No auditório do Centro Alvorada, um grupo de jovens que começam a experiência do trabalho encontra-se com amigos mais velhos que possam iluminar o caminho. E ajudá-los a fascinar-se pela vida
Em outubro próximo completa-se nove anos do Projeto Jovem Aprendiz, do Centro Alvorada, em Belo Horizonte. Esta iniciativa teve início pelo desejo de continuar a proposta educativa feita aos meninos que frequentaram a creche e depois o reforço escolar no bairro Jardim Felicidade. Em uma parceria com o Banco do Brasil, o Centro oferece vagas de primeiro emprego para jovens entre 15 e 17 anos.
Lúcia de Fátima Silveira coordena o projeto desde o seu nascimento e atualmente a equipe conta também com a psicóloga Amanda Cristina Pereira, o assistente Wallace Carrieri e a secretária Deise Nunes.
Para conseguir a vaga os jovens participam de um curso preparatório composto de noções de educação profissional e formação humana. As turmas costumam ter entre 35 e 40 alunos e os que mais se adequarem ao perfil são encaminhados pela entidade ao Banco. Ali o jovem realiza serviços básicos como arquivo, cópia de documentos, transmissão de fax, atendimento telefônico. Ao Centro cabe a continuidade da formação para os jovens que conseguirem o emprego. A grade de conteúdos deve abordar temas como afetividade, convivência e relacionamentos.
No último dia 8 de maio, Marco Montrasi (Bracco), responsável nacional de Comunhão e Libertação, junto com Cleuza e Marcos Zerbini, da comunidade do Movimento em São Paulo, encontraram-se com estes jovens. O objetivo era conversar com eles sobre algumas perguntas que nasceram do embate com a nova realidade do trabalho. Para introduzir o encontro, os jovens cantaram duas músicas e depois a jovem Noele Pereira, ex-aprendiz e agora professora de teatro no Centro, recitou a poesia Desenredo de Adélia Prado, cujo verso final representa bem o ânimo de todos os presentes: “Para o desejo do meu coração o mar é uma gota”.
Sede de infinito. Na primeira colocação, um rapaz de 16 anos falou de um drama que começa a viver: “No trabalho, vejo que as pessoas vão perdendo a compaixão umas pelas outras. Isso é feio e fiquei me perguntando: como faço para não perder o amor, para não perder a minha humanidade? Não quero me tornar um adulto feio”. Marcos contou um pouco da sua experiência lembrando que, quando jovem, também tinha muitos amigos com o desejo de construir um mundo mais igual, em que as pessoas se preocupassem umas com as outras. Mas com o tempo, e sem uma companhia, as pessoas foram se fechando nas questões pessoais e individualistas. “Esse é o risco que cada um de nós corre: de nos tornarmos velhos e vazios. O nosso coração tem sede de infinito, nunca está satisfeito, quer sempre mais. Isso é próprio do ser humano. O coração é o instrumento que Deus nos deu para buscarmos a Ele. Mas muitas vezes pensamos que é preciso diminuir esse desejo, começamos a abafá-lo”.
A sala estava cheia. Eram cerca de 120 jovens que, atentos, ouviam aquele homem que falava comovido. E Marcos continuou: “Fazer o caminho correto exige sacrifício, exige um trabalho pessoal nosso, que muitas vezes não estamos dispostos a fazer. Mas a única possibilidade de você manter esse desejo, essa sede de felicidade que o seu coração te dá hoje, é prestando atenção nesse coração e tendo a coragem de seguir o que ele te pede. A felicidade não está em não ter problemas e viver uma vida cômoda, mas em ter a coragem de seguir o que o teu coração pede. Se você for fiel a ele e se der conta de quem são os amigos que Deus te dá pra te ajudar nesse caminho, eu posso te garantir que daqui a 20 ou 30 anos você ainda vai manter vivo os seus desejos, vai fazer com que a sua vida vibre”. Marcos falava do grande desafio de manter vivo o coração e de procurar a companhia daqueles que vivem assim também. “Eu diria duas coisas fundamentais: primeiro, nunca deixe de ouvir o coração, e siga o que ele te pede, segundo, procure a companhia de pessoas que vivem da mesma forma, porque é olhar para as pessoas que vivem com este desejo de fazer da vida uma aventura todo dia que ajuda a gente”.
No salão em que o encontro foi realizado há uma grande imagem de Dom Giussani, fundador de Comunhão e Libertação, abraçado com Rosetta Brambilla, fundadora do Centro Alvorada e de diversas outras obras sociais em Belo Horizonte. Tudo nasceu da amizade entre os dois e por isso um jovem pergunta aos três visitantes: “O que significa Dom Giussani para vocês?”. Bracco conta a sua história, sobre o encontro com o Movimento, na Itália, quando tinha a idade deles: “Eu vivia sempre com essa tristeza dentro de mim, também quando estava os meus amigos ou fazia as coisas que gostava. Eu lembro que sempre voltava para casa com um gosto amargo dentro de mim, com uma grande insatisfação no meu coração. A mudança se deu quando eu fui convidado a um encontro como esse e ouvi um homem falar. O salão estava cheio e eu fiquei do lado de fora ouvindo. Ele estava contando de duas pessoas, João e André, e contou que esses dois, um dia, encontraram um homem em que todas as exigências que eles tinham foram levadas a sério. E mais do que levar a sério, fazia explodir o coração deles. Nunca tinham sido olhados assim. Aquele é o encontro do Evangelho. Eu não via quem falava, apenas escutei uma voz meio rouca, mas voltei para casa e aqueles foram os dias mais felizes da minha vida. Eu queria ir atrás dele de novo, eu queria voltar a escutá-lo. Eu precisava voltar a procurar aquela voz, aquele olhar. Mudou o modo como eu olhava para a minha mãe, como olhava as coisas da minha casa. Eram as mesmas coisas, mas eu olhava diferente para elas. Entendi que algo tinha mudado quando ouvi aquele homem. Fui perguntar para os amigos quem ele era. Se eu penso depois daquele dia, com altos e baixos, foi sempre um crescimento, foi sempre aprofundar aquele encontro. Isso continuou com o Carrón, continuou com a amizade com o Marcos e a Cleuza. Uma coisa verdadeira, quanto mais abre ao infinito, nunca para”.
Descoberta da gratuidade. Muitos desses jovens haviam participado da Coleta Nacional de Alimentos que o Movimento promoveu em outubro do ano passado. E trabalhar ali, gratuitamente, marcou a todos. Lúcia conta que foram muitas as perguntas sobre este tema. Os jovens aderiram à proposta por ser uma atividade extra, e sem muitas pretensões. Porém, passando aquele dia no supermercado entenderam grandes coisas. Thais, por exemplo, conta o que a surpreendeu: “Chegou uma mãe e a filha com o carrinho cheio de coisas e a mãe falou para a menina dar o alimento. E ela disse que não ia dar aquilo e queria dar o que ela mais gostava e pegou um pacote de balas. Isso me impressionou muito. Como pode uma criança dar o que mais gosta? O meu sentimento depois era de gratidão”. Marcos chamou a atenção de como é importante aprender a olhar para o nosso coração. Fazer a Coleta era algo novo, em que vinha a tentação de não participar. Mas a vida é dom e se realiza na doação. Todos, depois de participar do gesto, puderam verificar isso.
Os jovens ainda fizeram perguntas sobre a luta de Marcos e Cleuza na Associação dos Trabalhadores Sem Terra, sobre a esperança e também sobre a facilidade que muitos têm em deixar-se levar pelo comodismo. Cleuza afirmou: “Quando fiz o encontro com o doutor Alexandre Ferrari e conheci Comunhão e Libertação a minha vida mudou. Entendi que o que corresponde ao meu coração é Cristo. Ele é o centro da minha vida. O que me mantém é o meu sim a Cristo. Tenho muitos problemas, mas nada tira a alegria da minha vida. Acontecimentos como este encontro me mantém no dia-a-dia”.
No final, havia um clima de festa. Todos estavam contentes e agradecidos pelo que viram e ouviram. E Amanda, a psicóloga do projeto, finalizou com um desafio aos jovens: “Essa vida fascinante que a gente vê neles é possível pra gente também. É uma promessa e uma esperança para a nossa vida”.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón