O que posso oferecer a estes jovens?
Quarta-feira à noite foi a inauguração da Los Angeles Habilitation House (uma obra que oferece trabalho a pessoas com necessidades especiais). Um modo simples pelo qual queríamos comunicar algo a todos aqueles que nos últimos meses conheceram a razão da mudança que o trabalho está produzindo em nós e nos que trabalham conosco. Um momento simples, como simples se torna a comunicação quando o que comunicamos é algo que amamos. Reunimo-nos por uma hora, fizemos um lanche à base de queijo e salame. Uma exposição com as fotos nossas e dos jovens trabalhando, acompanhada de alguns textos de Dom Giussani sobre o tema do trabalho e da afeição. Dois breves testemunhos descreveram a mudança desses jovens desde que começaram a trabalhar. “Estão começando a descobrir a si mesmos”, contou um deles. Um pai, em lágrimas, olha para mim e em voz baixa, entrecortada pela emoção, sussurra: “O que vocês estão fazendo é heroico; é uma coisa que eu não posso dar a meu filho”. No mesmo instante vêm à minha mente as palavras do Magnificat: “O Senhor olhou para o nada da Sua serva”. O que é que eu posso dar? O que estou dando? Um discurso sobre o homem e suas necessidades? Uma teoria ou um trabalho que torne menos difícil a complexidade da vida? Nada disso. A minha vida, marcada pela Sua presença. A beleza daquela noite, compartilhada por quarenta pessoas muito diferentes (empresários, mães e pais de família, desempregados, professores, psicólogos e advogados), que se encantam com uma humanidade toda ferida, mas apaixonada por Ele. Por Ele que é a razão que emerge daquelas fotos, da maneira como se amarra a corda que sustenta os painéis, de como se corta a fruta e o salame e de como se comunica a nossa experiência de trabalho, de como as pessoas dialogam, escutam e se abraçam. À noite, volto para casa, pela mesma estrada, atravessando as mesmas ruas, mas com uma certeza mais forte, maior, porque “a minha alma engrandece o Senhor”, porque vivo uma vida e não um discurso, justamente porque “Cristo começou a se mexer no ventre de uma mulher”.
Guido, Los Angeles (EUA)
Os encantos de um passeio de moto
Há uns dias atrás, saí para um passeio de moto. O dia estava lindo e eu percorria maravilhado aquelas estradas ensolaradas. De vez em quando eu exclamava: “que beleza!”. Cada coisa estava no seu lugar e eu me deliciava com essa experiência. De repente, veio à minha mente um pensamento: mas se não houvesse Cristo em meio a toda essa alegria, o que restaria? Nada que valesse verdadeiramente a pena. Não que passear de moto não seria mais gostoso, mas a dimensão do prazer, a grandeza dessa experiência, simples – e se quisermos, efêmera –, depende d’Ele. Seja viajando, ou quando desço da moto, eu percebo isso. Ele dava dimensão de eternidade a uma experiência bonita, mas por si mesma finita. O interessante é que, dali em diante, eu me tornei uma pessoa que passou a viajar de moto com um prazer cem vezes maior. A evidência de que Cristo era a substância de um gesto tão “inútil” emergia com toda a sua força, e enquanto eu pensava nisso não podia deixar de afirmar uma Presença que me era tão familiar e carnal, e da qual depende todo meu jeito de ser. É Alguém que multiplica o meu prazer de andar de moto, Ele é um companheiro que viaja comigo. Nem era preciso se esforçar. Relembrando aquele dia, digo para mim mesmo que o que aconteceu ali pode ocorrer inclusive dentro de uma circunstância que aparentemente só tem aspectos negativos. Isso me leva a pedir-Lhe que eu possa continuar a senti-Lo presente, a mendigar uma capacidade de juízo segundo a minha verdadeira natureza. Tudo se torna mais “humano”, mais “para mim”.
Gigi
Uma última implicação: quem és Tu?
Era madrugada de domingo. Estava de plantão. Eu tinha acabado de “salvar uma vida” – um menino vítima do crack –, e me preparava para descansar um pouco. Às 03h38, dava por óbvio meu trabalho e que estava tudo bem em casa. Então, recebo uma mensagem no celular: “Não basta saber o que é o casamento, para que se sustente, não basta saber o que é o trabalho para que não se transforme num túmulo...” (Carrón, La Thuile, p. 4). “Trabalhar é mais uma obra. Seguir Aquele que nos deu a vida é a certeza do caminho. Depois, a obra é para Cristo. Você me permite? Hoje, tenho fé. Como são belos nossa casa e nossos filhos! Bjss, Alessandra.” Minha esposa e dois de nossos filhos acordados até aquela hora. Não conseguiam dormir e choravam diante da mãe. A casa estava uma bagunça devido a um almoço no sábado. Imaginem que ela tenha entendido aquelas coisas olhando essa realidade! E me faltava aquele
juízo da Alessandra, mesmo após ter feito bem o meu trabalho, reanimando um coração parado pelo crack. Vivi aquele contexto mecânico de forma mecânica: ninguém para me agradecer, e eu sem aquela humanidade desperta pelo trabalho médico. Para a Alessandra, ao contrário. Ela estava segura da vida como caminho ao destino e, por isso, respondia à vocação. “Hoje, tenho fé”, ela dizia, fé como o reconhecimento da presença real de Cristo e como a coisa mais bonita de uma casa ou de um trabalho. Como a experiência da minha esposa se tornou minha? Como também pude entender e ver que era Cristo? Voltei à sala de emergência e fiquei olhando aquele rosto de menino, então sedado e ligado ao respirador através de um tubo. Que respeito àquele Mistério! Que afeição senti! Rosto delicado de Cristo. Ao chegar em casa, todos dormiam (finalmente), a casa perfeitamente limpa e arrumada. Olhando cada um deles no contexto daquela noite, restava uma única pergunta, uma “última implicação”: Quem és Tu? Quem és Tu que enche tudo com a Tua presença, minha afeição, minha casa, meu trabalho?
Wandré, Belo Horizonte – MG
Um gesto para a vida toda
Cheguei para colaborar na Coleta de Alimentos após 75 dias de desemprego. Ficar desempregado não é uma situação agradável para ninguém. Aos 52 anos de idade, piorou. Dias e dias enviando currículos, as respostas não vêm, o telefone não toca, o tempo vai passando, a sensação de inutilidade aumentando, na cabeça vazia ecoam os pensamentos: o que eu fiz da minha carreira, do meu trabalho, da minha vida? Muitas perguntas e dúvidas. De certo, parece que tenho garantido apenas a depressão. Por conta de circunstâncias não planejadas por mim, fui conversar com padre Julián de La Morena, que me disse: “Olha, aqui na Sede do Movimento temos muito trabalho!”. Após a conversa, desço as escadas da Sede e apresento-me ao Douglas, o coordenador da Coleta: “Chefe, estou ao seu dispor”. E assim foi por uma semana. Embalar material, preparar planilhas e mais planilhas, fazer telefonemas ou algum serviço de transporte. Na véspera da Coleta perguntei: “Douglas, para onde vou?”. “Não sei, ligo à noite para você”. Assim, nos últimos momentos fui designado para o Extra Morumbi. Chegando lá, a coordenadora da loja me mandou ficar na abordagem. É ali que precisam de ajuda. Quem se colocou a serviço, disposto a obedecer a ordens, não pode recuar. Vamos lá. Em qualquer gesto público, a minha primeira tendência sempre foi a de escolher para quem vou entregar o panfleto, selecionar para quem farei a proposta. Mas desta vez, foi diferente. Eu havia passado uma semana convivendo com vários coordenadores da Associação de Marcos e Cleuza, que fica ao lado da Sede do Movimento. Almoçamos juntos praticamente todos os dias. Impossível não entender que as coisas são muito mais simples do que eu imagino. Aquelas pessoas enfrentaram situações na vida muito mais complicadas que a minha. Eu perdi o trabalho agora. Eles, muitas vezes, perderam tudo o que é material. Mas não perderam a sua humanidade. E por isso retomaram, e continuaram. Sou um desempregado, mas estudante de Direito. Por conta da faculdade, comecei a fazer um trabalho sobre a Associação. Aquelas pessoas que estavam ao meu lado, com quem eu convivi naquela semana, eram as personagens das várias histórias que eu estava lendo. E eram pessoas que entendiam da experiência da Igreja, de protagonismo, da presença e das palavras de Dom Giussani com muito mais propriedade do que eu, um dos “dinossauros” do Movimento. Voltamos à panfletagem. Simplicidade é abordar todo mundo. Sem escolhas. Sem preconceitos. E assim foi o dia inteiro, não sei por quantas horas, pois como sempre faltam pessoas, fui continuando à frente da entrada do supermercado, abordando a todos os que chegavam. E, de repente, percebi uma coisa: estava feliz. Rindo, relembrando velhas histórias e contando piadas como há muito tempo não fazia. Estava feliz porque o gesto da Coleta me pertencia, porque eu queria realmente abordar as pessoas, explicar as razões do que fazíamos, quem éramos. Estava feliz porque queria bater o recorde de arrecadação. Estava feliz porque via a preocupação do Marcão e da Eliane com cada detalhe do gesto. Estava feliz porque conhecia pessoas da Empresa Vivo que estavam lá por uma campanha interna da empresa, mas eram pessoas com quem realizávamos um encontro e vivíamos um gesto pleno de razões. Estava feliz porque aquele momento tinha um significado e porque sabia que era possível viver assim. Não como uma figura de linguagem. Mas de verdade. Conversando depois sobre o gesto, entendi também como é importante ficar na condição de quem pede. Naturalmente, até por condição profissional, fiquei na ilusão de que eu mando, eu faço, eu compro, eu pago. Então, o “eu-sou-Tu-que-me-fazes” vira um discurso. Viver o gesto de pedir, principalmente nesta circunstância de desemprego, foi uma experiência e tanto. Agradeço ao padre Julián por me oferecer esta possibilidade de trabalho. Peço que aquilo que vivi na Coleta torne-se cada vez mais a forma de viver o meu dia-a-dia. Em tempo: estou empregado novamente.
José Eduardo, São Paulo – SP
O trabalho e o contragolpe do ser
A cultura de trabalho que há em minha firma e no ramo em que opera, faz com que todos os dias haja uma grande pressão para obter resultados imediatos. O ano passado foi particularmente duro para mim. No começo das férias, cheguei muito cansado e irritado com o trabalho e a vida. Tudo o que acontecia era uma complicação a ser evitada ou eliminada. E isso não só no trabalho, mas também nas propostas do Movimento, em casa com minha mulher e meus filhos. Em outubro, Bernhard Scholz, presidente da Companhia das Obras, veio ministrar um curso para empresários sobre o tratamento de funcionários. Foi uma revolução na minha vida, profissional e pessoal. A primeira coisa que me tocou foi que aquilo que ele dizia correspondia totalmente à maneira com a qual eu desejava viver o trabalho, com indicações concretas, mas, antes de mais nada, com um olhar sobre o trabalho que eu buscava. A segunda coisa é que Bernhard, à noite, falou em um encontro sobre a última encíclica do Papa, abordando a maneira cristã de viver o trabalho. Impressionou-me a sua unidade, pois não havia a separação que eu vivia entre o trabalho e Cristo, com o esforço de acrescentar Jesus às minhas circunstâncias de trabalho ou pessoais. No dia seguinte, no escritório, comecei a seguir as indicações que Bernhard tinha dado, e tudo mudou. Mudou a maneira de olhar meus funcionários, dando indicações, procurando estar diante deles para responder seus desejos. É impressionante como mudou o olhar e a abertura deles em relação a mim. Começaram a trabalhar melhor, tornaram-se mais responsáveis, mais livres no relacionamento comigo. Estou mais feliz. Olho aquilo que acontece com mais coragem e alegria. Na semana passada, um dos meus diretores, enquanto discutíamos sobre um projeto importante, a um certo ponto disse: “Vai acontecer alguma coisa nos próximos dias?”, e eu, pego de surpresa, respondi: “Não, por quê?”. E ele: “É que, ultimamente, você sempre tem o rosto como o das crianças antes de abrir os presentes de Natal”. Ele me fulminou, comecei a rir e o agradeci. Acho que entendi o que é o contragolpe do ser e acho que dei um juízo, finalmente, depois de 24 anos de Movimento.
Frederico, Lisboa (Portugal)
Uma festa especial para Juan Ignacio
Viemos para Santiago, vindos de Temuco, uma cidade 800 quilômetros ao sul, porque nosso terceiro filho, Juan Ignacio, precisava de assistência médica, pois sofria de fibrose cística. Apesar de todas as dificuldades, nossa vida mudou profundamente. Mudou porque fomos abraçados de uma maneira diferente por nossos amigos. A doença, além de ser grave, tem um custo financeiro alto, e nós não tínhamos dinheiro para cobrir todas as despesas. Hoje, Juan Ignacio tem 2 anos e meio, e foi durante este período que se revelou em nós – minha família e nossos amigos – uma necessidade diferente, que tocou os corações e colocou em movimento o motor mais importante. Nossos amigos ficaram perto de nós e, juntos, decidimos promover um evento com o objetivo de ajudar a sustentar economicamente o tratamento. E, assim, tivemos a ideia de organizar um jantar para arrecadar fundos. O que aconteceu foi um verdadeiro milagre, muitas pessoas sentiram-se envolvidas e trabalharam com empenho para que o jantar pudesse atingir seu objetivo. Muitos me diziam: “É magnífico! Vê-se o gosto para que tudo seja bonito, bem organizado”. Uma das coisas mais surpreendentes é que todo o material necessário, e o próprio trabalho, foram oferecidos gratuitamente. Isso significa que, além de colocar a mão na carteira para pagar o jantar, todos ofereceram tempo, trabalho, visitas a instituições para conseguir o material. Durante a última internação de Juan Ignacio, os amigos organizaram uma corrente de orações, pedindo a Dom Giussani para interceder para que um milagre acontecesse. Todos esses gestos significativos tornam a companhia um lugar onde os amigos lhe abraçam, o Movimento torna-se experiência. Rostos concretos nos quais, todos os dias, se reafirma o nosso “sim”. Viver a doença de Juanito compartilhando-a com os amigos me permite ser ainda mais consciente da presença de Cristo entre nós. Eu poderia me fechar na dor, na tristeza e no amargor da pergunta cotidiana: por que comigo? Ao contrário, agora digo: por quê? Como disse na noite do jantar: “Amigos, quando nosso coração se comove, nos colocamos em marcha, as pessoas se movem. Foi isso que Juan Ignacio fez em nós, e nos remete sem dúvida a Cristo entre nós pela ajuda e pelo amor que hoje nos é oferecido”.
Viviana, Santiago (Chile)
Exercícios dos universitários
Um ponto sem retorno
Caro Carrón, depois dos Exercícios dos universitários, em dezembro, não é possível voltar atrás. Cheguei em Rímini realmente tomado por uma pergunta. E voltei para casa sem nenhuma resposta das que eu queria, mas com uma perspectiva completamente nova: não quero que ninguém me tire essas perguntas. Porque quando você começou contando o que lhe tinham dito no Brasil (que era preciso esquecer-se do humano) e depois disse que este problema também entre nós era vivo, pensei que eu estava fora disso: sim, esta questão diz respeito aos últimos chegados. No entanto, quanto mais você falava mais me sentia descrito em detalhes, e me lembrei de todas as vezes em que tudo ia bem, mas sempre surgia uma tristeza e uma nostalgia de fundo que me irritava. Estes Exercícios são um ponto sem retorno porque não ouvi grandes discursos, mas vi verdadeiramente o olhar do qual você falava. Diante de um olhar assim, realmente não tenho mais desculpas, diante da maneira com que padre Aldo falava, não posso mais colocar objeções. Tenho certeza de que essas coisas que escrevo não são os documentos de um testemunho psicologicamente exaltante, porque ouvi muitos, sempre pensei que poderia desarmar todos, mas desta vez quem foi desarmado fui eu. E agora? Tudo bonito, mas agora é preciso voltar à universidade, estudar. Mas não volto igual, porque tenho a certeza daquilo que vi, que não é diferente daquilo que preciso, que abraça e olha de um modo novo tudo aquilo que sou. Para verificar este olhar, preciso ficar atento a todo instante, devo entrar dentro dele. A outra questão é procurar este olhar no lugar onde estou, com os amigos que tenho por perto porque o grito que carrego é o que tenho em comum com eles e é o que mais nos pode manter unidos. O retiro termina e a aventura começa (ou melhor, recomeça ou continua), porque não desejo outra coisa a não ser viver tudo reaprendendo aquilo que achava que já sabia.
Francesco, Milão (Itália)
Credits /
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón