Vai para os conteúdos

Passos N.123, Fevereiro 2011

DESTAQUE - EMERGÊNCIA RJ

As feridas abertas

por Dom Filippo Santoro*

São mais de 700 as vítimas das chuvas que flagelaram a região serrana do Rio de Janeiro no começo de janeiro. Idosos que não têm mais nada e pessoas para quem resta apenas a fé. Fatos que nos chamam ao significado da vida e a nos abrir em solidariedade

A realidade desta catástrofe é mais dura do que aparece nas imagens da TV e na imprensa. A destruição é dramática como se um terremoto tivesse passado no Vale de Cuiabá em Petrópolis, em São José do Vale do Rio Preto, em Areal, em Teresópolis (Caleme, Campo Grande, Pessegueiros Cruzeiro, Santa Rita, Bonsucesso, Vieira) e Nova Friburgo. Mais de 750 pessoas, até este momento, perderam a vida. Muitos são os desabrigados e os dispersos e a natureza ficou destruída.
As análises mais imediatas acusam a ocupação irresponsável das encostas e a falta de planejamento urbano para a moradia de pessoas pobres que estão em lugares de risco.
É evidente também a agressão à natureza ao longo dos anos. Estamos diante do maior desastre ocorrido na história do Brasil. Mas estas observações não nos consolam nem nos satisfazem. É fácil identificar os réus do momento e ficar com a consciência acomodada, voltando à rotina cotidiana sem uma verdadeira mudança.
O drama é mais fundo e nos coloca diante do mistério da nossa existência e da nossa fragilidade, do limite e do mal. O drama nos sacode, provoca a solidariedade e levanta as perguntas mais radicais que a nossa sociedade normalmente censura.

Cristo não nos abandona. Durante o desastre todas as igrejas e igrejinhas da região ficaram de pé, mesmo sendo invadidas pela lama. É um sinal simples da cruz de Cristo que vive no meio do drama dos homens participando do seu sofrimento. Com efeito, Jesus entrou no abismo da morte tornando-se companheiro de todos os que perdem a vida, abrindo as portas da esperança. É preciso mesmo alguém que entre no âmago da morte e da vida para sustentar a esperança; e este é Jesus nosso Salvador, morto e ressuscitado. “Nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potências, nem a altura, nem a profundeza, nem outra criatura qualquer será capaz de nos separar do amor de Deus que está no Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8, 38-39). Na noite, na lama, na chuva Ele não nos abandona. Na ferida dolorosa deste dias Ele está presente como bálsamo de infinito amor que sustenta a disponibilidade a servir e o ímpeto grandioso da solidariedade que está se manifestando nestes dias. Visitando os sobreviventes desta região é visível a sua fé que sustenta a dor e acolhe a ajuda generosa de amigos e desconhecidos.
Uma igreja, perto de São José do Vale do Rio Preto, foi invadida pela água que havia chegado ao sacrário. Um jovem ministro da eucaristia foi até lá nadando, recuperou o Santíssimo e segurando-o com uma das mãos, enquanto com a outra nadava, o colocou a salvo. Junto com a graça de Deus é necessária a nossa iniciativa em reconhecer o Senhor e em trabalhar na solidariedade com todos, sem discriminar ninguém, dando um novo sentido à normalidade da vida. O dever da reconstrução cabe a todos nós em parceria com o Estado e com os poderes públicos para prevenir outros desastres e providenciar um planejamento urbano responsável.

Uma provocação para todos. Mas a ferida dos mortos quem curará? Exatamente esta ferida é abraçada pelo amor de Cristo que vive no sacrário como no seu corpo que é a Igreja e nos ensina a deixar-nos tocar pelos fatos, a ser solidários, a anunciar a Sua presença. Seria triste deixar-se arrastar pela avalanche da rotina e virar a página, talvez esperando o próximo carnaval! A grande provação destes dias nos ensina a reconstruir as cidades devastadas e a retomar com um significado novo o cotidiano, especialmente quando os holofotes serão apagados.

* Bispo de Petrópolis (RJ)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página