferente. Começamos aos poucos a fazer Escola de Comunidade no setor e rezar o Angelus todos os dias. Tem sido uma experiência muito bonita e agora ela está começando, aos poucos, a participar de outros gestos de CL também. Quando o Julián perguntou onde eu, hoje, reconheço os sinais que Ele é Deus na minha vida e como posso documentar e identificar como Cristo está vivo hoje, eu me lembrei de tudo isso. Isso que me chamou tanta a atenção naquele grupo de pessoas de todos os lugares, certamente, é Cristo vivo, e por ter ido atrás disso, hoje posso ser instrumento para que outros também o reconheçam.”
Partir da humanidade. Foram muitos os relatos de mudanças ocorridas na própria maneira de ser, nas escolhas, na rotina do dia a dia da faculdade, no namoro ou com os amigos. Mas nós, como filhos do nosso tempo, cuja mentalidade foi gerada na estrada aberta por Descarte, continuamos a afirmar a dúvida como ponto de partida para o conhecimento da realidade, o que paradoxalmente nos impede de compreendê-la naquilo que é, porque nos mantêm presos aos nossos esquemas mentais, à imagem que dela fazemos. Porém, diante das objeções fomos incitados a utilizar melhor nossa inteligência, a refazer as perguntas da maneira mais justa, mais razoável. Pode um homem culto dos nossos dias crer realmente em Cristo? Como responder afirmativamente a esta pergunta sem apoiar-se num discurso apreendido, mas na certeza que nasce do reconhecimento de uma presença real? Como adquirir esta certeza? Somente se tivermos um método adequado a isto. Um método que tem como ponto de partida o conhecimento da nossa humanidade, a consciência atenta e apaixonada de si menção, que se depara com um coração que grita pelo Infinito, um coração que é ferida, que é “algo dramático: dramaticamente bom”, como dizia Alexandre.
Isabela, de Ribeirão Preto, sentiu-se provocada: “Se eu pudesse descrever em apenas uma palavra o meu antigo posicionamento diante da realidade, certamente, essa palavra seria apatia. Apatia diante dos sinais da Presença, do ser humano, enfim, do Mistério. Porém, quando você consegue experienciar a Verdadeira plenitude da Presença de Cristo, essa apatia dissolve-se, não cabe mais, não tem sentido. Se fizermos um juízo a respeito do reconhecimento da contemporaneidade de Cristo, de como o Mistério pulsa na realidade, é incoerente e, principalmente, raso e pobre um posicionamento estático. Nos Exercícios notei que, toda a dinâmica da mudança ocorrida na minha vida, iniciava por um processo de comoção pela minha humanidade, reconhecimento que antes me levava a uma angústia e certa acomodação, apatia. Mas é impossível permanecer nesse marasmo se você verdadeiramente reconheceu e fez um juízo da presença viva do Mistério”.
Para Paula, de Belo Horizonte, os Exercícios representaram uma revolução: “Ao ouvir um amigo de Brasília que dizia: ‘agora tenho tudo o que quero, mas ainda não estou feliz’, me dei conta do real sentido da frase ‘o coração humano tem um desejo infinito de felicidade’, que venho repetindo há anos. A frase do Thiago me fez pensar em como eu chegaria à plenitude ou à letícia que aprendemos na Escola de Comunidade. Se meu coração tem um desejo Infinito, um infinito que não é um finito grandão, mas é algo que não tem fim, é algo que não pode ser preenchido por nada que é humano, nada que construímos, então, como chegaria à plenitude? Isso me pareceu desesperador! Que coração é esse que sangra a vida toda e, por mais que eu me esforce, não para de chorar? A minha primeira reação foi dizer, chorando, que eu não queria isso, não queria um coração assim. Não queria viver a vida toda lutando para preenchê-lo em vão”.
A tristeza, o mal-estar, que muitas vezes parecem não ter justificativa é a nossa saída, porque nos revela a natureza do nosso ser. “Por que me é dada esta humanidade? É aqui que começa o homem” afirma Giussani. A insatisfação não é nossa inimiga, mas ao contrário é o meio pelo qual podemos reconhecer Cristo. E foi o que Paula descobriu: “Mas, ao escutar o Julian e o Alexandre me dizendo que não adiantava chorar, que esse era o meu coração e que agora eu deveria olhar para ele de uma forma diferente, me lembrei do testemunho de Marcos e Cleuza na noite anterior e de tudo o que eu tinha visto e vivido no Paraguai (quando fui visitar as obras de padre Aldo e conhecê-lo) e percebi que esse coração, movido por esse desejo de felicidade que não tem fim, é o que me permite acordar todos os dias. É ele o responsável por essa febre de vida que essas pessoas vivem e que eu também quero para mim. Então, apesar de ainda me parecer desesperador, estou mais tranquila, porque sei e acredito no que meus amigos dizem que olhando para a realidade e para a nossa humanidade encontramos Aquele que é o único que consegue responder ao nosso desejo. Agora, cada ponto da minha vida é uma ocasião positiva, não para preencher um infinito, mas para encontrar aquele olhar único”.
Uma provocação para o dia a dia. O que vimos em ação foi a força de um método, capaz de gerar homens adultos que possam enfrentar os desafios de hoje sem renunciar a nada. Homens que carregam uma certeza, que não está ancorada num discurso religioso suficientemente inteligente para dar respostas às questões atuais e dialogar com posições diferentes, mas que provém de um trabalho de reflexão que exige a mobilização de todos os aspectos da própria natureza humana: a razão, a sensibilidade, as características pessoais.
O que mudou? As circunstâncias são as mesmas e a aridez também. Mas a provocação dos Exercícios permanece. Lucas, de Aracaju, conta como tem vivido esse tempo: “Hoje faz uma semana que retornei dos Exercícios. A secura começa a retornar. Mas agora é diferente. Essa falta de gosto, essa insatisfação começa a tornar-se desejo, pedido. Meu projeto de pesquisa (que muitos acharam uma ótima intuição) só me serve para eu entender um pouco mais do que sou e para Quem eu vivo. As amizades na universidade, que começam a me deixar insatisfeito por não levarem a sério Cristo, me provocam a ter o mesmo olhar que Cristo tem por nós e ver como eu sou essa criatura frágil e infiel, mas que pede ‘Senhor, que eu queira Te querer!’ E quando uma amiga me perguntou se essa angústia era boa ou ruim, respondi que era boa (ainda que doesse), e até disse que não me importava em perder o gosto por tudo na vida se fosse para ter mais forte em mim o desejo infinito por Ele. Mas é incrível que quanto mais me interesso, quanto mais desejo Cristo, mais as coisas são interessantes. Não por elas, mas por Ele. Que desproporção! Ele me pede que eu largue tudo por Ele, mas em troca Ele me dá o Tudo (Ele mesmo) e mais um pouco (todo o resto)”.
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