A amizade cria uma nova ponte entre Brasil e Itália. A experiência de acolhida da ONG italiana Cometa ajuda duas entidades de Brasília a acompanharem famílias de alunos em situação de risco social
Estar apaixonado, com o coração em alerta como de quem tem uma faca encostada ao seu lado. E ir até o fundo desta paixão. A lição para profissionais da Associação Centro Formativo e Educativo (CEFE) e da creche Associação Nossa Senhora Mãe dos Homens, de Brasília, foi a número um. No lugar de teorias pedagógicas, paixão! Ensinaram os mestres, três italianos: Mariagrazia, Stefano e Teresa.Eles viajaram ao Brasil para partilhar a experiência de acolhida e de acompanhamento a crianças e jovens em situação de risco da Associação Cometa, que funciona na cidade de Como, na Região da Lombardia.
A parceria com a ONG italiana marca uma nova fase dessas obras sociais do Distrito Federal, que funcionavam independentes uma da outra – a creche atende 200 crianças na cidade satélite de Samambaia e o CEFE acompanha colegiais nas suas dificuldades com os estudos e na formação e encaminhamento profissional no Núcleo Bandeirantes.
A aproximação entre as duas instituições brasileiras iniciou em 2009, ao perceber-se que os jovens que tinham passado pela creche e muitos cujos irmãos mais novos continuavam lá desistiam da escola diante do desejo de começar a trabalhar logo. Parte deles, então, foi convidada a frequentar o CEFE com objetivo de se prepararem para conseguir um trabalho.
O problema, porém, não se resolveu com o sim dos colegiais à proposta de ir ao CEFE. Havia outro entrave: os pais preferiam que os jovens ficassem em casa, cuidando dos irmãos menores, por exemplo, do que frequentassem o reforço escolar ou a preparação para o trabalho.
Diante desta dificuldade, entrou o auxílio da ONG italiana. “Com a ajuda da Cometa, vimos que não era suficiente só preparar os jovens para o trabalho e cuidar do desejo deles de ver coisas novas. Era necessário um relacionamento com os pais que dizem não ao desejo profissional do filho”, conta a diretora da creche, Patrícia Almeida. Influenciada pela aproximação com a Cometa, a creche contratou profissionais para dialogar com as famílias de forma sistemática. “Esse relacionamento nos mostrou uma nova possibilidade de olhar para a pessoa do pai e da mãe deste jovem”, completa.
Patrícia tem motivos para acreditar no sucesso de uma maior aproximação com as famílias. Uma mãe que já teve cinco filhos que frequentaram a creche foi presa por vender drogas e pediu à tia que ficou tomando conta das crianças para mantê-las na instituição. “Quando foi solta, percebeu que os filhos haviam mudado e começou a desejar para eles um caminho diferente do dela. Deixou de vender drogas, o que fez a família passar por apuros financeiros. Era ajudada pela creche com cesta básica, mas o companheiro, pai de um dos filhos, permanecia envolvido com tráfico. A situação não era simples de ser resolvida e, para se afastar dele, mudou para outra cidade com as crianças”, conta. Patrícia acredita que foi por ver como os filhos eram olhados e cuidados na creche que a mãe passou a desejar o mesmo bem a eles, a ponto de mudar de cidade e abandonar a companhia que era prejudicial às crianças.
Atenção aos adultos. Além de olhar para as famílias, os italianos estão propondo que se olhe também as necessidades dos adultos que acompanham os alunos no CEFE e na creche. E que se siga com eles o mesmo método proposto para os estudantes: pro-posta/verificação da proposta/emissão de um juízo. A formação dos profissionais brasileiros iniciou em agosto de 2010, via Skype (sistema de videoconferência). Incluiu uma semana de encontros no Brasil, ocorrido em novembro passado, e prevê encontros mensais por Skype e visita de profissionais do CEFE e da creche à sede da Cometa, em 2011. O governo da Lombardia está apoiando o projeto, com os custos das viagens dos educadores italianos e brasileiros.
“Neste encontro [com a Cometa] me dei conta que não quero mais fazer meu trabalho como uma técnica, mas por uma paixão”, declara Patrícia. Quem convive com ela e com outros profissionais da creche e do CEFE já percebia estar diante de pessoas apaixonadas e que atraem dezenas de jovens à sua companhia mesmo depois de encerrado o vínculo com as instituições. Mas é possível estar mais ainda apaixonado, garante Sêmea Assaf, após o encontro com a Cometa, em novembro. Professora da rede pública do Distrito Federal, foi ela que começou o reforço escolar que, depois, deu início ao CEFE. “Esta formação nos faz perguntar onde está o meu eu em tudo que estou fazendo. Quando elaboro a prova para os alunos estou ali ou só cumpro uma tarefa?”, diz Sêmea.
A paixão dos educadores torna as crianças e os jovens os mais obedientes? Não, absolutamente, diz Teresa Andreolli, da Cometa, responsável por conduzir a parceria no Brasil. “A ferida que [crianças abandonadas, mal tratadas] trazem ninguém acalma. Nem devemos acalmar, mas sustentá-las nesta ferida”, reforça Teresa. Ela é uma das educadoras que ajudam os pais de acolhida. No turno em que não estão na aula, as crianças e os jovens são acompanhados nas tarefas escolares levadas para casa, nas brincadeiras, no banho.
Na Cometa, além dos próprios filhos, cada família recebe até outros seis – são 24 acolhidos, além dos filhos biológicos. As casas das quatro famílias ficam num mesmo terreno, as refeições são servidas num mesmo espaço para todos e há ainda trabalhos de atividades esportivas e de formação profissional abertos a crianças e jovens da comunidade. O que projetos aparentemente distintos – dois de educação, no Brasil, e o outro de acolhida a crianças e jovens em risco, na Itália – têm em comum? Muito, responde Mariagrazia Figini, diretora da Cometa. A disponibilidade dos profissionais da Cometa partirem para outro continente surgiu, além do desejo de partilhar a experiência, também de uma constatação: “As visitas que recebemos na Itália mostraram que ganhamos com elas. É uma experiência de troca. Um método de trabalho que ajuda a ter consciência”, diz Mariagrazia.
Os lugares são distantes, mas a exigência é a mesma: educação à acolhida. “O convênio é também por um desejo de responder a esta exigência. Se educa para o que se é, não para o que se faz. Importa o quem eu sou, de quem eu sou. Não muda nada na Itália ou no Brasil, porque a essência do ser humano é a mesma”, reforça ela, que transpira a mesma paixão da qual fala.
Teresa diz dar-se conta de que o desafio é sempre o mesmo: comover-se por tudo, pelo adolescente acolhido que procura a sua origem. “O que a Mariagrazia dizia para estes educadores do Brasil eu já vejo em ação lá na Itália. Eu sou apaixonada por este trabalho porque ajudar os meninos a entenderem que não precisam cortar o vínculo com sua origem, e ajudá-los a olhar para ela e para quem ele é, me faz sempre viva.”
AS OBRAS SOCIAIS
A creche
A Associação Nossa Senhora Mãe dos Homens atende 80 crianças de um a quatro anos de idade em período integral e outras 120, de 6 a 10 anos, em contraturno, para reforço escolar. Também acompanha as famílias destas crianças que vivem em Samambaia, uma cidade satélite de Brasília. Atualmente são atendidas 169 famílias em situação de risco social, pela falta de condições econômicas ou desestrutura familiar. A triagem é feita pelo serviço social das Secretarias de Educação e de Assistência Social do Governo do Distrito Federal. A creche conta com 34 profissionais remunerados, entre educadores, assistente social e psicólogo. O Mesa Brasil colabora com a doação de alimentos para as refeições e lanches servidos às crianças.
A creche mantém um relacionamento com a escola das crianças que frequentam o reforço escolar, o que ajuda a elaborar uma proposta mais atraente para os alunos. Feira do livro, teatro, passeios e exposições estão entre as atividades já realizadas.
O CEFE
O Centro Formativo e Educativo é um associação que surgiu em 2004, da iniciativa de professores da rede pública do Distrito Federal. Eles perceberam a necessidade de um espaço para acompanhar colegiais durante a preparação para o vestibular e incentivá-los na conclusão do Ensino Médio, buscando, ao mesmo, a inserção desses jovens no mundo do trabalho. A entidade está voltada à formação educacional, profissional e social para jovens de baixa renda que necessitem melhorar seu desempenho escolar e que desejem ingressar na universidade ou no mercado de trabalho. O ponto de partida é o olhar integral à pessoa. Os alunos são ajudados a enfrentar a realidade escolar, a aprender um método de estudo contextualizado e atual e a descobrir um método de conhecimento de si e da realidade, provocando uma busca de significado para a própria vida e favorecendo o seu crescimento e amadurecimento.
O CEFE oferece preparação para PAS/ENEM e vestibular, com 15 horas semanais para as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Física, Química e Biologia; tem professores para esclarecimento de dúvidas relacionadas à Língua Portuguesa, à Língua Inglesa e à Matemática; formação humana (trabalha os temas ligados à identidade, à afetividade, ao trabalho e à cidadania) e cultural (entre as aulas está a de iniciação teatral); recrutamento, formação e colocação de jovens no mercado de trabalho por meio do Programa Jovem Aprendiz; curso de informática.
A Cometa
A iniciativa surgiu em 1986, com a proposta de adoção de uma criança soropositiva por um artista da cidade de Como. Ele pediu ajuda ao irmão, que é médico. Em 1992, o encontro com Dom Giussani, fundador do Movimento Comunhão e Libertação, deu nova dimensão ao gesto, que hoje envolve além das famílias dos dois irmãos, outras duas envolvidas na acolhida temporária de crianças e jovens. As quatro vivem juntas, numa área que além de moradia tem estrutura para formação profissional – esta atividade é aberta a jovens de outras famílias. A Associação Cometa foi criada em 2000, e hoje, além da acolhida, desenvolve diversas atividades. Para saber mais sobre essa obra social, acesse www.puntocometa.org (site em italiano).
Credits /
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón