Começamos algo por muitos motivos. Mas “alguma coisa em ato” supera os pensamentos e põe a fé à prova. Itália, Espanha, Escócia, Rússia... Experiências de jovens e adultos entre os doentes, os pobres ou em casas de acolhida, para compartilhar gratuitamente o pouco tempo livre “que redime tudo”
“Muito bonito”. “O que é muito bonito?”. Mari-na não erra ao perguntar. Seiscentos pacientes, graves. Algumas pessoas estão no abrigo há quarenta anos: a maior parte nunca mais sairá da cama. Como Concettina, que está em um quarto com Teresa, mas não conversam muito porque Teresa só mexe as pálpebras. O Paverano de Gênova é uma entidade assim, vinte e seis aposentos para deficientes físicos e mentais incuráveis. Porém, os jovens saem dali, olham para Marina e a agradecem: muito bonito. “Mas, o que há de bonito?”, insiste: “Aqui só há dor”. O bonito é que foi ela quem os levou. É a professora deles, mas a coisa fugiu do seu controle.
O projeto era claro: fazer com que aqueles jovens vissem que a vida dos que sofrem também é vida. Eles não tinham a menor ideia, ela via isso nas discussões em sala de aula. Então, decidiu levá-los ao Paverano e eles quiseram voltar. Uma, duas, três vezes. E outros juntaram-se aos primeiros. Tornou-se a caritativa do grupo. “Nunca teria pensado em fazê-la, nem mesmo para mim”, diz Marina. Já fazia muitas coisas gratuitamente. Todas servindo ao Movimento. Mas fazer a caritativa fez a diferença, nunca mais conseguiu deixar de fazê-la. “Eu tenho necessidade de ver o rosto de meus alunos quando estão com aqueles doentes”. Vê-los se comoverem ao ver uma menina que passa os dias em um cercado batendo na própria cabeça e rasgando folhas de papel. E vê-los voltar na próxima vez com roupas esportivas para ficar com ela. Ou olhar Giulia, enquanto guia Fulvia, que é cega, surda e muda e caminha descalça porque é a única maneira de sentir a realidade. “Giulia estava ali, com ela, com um olhar de amor que mexeu comigo”. Havia alguma coisa em ato.
Algo que não se esvai. Acontece: “Quando volto da casa Paverano, me lanço nos estudos, fico com minha mãe. Mas me sinto diferente”, diz Alessia. Ela e seus companheiros foram ali para “entender” a vida de outras pessoas e começaram a fazer perguntas sobre a própria. “Não me vejo mais como antes. Não digo mais 'estou feliz, estou triste...' da maneira como dizia antes”, conta Alessandra. Até os relacionamentos na sala de aula mudaram. Em um ano de caritativa, viram que aquilo que cada um tem dentro de si “é o desejo de doar-se”, continua Marina: “A alegria que nasce quando libertamos este desejo indica que vivemos, conscientemente ou não, a lei do eu, da vida, que é o amor”. Por causa da felicidade que percebeu naqueles jovens, pediu que eles contassem o que estavam vivendo aos meninos do grupo dos colegiais: “Estes e os adultos da comunidade também aderiram ao gesto”. Este ano, assim que as aulas começaram, seus alunos pediram para recomeçar a caritativa. E não para levar àquelas pessoas um pouco de caridade: aquele lugar é um espetáculo de caridade. “Nós vamos para nos exercitar”, eles disseram. Para aprender a lei da vida. Mesmo que se entenda isso apenas depois, fazendo.
Pouco a pouco. Pode-se começar por qualquer motivo. Daschya começou a fazer caritativa na casa de acolhida Golubka de Novosibirsk, na Sibéria, porque seus amigos faziam. “Não fazemos nada de especial: cantamos, conversamos com os internos”. Mas sempre, quando vão embora, não veem a hora de voltar. “Tenho saudade do infinito”. Daschya não sabe dizer de outra maneira. Mas até que não saiba com clareza o porquê, “não conseguirá mais ficar tranquila”, observa Dom Giussani em O Sentido da Caritativa. O itinerário não importa, não é importante como você começa: quem começa é sempre Deus. Como na vida de Aleksandra, que sentia a necessidade de fazer algo de bom e conheceu as Irmãs de Madre Teresa, que acolhem crianças com síndrome de Down. O primeiro movimento acontece: em Gênova ou em Novosibirsk. Ou em Moscou, onde Aleksandra deduziu, no primeiro dia: “Nossa ajuda é insignificante, tanto para as crianças quanto para as Irmãs. Seria ridículo pensarmos que estamos fazendo o bem”.
Mas ela continuava indo, porque precisava encontrar um sentido para aquela dor injusta. “E para todos os momentos da vida de aparente sofrimento sem sentido”. E disse: “Depois, descobri que o meu problema era exatamente essa busca de sentido: o que a mantém viva em mim?”, arrancando a sua vida e seus juízos do automatismo, do costumeiro. “O que é capaz de renovar os fundamentos da minha fé? E tornar o meu coração capaz de um amor verdadeiro? Entendi isso fazendo caritativa, pouco a pouco. Lentamente, como diz Dom Giussani: “Lentamente, o pouco tempo livre redime todo o resto”. A presença daquelas crianças e daquelas Irmãs “me faz buscar o sentido na minha vida. Isso me faz buscar a confirmação de que existe Alguém que sabe as razões de tudo. Para quem não há nada de insensato”, diz Aleksandra. E ela ama aquelas crianças porque seu destino está inconcebivelmente ligado ao delas: “Não sou eu quem as abraça, mas me são dadas para que toda a minha vida seja abraçada”. A partilha de poucas horas por mês supera qualquer intenção, e entra na verdadeira medida da necessidade. Uma medida que ninguém possui.
Descobrir isso causa sofrimento. Como Eugenia que sofreu e chorou diante de uma mulher marroquina, viúva e com dois filhos, por quem tinha se desdobrado. Começou levando para ela, junto com outras pessoas, a cesta básica do Banco de Solidariedade em alguns ex-estábulos sem aquecimento onde vive uma dezena de famílias peregrinas e estrangeiras nas proximidades de Arezzo, na Itália. “Assim, liguei-me àquela mulher e seus filhos, que desejavam apenas encontrar uma casa digna para morar”. E encontrou muito mais: um bom trabalho, comida e alojamento garantidos, a escola próxima. Mas aquela mulher negou tudo, ficou no barraco. “Eu quis largar tudo. Depois do primeiro impulso, retomei O Sentido da Caritativa e li que Cristo poderia ter transformado as situações, mas as compartilhou. Se fez pobre como nós. Ele tinha um olhar diferente sobre tudo e sobre todos. E queria dá-lo também a mim”, conta Eugenia. E este olhar passava pelo cheiro desagradável daquele barraco em que falta tudo. Então, ela voltou.
Assim que ela e Antonio chegaram se viram rodeados pelas crianças: queriam ficar com eles. Então, improvisam uma mesa para desenharem todos juntos. E esta beleza se repete outras manhãs, debaixo dos olhares surpresos das mães. A impotência de antes transformou-se em uma maneira de estar com eles, um envolvimento novo.
Um dia, a mãe de um menino aproximou-se de Eugenia e disse decidida: “O que você fez com o meu filho?”. Ela se assustou: “O que eu fiz?”. “Não sei. Ele vai à escola todas as manhãs: coloca dois despertadores, levanta uma hora antes para se arrumar, passa gel nos cabelos, pega o ônibus. O que você disse para ele?”. Ela apenas o tinha ajudado a se preparar para os exames de admissão na nova série. E Daniel, jovem engenheiro, deu aulas de matemática à noite no seu escritório. “Durante estes anos cresceu uma história que me comove. Teve muitos frutos, momentos difíceis, mudanças contínuas de modalidade e tempos. Os problemas, normalmente, ao invés de se resolverem se complicaram”, diz Eugenia.
Não sabe como as coisas vão continuar. “Mas sempre que volto, me liberto dos pensamentos, dos cálculos: sempre nasce em mim uma nova disponibilidade, quando vejo emergir novamente a força do olhar de Deus sobre mim”. E sobre aquela humanidade que pouco O conhece. Acompanhando a necessidade do outro, a sua explodiu: “Estar com eles é estar com o Mistério em ação”.
Sem medida. Se esta medida do Mistério vence em você, é possível se doar sem medida. E receber mais. “Logo ficou evidente para mim que não ia ali para ter alguma retribuição, algum ‘retorno’”. Nem mesmo de afeto. Javier Prades, diretor da Faculdade de Teologia San Dámaso de Madri, em sete anos faltou apenas uma vez.
Quando o ouvimos falar sobre a casa das Irmãs da Caridade é como se a víssemos. Entra de mãos vazias, sem levar nada daquilo que sabe, naqueles quartos que quase parecem de hospital. Ali, estão homens com seus sofrimentos e suas mãos. Incapazes de tocar e lavar seus corpos incuráveis. “Eles logo sentem se você não é capaz de ‘pegá-los’. E mostram isso a você. Muitas vezes, são rudes”. O relacionamento com eles se resume ao essencial. Frequentemente, completamente em silêncio. “Mas quando os vemos esboçar um sorriso, misteriosamente somos pagos cem vezes mais”. Fazia anos que ele carregava uma pergunta sobre a caridade, sobre viver a caridade: “Na formação de um padre, fazemos dezenas de experiências de solidariedade. Mas só descobri um caminho que faz minha humanidade crescer, na fidelidade a este gesto”.
A casa abriga idosos e doentes de AIDS. Os amigos da comunidade de Madri vão uma vez por mês, rezam o Angelus, leem um pequeno trecho de O Sentido da Caritativa, depois se dividem em dois grupos: um deles fica com os idosos e o outro com os doentes. No final, se reencontram para rezar o Glória e conversar sobre o que aconteceu. As primeiras pessoas sobre as quais falam são as Irmãs. Observá-las servir e trabalhar, de uma maneira humana mas perfeita, “é o primeiro fato educativo para nós. Vê-las sempre tão felizes, nos provoca: elas, que vivem naquele lugar todos os dias, o dia inteiro”, diz Rafael, advogado. A visita ao instituto tornou-se um dos gestos mais cuidados da comunidade espanhola. “Para a minha vida, foi fundamental. A fidelidade a um aspecto do caminho educativo revelou, para mim, a experiência cristã. Comecei a compreender todo o resto”, conclui Rafael. É uma beleza que se espalha sobre a vida e sobre os outros.
Quando Ramón sai de casa para a caritativa, a filha maior, que tem dez anos, quer ir com ele. “Atrai”. Assim, nas festas e nos passeios com os doentes, as famílias também começaram a ir: “Fomos ao estádio de futebol, ao zoológico, ao Museu da Aviação”, ele conta. Sábado após sábado, estes anos o mudaram. Ele descobre isso, agora, no escritório, diante dos deslizes de dois colegas. É firme com eles, mas os olha e, além disso, vê um fato: “Eles são parte de mim, feitos e necessitados como eu. E me são dados. Então, estamos juntos”. É grandioso para homens adultos, ver que o caminho é concreto. “Essa é a genialidade de Giussani: há um método que deve ser percorrido para verificar o coração da fé”, explica Prades. Para aprender a conceber toda a vida como uma partilha. Como Jesus a vivia. Como Ele a olhava.
Gesto e pensamento. Vai-se para dar, e se recebe esta ternura. Jeong-Yon, que caiu nos braços de Irmã Aelred em lágrimas, sabe disso: “Queria ter conhecido antes um lugar assim”. Era a primeira vez que fazia caritativa no convento das Irmãs da Misericórdia de Edimburgo, na Escócia. Não sabia nada sobre o cristianismo. Simplesmente seguiu Maria e Giacomo, que uma vez por semana doavam seu tempo numa refeição para os sem-teto da cidade, onde é dado conforto e um nome a homens que não sabem sequer como se chamam. Algumas pessoas da comunidade de CL servem as mesas, lavam frutas e verduras, limpam a cozinha. “É um grande gesto educativo para nós”, conta Giacomo, italiano que está na Escócia para fazer doutorado: “Aqui, quem é católico, normalmente tornou-se por um percurso intelectual”. Enquanto este é um gesto tão simples, que não é possível substituir por um pensamento. É a vida que existe, que dá consistência à própria. Como para Michael, convertido do protestantismo, sempre ressaltando a Bíblia e com a cabeça cheia de citações: “Fazendo caritativa, começou a falar de si”, conta Maria. Ou como para Jeong-Yon. Naquele primeiro dia, ele cortou cenouras o tempo todo. No final do serviço, como sempre, foram à capela com as Irmãs, que rezaram pelos indigentes e por eles, os voluntários. Foi aí que Jeong-Yon começou a chorar: “Nunca tinha visto um amor assim”. Um amor que entrou no mundo, e que tem uma casa, um endereço, rostos e mãos.
Que este amor é o amor de Cristo, Prades o vê nas manhãs de caritativa espanhola quando está com aqueles idosos. Se não fosse assim, eles não se comoveriam quando o ouvem ler o Evangelho. “Foram as Irmãs que me pediram para fazer isso. Vou e leio algumas páginas: aquelas palavras falam tanto ao coração deles quanto ao meu. Para eles, ouvir o que Jesus diz e receber todos os dias o amor daquelas Irmãs é a mesma coisa”. Um amor concreto, do mesmo modo. Total. “É o que eu recebo, a cada segundo, como sou. É a caridade de Deus para comigo”. Deus que começa a surgir no horizonte. Só isso é capaz de abrir a vida. E faz com que gozemos do impensável: você sou eu.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón