DA AREIA MOVEDIÇA
À CERTEZA DE UM ABRAÇOCaro Julián, há alguns dias fui à psicóloga que me acompanha há um ano no tratamento de distúrbios alimentares, problema que tento controlar desde a universidade, mas que comecei a enfrentar seriamente somente depois do encontro com o Movimento. No final da consulta, a doutora me disse que segundo ela, estou no caminho da cura e vai tentar me deixar caminhar sozinha por um tempo. Ela se disse impressionada de como as coisas tinham mudado em tão pouco tempo. Naquele momento, senti uma explosão de felicidade. O primeiro pensamento foi: “No final, quem venceu foi Cristo. Ele me encontrou há quatro anos, abraçou-me em todo o meu nada e de meu desespero e me devolveu a vida”. E, com o passar das horas, crescia em mim uma pergunta. Queria entender como e o que tinha mudado a ponto de eu conseguir sair de um problema que me atormentava há anos. Peguei o livro de Escola de Comunidade, e comparando a minha experiência com as palavras que lia, eu entendi: aconteceu a conversão. Foi isso o que me permitiu deixar espaço para Ele, deixá-Lo entrar, seguir Seu desígnio sobre mim sem medo. Um amigo disse, na última Escola de Comunidade: “A conversão não coloca você no centro, mas faz com que você olhe para si mesmo a partir daquilo que acontece na sua vida. Este movimento pessoal é uma passividade, um dar-se conta”. É exatamente assim: quando nos colocamos no centro, é como caminhar sobre areia movediça, não é possível ter nenhuma certeza, estamos à mercê das emoções do momento e nasce uma pergunta, uma necessidade à qual não sabemos responder, e diante dessa impotência construímos um mundo onde somos os mais fortes, onde tudo depende de nós, mas prestes a ruir de um momento para o outro. E, dentro, o coração grita de dor. Nada nos satisfaz. Quando você se dá conta d’Aquele que investiu sua vida, faz a experiência de um amor enorme que nunca tinha experimentado antes. Então, não é mais possível fazer as coisas prescindindo daquilo que lhe aconteceu, e se você se arrisca, sente imediatamente dentro de si a vida que grita e pede para voltar novamente o olhar em direção àquele significado maior que você entreviu por meio daquele encontro. Se hoje consigo olhar para o meu passado com ternura, e não com rancor, é somente porque pelo encontro com Ele tudo foi salvo e até aqueles momentos de dor e de desespero foram o modo como Ele escolheu para vir ao meu encontro, foram ocasiões para entender que o meu valor vai muito além das minhas obsessões. A vida passou por aquelas feridas e, quando penso nelas, me vem em mente: que graça eu recebi!
Giovanna
ASSIM, ARRISQUEI MINHA
MIGALHA DE LIBERDADE
Caro Julián, na volta das minhas férias, meu chefe me chamou para dizer que meu trabalho não ia bem, ou melhor, que eu não era uma boa funcionária, dando um juízo tão negativo sobre mim que me fez pensar em pedir as contas e procurar outro emprego. Diante da sua hostilidade, percebi que ou o seu juízo era a última palavra sobre mim, ou um Outro devia emergir. Por que, para mim, Cristo é contemporâneo? Enquanto meu chefe falava, me lembrei do seu rosto nos dizendo em uma Escola de Comunidade, no final de maio: “Seja qual for a situação, seja qual for a dificuldade que atravessa, seja qual for a circunstância ruim em que se encontra, o estado psicológico em que se encontra, quem de nós aqui presentes ou dos que nos ouvem, quem pode dizer que não é preciso mais do que uma migalha de liberdade para que uma pessoa comece a se olhar como Deus a olha?”. E naquela circunstância, ficou claro que o juízo sobre mim não coincidia com aquilo que meu chefe dizia, mas que o juízo sobre mim é que um Outro me ama, agora, neste momento. Reconhecê-Lo presente fez com que eu permanecesse no emprego e começasse a trabalhar ainda mais, procurasse novas estratégias, estivesse diante do meu chefe sem hostilidade. Pelo contrário, quando estou com ele percebo que não me defendo mais, sou livre porque estou na companhia de um Outro. Sem o trabalho destes anos, sem a Escola de Comunidade, sem o seu desafio contínuo e o de meus amigos, com certeza eu teria ido embora. Um dia, fui almoçar com minha amiga Claudia para contar tudo e buscar um pouco de conforto. No final, ela me disse: “Não tem muito a fazer, este ano você deveria se convencer de que precisa estudar”. No início fiquei um pouco chateada. Depois, aceitei o desafio, estou me rendendo àquilo que a realidade me pede, estou entrando mais no mérito de certas questões que dizem respeito ao meu trabalho e o que é surpreendente é que estou redescobrindo o gosto e o desejo de comunicá-lo, mas sobretudo está emergindo o meu eu, com todo o meu desejo de pertencer a Ele.
Paola
CLEUZA, OS MEUS ALUNOS
E AQUELE FOLHETO
Marcos, Cleuza e padre Julián de la Morena vieram encontrar a comunidade de Bogotá. Vieram junto com Carras para nos acompanhar durante o final de semana. No primeiro dia fizemos um encontro com a diaconia, para um diálogo sobre o que nos interessa conhecer: eles. Mas não é só isso! Eu também estava ali para conhecê-los. Mas havia muito mais. Vieram até aqui na Colômbia pela amizade com padre Marco e Juan Carlos, Patrizia, Iano e outros de nós, a quem tinham conhecido na Assembleia de La Thuile ou no Brasil na Assembleia da América Latina: “Viemos por pura amizade”, nos disseram. Uma amizade que depois de três dias juntos já se estendeu a muitos outros rostos. A primeira coisa que me marcou foi um gesto de Cleuza, aparentemente banal, durante o jantar. Marcos estava falando, e enquanto isso tinha nas mãos o convite que preparamos para o encontro público do dia seguinte, no Museu Nacional de Bogotá. Sem perceber, ele estava estragando o convite, pois o dobrava distraidamente. Cleuza pegou o convite, mas de modo muito gentil, e o colocou diante de si na mesa e com as suas mãos o esticou. Eu me comovi e me lembrei da intervenção que Dom Giussani gravou para os Exercícios da Fraternidade de alguns anos atrás, no qual no final recolheu todas as folhas e os livros que usou e saiu. O mesmo gesto e a mesma gentileza, o mesmo cuidado. E o final de semana foi assim: o drama da minha liberdade em ação, diante de todos eles. Constantemente em luta entre permanecer parada no sentimento negativo de mim mesma, ou olhar e pedir a caridade de poder estar presente deste modo, incluindo este sentimento de mim mesma, sem precisar eliminá-lo. E não poderia fazer de outro modo: eles vivem uma memória contínua, ou seja, para eles Cristo é o tesouro da vida. Perguntamos a Marcos: “Como você faz para ser fiel, para reconhecer Cristo em tudo o que acontece?”. Ele nos disse: “Não me preocupo com isso, o que mais me interessa é ver como Ele me alcança, como Ele me busca continuamente e não se dá por vencido”. É, em suma, a vida real, não um discurso ou uma tensão para que eu seja perfeito, mas é uma tensão ao Tu. Quinta-feira de manhã eles vieram na escola “A. Volta”, onde eu ensino, e encontraram os estudantes, desde o ensino médio até os mais novos do ensino fundamental. Nós professores não falamos muito, mas os meus alunos – que estão sempre distraídos, no mundo deles – olhavam para estes três amigos que falavam com uma atenção e com um silêncio inacreditáveis, e fizeram perguntas inteligentes, ou seja, verdadeiras. Cleuza começou a falar com os meninos: “Quando eu tinha 15 anos, eu vivia em uma zona muito pobre da minha cidade, éramos muito pobres e precisávamos trabalhar para levar comida para a família, não pudemos estudar. Eu era ligada à paróquia porque eu desejava fazer alguma coisa, queria fazer todo o possível para que os homens fossem felizes. Eu desejava isso, sempre desejei. Aos 15 anos temos grandes ideais, como certamente vocês têm…”. E tudo o que eles fizeram foi ditado pelo desejo profundo do coração, até ver que é Cristo que chega ali, na raiz do desejo. Eles falam coisas que não são simples palavras, é sempre aquilo que eles veem e vivem. É possível esta memória contínua? Parece o Paraíso, isto é, a Sua presença sempre, desvelada definitivamente.
Chiara, Bogotá (Colômbia)
AGORA A MINHA FÉ
NÃO É MAIS UM CASACO
Passei um ano muito intenso e doloroso do ponto de vista dos relacionamentos (meus pais em crise, uma grande amizade que me traiu, minha tentativa de ser eu mesma). Assim, deixei de fazer Escola de Comunidade durante um bom período, mas continuei a fazer a caritativa e a participar do encontro de sábado com um grupinho. Eu achava que isso era suficiente para me manter de pé. Mas não foi assim. Percebi toda a potência destrutiva da minha pequenez, do meu estar sozinha, da minha impotência. Nada me satisfazia e tinha perdido o gosto por tudo. Jesus não deixa faltar ocasiões e continuei a ir nos jantares em Milão. Mas eu piorava cada vez mais. Quando mentimos para nós mesmos é fácil que as pessoas não percebam o que está acontecendo. Nada me bastava. Não podemos eliminar o desejo. Passei as férias fazendo um trabalho intenso (começando pelas leituras indicadas e chegando ao Meeting de Rímini). Um verão em que nada me bastava, mas em tudo havia o sinal de Seu dom para mim. Rezei muito e olhei para as pessoas que são importantes na minha vida, mesmo as que estão distantes. E descobri outra vez que sou preferida. Não esperava receber um bem assim, porque não mereço, e é totalmente gratuito. Voltei a fazer Escola de Comunidade, não “porque o Movimento me diz para fazer”, mas porque não podia ir embora e tolerar minha pequenez diante da minha própria vida. Minha fé, que nunca perdi, era um casaco que, com a estação quente, guardava no armário para voltar a usá-lo assim que começava a sentir frio. Luisa – que faz caritativa no Banco de Solidariedade e acabou de começar a frequentar a Escola de Comunidade – me disse, uma manhã: “Antes, a missa era suficiente, mas percebia que a minha fé era apenas devoção. Agora entendi que preciso de algo mais”.
Elisa, Turim (Itália)
UMA EXPERIÊNCIA DE REDENÇÃO
Dom Giussani mais uma vez estava certo quando falou que a pior coisa que pode acontecer a uma pessoa é a perda da afeição a ela mesma. Após um longo período buscando realmente viver, a cada dia, conforme o Movimento me educa, depois de tantas experiências bonitas vividas e tantas testemunhas ao meu redor, comecei a fazer tudo errado novamente: as circunstâncias que antes me faziam persistir, crescer como cristã, começaram a ser uma pedra no caminho, algo que me fazia paralisar. E isso me entristecia e envergonhava de tal forma que eu acabei até me afastando dos meus amigos e parei de ir às Escolas de Comunidade, porque simplesmente me julgava uma miserável indigna de qualquer coisa, pois mesmo vivendo tudo intensamente, traí essa experiência. Depois de um tempo afastada de tudo isso, decidi voltar (Deus me deu a graça de ter amigos que não desistiram de mim quando eu já tinha desistido!). Havia em mim a esperança de que as coisas voltassem a ser como eram, mas eu andava a passos curtos, não me empenhava totalmente a encarar a vida. Até que eu me vi muito doente no hospital, com medo de morrer no estado em que me encontrava, longe de Deus, fazendo tudo errado... Eu lembro que suplicava outra chance para me redimir, pois pensava que se morresse ali iria para o inferno! A minha recuperação foi muito dolorosa para mim, mas ao mesmo tempo eu via acontecer de novo Cristo. Eu via acontecer a redenção que eu tanto pedia. A minha vontade de viver novamente era maior que todos os obstáculos por quais eu passava: injeções, antibióticos, saudades de casa... Mais uma vez a companhia que eu tenho me ajudou a reencontrar Cristo. Era comovente ver a dedicação da minha família, que não me deixou sozinha tempo algum; dos meus amigos de CL, que me ligavam sempre dizendo que estavam rezando por mim, que me visitavam quando podiam, que fizeram por mim muito mais do que eu esperava. Ao passo que era comovente, era também impossível não perceber o amor de Cristo por mim através dessas pessoas. Eu só tinha agradecimentos a fazer, só me restava reconhecer o que acontecia. Minha amiga Silvia levou o Livro das Horas para que eu pudesse rezar no hospital, e eu fiquei muito feliz enquanto rezava, quando eu lia que “a hora da salvação está próxima”, quando suplicava que Deus viesse em meu auxílio, quando rezava o Angelus pedindo a Nossa Senhora que eu dissesse “sim” a exemplo dela. Eu fiquei muito impressionada pelo fato de que a minha mãe, que normalmente é distraída, ficou provocada pela amizade que me unia aos amigos de CL, a ponto de dizer que um dia quer conhecê-los melhor. Espero que isso aconteça o mais breve possível! Enfim, só tenho a agradecer e pedir para que eu seja fiel àquilo que eu encontrei, pois eu tive que ter medo do inferno e sofrer no purgatório para poder voltar a experimentar o céu.
Mariane, Aracaju (SE)
Educar o coração
Ontem, ocorreu um fato que me abriu o horizonte e me deu esperança. Eu estava descendo do Morro onde trabalho e demos carona para um jovem que foi nosso aluno na creche e depois se envolveu com o tráfico. Tínhamos tentado ajudá-lo a não se envolver, mas ele, a certo ponto, decidiu por esse caminho. No ano passado foi preso por alguns meses e pensávamos que tinha se perdido. Hoje ele está trabalhando em um programa de recuperação e me contou que está muito feliz, que voltou a estudar e falou de seus projetos para o futuro. Ele quer escrever para seu padrinho no apoio à distancia da AVSI porque sabe que ele ficou muito preocupado com ele e quer contar-lhe que mudou de vida. Fiquei marcada por esse rápido encontro justamente neste dia de confrontos violentos na cidade, pois a força da mudança desse jovem foi para mim o juízo sobre aquilo que está acontecendo. A sua vida evidencia que para combater a violência é preciso educar o coração a identificar o bem e o mal, é preciso alguém que indique o caminho. De fato, o que muda o coração do homem é aquilo muda o mundo. Para mim, que encontrei a verdadeira esperança em Cristo, significa continuar a lutar para que Ele possa ser encontrado.
Paola, Rio de Janeiro (RJ)
Recuperar a beleza dos cantos
O “SAT’S A FACT” é a proposta de um encontro mensal, sempre em um sábado à noite, entre amigos, para redescobrir a beleza do Encontro através da música e de outras atividades culturais.
O nome “SAT’S A FACT” (inspirado no nome em inglês, “satisfaction”) surgiu com a ideia de representar a satisfação e a correspondência do encontro com Cristo às necessidades do nosso coração e, por outro lado, indicava que cada sábado (em inglês, “saturday”, aqui abreviado como SAT) seria sinal de um fato (“fact”) que marcou a nossa vida e a nossa história.
A proposta nasceu de uma familiaridade que já começava a ser experimentada dentro de um grupo de amigos da comunidade do Rio de Janeiro – batizada de Fraternidade Santa Clara – e agora é estendida a todos da comunidade. Ela também surgiu como resposta ao desejo de reencontrar a beleza de Cristo na música, através de encontros simples que pudessem despertar novamente em todos a alegria de pertencer ao Movimento Comunhão e Libertação e à sua história.
No primeiro evento, onde se desejou recuperar os cantos que há muito tempo haviam sido esquecidos, fez-se em primeiro lugar a leitura de um trecho do texto “Máxima expressão”, onde Dom Giussani diz “O início do canto do Movimento é o início do Movimento” e, ainda, “Pertence-se e surge o canto”. A seleção das músicas foi feita junto com outros amigos que aderiram com entusiasmo à proposta feita. O repertório incluiu músicas como “Mattone su mattone”, “Pim Pam”, “Carbonero”, “Go Down Moses”, “Freedom”, “Ho un amico”, “Viva la company”, terminando com “Povera Voce”. O encontro terminou com a oração da Ave Maria, entregando a Nossa Senhora toda gratidão pelo que estava reacontecendo conosco e com todos naquele dia. Nesse primeiro encontro, realizado no dia 30 de outubro, à noite, na Paróquia Santa Cruz de Copacabana, compareceram cerca de 40 pessoas de várias “gerações” de CL, da comunidade do Rio de Janeiro.
A alegria e a comoção contagiaram todos os participantes, inclusive as crianças e o pessoal da Cantina “Ho un Amico”, que preparou o lanche para o evento! O próximo encontro foi marcado para o dia 20 de novembro. Serão tocadas músicas populares brasileiras que já cantamos na nossa história, recuperando o seu significado. Temos certeza de que será também um momento de grande correspondência para todos.
Ana Beatriz
Rio de Janeiro (RJ)
E PENSAR QUE APARENTEMENTE NÃO É NADA DE EXTRAORDINÁRIO...
Oi Julián! Relendo as primeiras paginas do texto do Dia de Início de Ano, fiquei marcado por dois pontos. O primeiro, é quando você explicou a canção e disse que no momento em que o “homem mau” se perguntou quem era, começou a dar-se conta da realidade que tinha em torno de si. O segundo ponto está na primeira carta, quando o homem conta que depois do encontro feito nas férias, passou todo o mês de agosto buscando aquele olhar e percebeu que ele próprio era dom. Então, você acrescentou: “Esta é a conversão”. A luta dramática que sinto cada dia mais dentro de mim para afirmar o verdadeiro é vencida por um instante – uma conversa com um amigo, a regra da casa, a leitura – em que faço experiência de um renascimento. Asseguro a você: aparentemente não é nada de extraordinário, mas é por meio de algo excepcional que eu renasço.
Alessandro
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón