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Passos N.123, Fevereiro 2011

RUBRICAS

CARTAS

UM GRITO QUE SE TORNA PEDIDO ENTRE OS ESCOMBROS
Caríssimo padre Carrón, acabei de fazer o silêncio diário e me preparo para sair de casa para ir à Waf Jeremie, a favela de Porto Príncipe. Esta manhã é diferente sair de casa, pegar o carro, enfrentar um trânsito que parece inimigo, e encontrar meu pessoal, os meus pobres, meus porque Seus e, portanto, dados hoje a mim como companheiros de caminho. Sim, esta manhã é diferente. Saio com o coração repleto de suas palavras, que acabei de ler: “Na medida em que percebemos em nós a diversidade do olhar de Cristo e vivemos uma humanidade mais completa, podemos responder a este grito da humanidade do mundo de hoje”. E, então, saio com o desejo de responder a este grito, começando a vivê-lo em mim, na minha vida, na minha vocação, nos relacionamentos, nas circunstâncias, nos rostos que fazem parte do meu cotidiano. Oração, meditação, sacrifício, você nos dizia: um caminho traçado, um rosto para seguir, uma mudança que deve ser implorada. A dificuldade não é eliminada: o calor do Haiti, o terremoto devastador, o aparecimento da cólera, o possível furacão chegando, o término das provisões de comida, a polícia que leva seu carro com uma desculpa inexistente... Tudo me é dado para que meu grito venha à tona e me faça pedir minha mudança, me faça gritar o desejo de Cristo e do Seu olhar sobre mim e sobre o mundo, me faça cair de joelhos, como de joelhos está este povo, mendigando Cristo, como lhes foi ensinado. Continuo meu dia com este grito vivo, que se torna pedido de alguma coisa a mais nos relacionamentos, nos gestos, no estar diante dos instrumentos que a nossa companhia indica. Continuo o meu dia levando você comigo à Waf Jeremie, isto é, levando a Igreja a quem espera, de joelhos, um bem, o bem.
Irmã Marcella, Porto Príncipe (Haiti)

Todos os dias podem ser plenos
Caro Julián Carrón, acabei de ler o livreto da Assembleia Internacional de CL. Eu lhe agradeço sobretudo porque o seu trabalho pessoal me ajuda a descobrir o que Dom Giussani quis nos comunicar. Esse modo de fazer a Escola de Comunidade, a comparação com a experiência e a ajuda dos testemunhos, que emergem a todo momento, me fazem aguardar com verdadeira ansiedade esse momento da quarta-feira. Ao mesmo tempo, porém, não me bastam os momentos, preciso experimentar a presença d’Ele todos os dias. Sou mãe e vivo num lugar onde o Movimento não está tão presente. Direi mais: muitas vezes sinto como pesado e cansativo até o momento da Fraternidade, porque se eu não me entrego, a libertação não vem de forma automática. Posso dizer, porém, que mesmo na aparente solidão de uma jornada sem companhia, posso despertar de manhã e recitar uma prece, sozinha ou com meus filhos, posso contemplar o céu azul de uma jornada que está para começar e pensar no Criador. Posso pensar no meu amigo que está em missão e entrega a sua vida por Cristo, ou em outros que fazem o mesmo em circunstâncias diferentes; posso tomar entre as mãos o livreto de La Thuile e ler, quando me sobra um tempinho livre... Toda a jornada pode ser plena dessas e de outras coisas que têm uma única origem: a necessidade de ter Cristo presente em cada momento.
Gloria

GRATIDÃO PELO
DOM DA VIDA

Publicamos a seguir a carta que Alípio, que estava hospitalizado, se recuperando de uma cirurgia de alto risco, enviou aos amigos reunidos para o retiro da Fraternidade, em dezembro passado.
Agradeço a vocês por serem meus amigos. Não quero aqui fazer um discurso de lamentações, mas quero comunicar para vocês a afirmação de uma certeza: Cristo está vivo entre nós. Neste momento oportuno do retiro, quero contar da graça que Deus me deu de novo. Antes, nas idas e vindas aos médicos, eu já estava muito fraco, um pouco ansioso. Mas eu tinha uma certeza, a de que eu me entreguei nas mãos de Deus. Ainda disse para Silvana: “Se eu for embora, não fique triste”, porque eu tinha certeza de estar nas mãos de Cristo. Esta é a conversão que Carrón nos lembra. Além disso, no livro da Escola de Comunidade, há aquela parte quando Dom Giussani nos fala: imagine uma pessoa adulta nascendo do ventre de novo. Então, qual a novidade? A novidade, ou melhor, a graça, é o milagre que me aconteceu, quando, dentro da U.T.I., ouvi a primeira vez alguém chamando pelo meu nome. Ainda estava sem forças até para abrir os olhos, mas em minha mente a primeira coisa que passou foi agradecer: “Meu Deus, estou vivo”. Isso na minha cabeça era de uma alegria que não tem explicação. Depois vieram algumas sequelas (como uma endocardite), a vontade é de ir embora logo. Mas o tempo é de Deus, então estou com paciência, porque o melhor já aconteceu: a vida que Deus nos deu. Por isso, meus amigos, precisamos afirmar que Cristo está vivo no meio de nós: isso eu sinto na carne; e acreditem nesta companhia que, de perto ou de longe, pedimos a Deus uns para os outros. Obrigado por tudo.
Alípio, Belo Horizonte (MG)

Chamados a ser testemunhas de Cristo
No dia 14 de dezembro de 2010, um grupo de cinco pessoas da nossa comunidade – padre João Claudio, padre Magnon, Mauro, Fabio e José Marcelo – se encontrou com o Arcebispo de Niterói, Dom Frei Alano Maria Pena. O encontro foi uma apresentação do Movimento Comunhão e Libertação (CL), presente em Niterói na Universidade Federal Fluminense (UFF) e, há cerca de dois anos, na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, no bairro de Fátima.
Chegamos lá um pouco nervosos e ansiosos, mas logo que Dom Alano nos recebeu nos deixou muito tranquilos com sua atenção e curiosidade de nos conhecer. Foi um momento muito bonito e simples, onde falamos da nossa experiência na Universidade e na paróquia, como um chamado de atenção, uma ajuda às nossas vidas, seja qual for o contexto, para o nosso verdadeiro centro afetivo, Cristo. Antes de entrar, soubemos que a esposa de Mauro está grávida. Ao contar o que é a experiência de CL ele se emocionou. Quando soube que sua esposa estava grávida ficou feliz, mas a felicidade agora estava completa na partilha dessa notícia conosco. Padre João Claudio falou da venda da revista Passos, da qual a Arquidiocese de Niterói é assinante. Na Igreja de Nª. Sra. de Fátima, pessoas vêm procurá-lo para conhecer mais sobre a vida da Igreja e ele indica a leitura de Passos e do livro da Escola de Comunidade e percebe que a revista tem sido uma provocação para ele e para as pessoas que voltam comentando sobre as matérias.
Aproveitei o momento para agradecer ao Arcebispo por te aceitado o pedido de encontro, e dizer que só consigo dar esse passo por ter uma companhia de amigos que me ajudam a responder a esse chamado e dar o verdadeiro valor à vida. Assim Dom Alano nos deu as boas vindas nos abençoando e as nossas esposas e filhos, desejando que nossa experiência possa dar frutos. Ele nos pediu que naquele período do Advento, marcado pelo consumismo, pudéssemos dar testemunho real da presença de Cristo.
José Marcelo, Niterói (RJ)

CERTEZA DO AMOR DE CRISTO
O ano de 2010 pra mim foi cheio de provocações. Comecei com muitas expectativas em relação aos meus estudos universitários, mas tive que me dedicar mais a buscar trabalho. Pedi a Deus que me desse um lugar em que pudesse vê-Lo todos os dias. Depois de algum tempo fui chamada para trabalhar numa escola particular e foi difícil lidar com situações que iam ao contrário dos meus princípios e valores. Mas graças à companhia da minha família e dos meus colegas de trabalho não desisti daqueles meninos. Padre Giorgio me disse para olhar para Cristo no rosto deles cada vez que entrasse em sala e isso me fez perceber como o sacrifício cotidiano valia a pena, porque não estava ali por causa de dinheiro ou de politicagem, porém por um desejo de sentir sempre que não estava sozinha, que é um Outro que realiza minha infinitude. No final do ano fui demitida enquanto estava fechando meus diários. Para mim não foi uma surpresa, muito menos um momento de tristeza. Encontrei-me na sala dos professores com outros companheiros que também foram demitidos e que choravam muito, alguns deles com mais de 10 anos de dedicação e eu ali com apenas 10 meses de árduo comprometimento. Eu sorria e só pensava em terminar minha missão, de fechar meus diários, e tinha uma certeza que aquela ferida não era maior que meu desejo de felicidade e para mim isso bastava. Era necessário que eu sofresse todos os dias e não no dia da minha demissão, porque só assim me daria conta de como sou amada, de como Cristo me olha e de como é possível que façamos aquilo que Deus nos permite, considerando a disponibilidade da nossa liberdade.
Monique, Brasília (DF)

O DÉCIMO LEPROSO
Li a referência que Julián Carrón fazia à parábola dos dez leprosos. Como seriam as sua vidas? O que os movia de um lugar para outro? Buscavam só comida ou dinheiro? Estariam desesperados por constatar que a doença avançava dia a dia, sem parar? Eram desprezados por todos, sobretudo por eles próprios. Caminhavam à luz do sol com um sininho na mão para anunciar sua temida presença. Protegiam-se do frio e da chuva em lugares diferentes, e sempre inóspitos. Sem luz, sem água, e sobretudo sem verdadeiro amor, sem nenhum carinho. Carinho, ternura e compreensão como tiveram um dia em casa, na companhia dos seus pais. E sempre uma pergunta, que corrói por dentro, empurrando mais ainda para o desespero: por que comigo? Por que peguei essa maldita doença, que me despedaça por fora e por dentro? Porém, num dado momento, chegou a eles a notícia de que havia um profeta, um homem diferente, alguém que dizia coisas jamais imaginadas, e que inclusive fazia milagres. Fico imaginando o dia em que os dez decidiram ir encontrá-lo. Como foi que os dez tomaram a decisão? Quem os reuniu? Que esperança foi plantada em seus corações? Teriam dormido na noite anterior, como nas outras noites? E quase sem querer, ao depararem-se com a presença d’Ele se sentiram curados. Curados realmente. Não seriam mais desprezados como antes. Que felicidade ao voltar para casa! Dificilmente conseguiremos imaginar o estado de alegria e felicidade deles. Sem dúvida, apenas um se deu conta de que havia acontecido algo melhor do que a cura, pois não se contentava apenas com estar curado. Buscava a Ele, queria estar com Ele, mas não por um instante, e sim eternamente com Ele. Nós também temos uma espécie de lepra. Algo que nos atormenta todo dia e que não entendemos. Em vez de dar-lhe o nome de lepra, poderíamos substituí-lo por problemas no trabalho, problemas com a mulher, desemprego, endividamento, falta de amigos, ou ter amigos que não gostamos, porque estou cansado de viver sem um porquê, por não encontrar definitivamente a resposta para uma pergunta tão simples, que de tão simples dá até vergonha de fazê-la: e eu, quem sou? E se toda essa situação for o eco de uma voz que nos chama pacientemente, com ternura infinita, com uma espera infinita? E se essas perguntas nascessem da mesma fonte da qual nasciam as perguntas que fez o décimo leproso: não tenha medo, veja como faço novas todas as coisas? Tal como o décimo leproso, não me basta estar curado, não me basta o emprego que tenho, por maravilhoso que seja. Não me basta a fantástica mulher e os maravilhosos filhos e amigos que tenho. Como fez o décimo leproso, dirijo-me a Ti para agradecer-Te tudo o que me dás.
Eduardo, Madri (Espanha)

O piso molhado e a defesa da realidade
Trabalho com colocação de pisos e agora estou trabalhando na reforma de uma paróquia. Meu trabalho foi requerido diretamente pelo pároco e por isso a empresa não gostou muito da minha presença, embora diga que está tudo bem. Nos últimos dias, o clima esteve muito úmido e por isso os pisos que coloquei dentro da construção estavam todos molhados. O pároco, preocupado, falou com o mestre de obras e com o geólogo, os quais disseram que a responsabilidade era minha e do meu sistema de colocação. Questionado, precisei dar explicações ao pároco e ao mestre de obras. Irritado, não consegui me explicar, apenas balbuciar alguma coisa para justificar o que eu tinha feito. Mas, depois, pensei que era importante não só me justificar, mas verificar o que era verdade. Decidi colocar uma proteção sobre o piso que eu tinha enxugado e assim pude verificar, uma vez que no dia seguinte ainda estava seco, que o molhado se devia à umidade externa e não à minha maneira de trabalhar. Isto é, verifiquei o que era realidade e o que era preconceito. Essa maneira muito simples de me colocar diante de um problema me surpreendeu e me encheu de alegria e gratidão porque um olhar assim sobre a realidade não é um mérito meu, mas algo que aprendi no trabalho de Escola de Comunidade, e está cheio daquele significado que vejo no Movimento. Para me defender precisei defender a verdade da realidade! É realmente verdade que a vida é ceder à Sua atração.
Pelo

Dez anos de Tendas de Natal
As Tendas de Natal desse ano que ocorreram em Ribeirão Preto na Pizzaria zio Totó (conforme uma tradição já decenal), no dia 6 de dezembro de 2010, superaram as expectativas de todos! Foi realmente uma noite de encontros, amizade e caridade com a participação de muitos amigos e colegas. Fomos surpreendidos com a colaboração inesperada de tantos: para fazer um exemplo simples, mas significativo, uma colega que naquele dia estava recebendo docentes de fora da cidade para participar de uma defesa de doutorado na Universidade, levou-os todos para jantar lá conosco na pizzaria! Escreveu a respeito Giovanna: “O que mais me tocou foi o reconhecimento da universalidade do valor do gesto: como correspondia a cada um estar lá por algo mais, por alguma coisa que dizia respeito à nossa humanidade, à nossa existência humana: a caridade. Lembro como foi nítido que não tinha sido eu que havia convencido os amigos que levei, mas a verdade que subsistia naquele convite, que estava além de mim. De última hora, cansados e tendo outros compromissos, me surpreendeu como cada um disse à sua maneira: ‘Eu vou para ajudar porque é um trabalho muito bonito’. Ali eu entendi como a Beleza carregava junto de si um critério que pertencia ao verdadeiro coração do homem. Invadiu-me aquela noite, observando todos e tanta gente reunida, uma gratidão pela experiência que estava vivendo, uma gratidão pelo Mistério que me fazia ser mais eu”.
Marina, Ribeirão Preto (SP)

A RECORDAÇÃO DE MANUELA
EM UM “SIM” APAIXONADO, A VITÓRIA DE CRISTO

Na terça-feira, dia 23 de novembro, Manuela acompanhou alguns amigos em uma visita à Capela Sistina, em Roma. A certo ponto começou a explicar a Criação, de Michelangelo. “Com a intenção de nos fazer entrar dentro da obra. Com a paixão que colocava em todas as coisas”, conta Cristiana que fez a visita com ela naquela tarde. Depois do jantar, chegaram os amigos. Contou, com sua franqueza característica – nasceu em San Piero in Bagno –, como teria gostado de festejar os 30 anos de profissão como Memores Domini, falou do período que passou na Tunísia a serviço do bispo, Dom Fouad Twal. Naquela noite, o Senhor a levou. Foi atropelada por um carro. Tinha 56 anos e estava voltando para o Vaticano. De fato, Manuela fazia parte da família pontifícia. Com Carmela, Loredana e Cristina, também Memores, prestava serviços no apartamento papal. Bento XVI a convidou para trabalhar em 2005, depois de sua eleição. “Pensando nela, naquela tarde, sinto uma paz. Manuela era feliz como se tivesse conseguido a realização de si. Sua paixão me impressionava: seu desejo era que cada gesto fosse uma oferta a Deus”, afirma Cristiana. E seu dia era feito de gestos humildes, os mesmos que se fazem em todas as casas: arrumar as camas, servir a mesa... Tudo era para Ele.
Bento XVI rezou por sua alma na quarta-feira, dia 24 de novembro, durante a missa na capela privada e, pela primeira vez, escreveu uma nota fúnebre, publicada no Observatório Romano: “Sua Santidade, Bento XVI, cheio de dor pela imprevista morte de sua colaboradora, senhorita Manuela Camagni, eleva orações de sufrágio ao Senhor e se coloca espiritualmente próximo da Comunidade dos Memores Domini e dos familiares da estimada falecida”.
No livro de Jó está escrito: “O Senhor deu, o Senhor tirou, bendito seja o nome do Senhor”. Na dor suprema que é a morte, o Senhor nunca deixa faltar o seu abraço. Como escreveu padre Julián Carrón na mensagem a todo o Movimento: “Queridos amigos, a morte repentina da nossa amiga Manuela Camagni é a modalidade misteriosa com a qual o Senhor nos obriga a pensar n’Ele, renovando a certeza de que ‘nem mesmo um único cabelo da vossa cabeça se perderá’, como nos disse a Liturgia de hoje. Aproximemo-nos ainda mais intensamente no abraço do Santo Papa, como filhos que querem compartilhar em tudo a sua humanidade ferida. ‘Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos.’ O doar a própria vida de Manuela se manifestou de forma clara e surpreendente, tanto por meio da disponibilidade de Manuela à missão, na experiência da Tunísia, quanto no serviço ao Santo Padre. Que seu sacrifício renove em nós toda a verdade do nosso ‘sim’ para que a vitória de Cristo se afirme mais em nossos corações. Dom Giussani obtenha de Nossa Senhora o dom da felicidade eterna para a nossa amiga e o dom do consolo para o Papa”.
(Paola Bergamini)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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