Os pais dos detentos e os das vítimas. Convidados impensáveis e o reencontro com os filhos. Voltamos à penitenciária Due Palazzi, de Pádua, onde três detentos receberam os sacramentos. Gestos, palavras e olhares de um dia (e uma história) que continua a acontecer
Arruma seu colarinho. Apenas um toque. Quer que seu amigo esteja bonito, perfeito, por causa do que está acontecendo com ele. Mas não quer distraí-lo. Impossível esquecer um gesto tão delicado de um homem para outro, dentro de uma prisão de segurança máxima, onde os dois estão condenados à prisão perpétua.
Franco é o padrinho, está ao lado de Bledar que depois de receber o Batismo se chamará Giovanni. Ele não tem mais uma das orelhas; no rosto, as cicatrizes da velha vida, e na veste branca longa parece uma criança que cresceu de repente. Um homem que nasceu pela segunda vez aos olhos de sua família: todos os seis sentados juntos, vieram da Albânia com roupa de festa, olham para ele e choram. Sobretudo a mãe, que é ortodoxa. Aquele filho não tem mais o nome que ela lhe deu, não é mais o seu Bledar. E durante todo o dia, falará com ele chamando-o de Giovanni.
Sua irmã não o vê há treze anos, e agora o reencontra entre essa estranha companhia que enche o auditório da prisão de Pádua. Somos em muitos, quase duzentos, vindos de fora, de longe, entre eles, amigos, jornalistas, magistrados, agentes penitenciários, alguns que nem estão trabalhando, mas vieram para a ocasião, um deles, inclusive, com febre. Há também alguns convidados inesperados: Gemma Capra, viúva do policial Calabresi; Margherita Coletta, mulher do soldado morto no atentado de Nassíria; e Carlo Castagna, que perdeu a família no massacre de Erba. Também estão presentes os jovens de Anaconda, uma cooperativa de Varese que acolhe deficientes. Todos acabaram aqui por causa dos mesmos laços. “Há um fato que os uniu”, diz Nicola Boscoletto, da Cooperativa Giotto, que dá trabalho aos detentos: “O fato excepcional destes nossos amigos”. Bledar, Umberto e Ludovico, que receberão os Sacramentos juntos. Umberto terminará sua pena em 2022: hoje, está com a mulher, a filha e o neto. Ludovico, condenado a prisão perpétua, está aqui há vinte e quatro anos, e nesse período perdeu o pai e a mãe: “Minha família são vocês”, diz aos amigos que estão em volta.
Juntos, visitam a oficina, a cozinha, os espaços onde os detentos trabalham, depois, assistem à missa solene, presidida por Dom Antonio Mattiazzo, arcebispo de Pádua. Hoje é o dia de São Mateus Apóstolo, que foi escolhido para tomar o lugar de Judas: “A única coisa que sabemos sobre ele é que permaneceu fiel a Jesus até o fundo”, escreve Bento XVI. “À grandeza da sua fidelidade, soma-se, depois, o chamado divino”, através de sorte lançada com uma moeda. Algo muito simples. Como o início dessa história de amizade, que começou um pouco por acaso em 1991, com o trabalho de jardinagem dentro da prisão e continua até hoje.
Um agradecimento e um grito. Depois da missa, o coquetel. Os detentos carregam as bandejas mesmo se não têm muito espaço para se moverem, todos bem arrumados, do gel nos cabelos à camisa. E ao cortar o bolo, pulam de alegria por seus amigos que estão sendo festejados. Nos cumprimentos entre eles e os convidados, descobrimos que a maioria nunca se viu antes. Mas isso não importa. Um jovem detento chora diante de Castagna. Sente a necessidade, como os outros, de agradecer “por aquilo que fez, por ter perdoado. Fazendo isso, o senhor me matou, fez com que eu me sentisse muito pequeno”. É um agradecimento e um grito. A coisa que o homem mais deseja – ser perdoado sem limites – é quase insuportável. É demais. Qualquer pessoa que se aproxima de Castagna, mesmo sem dizer uma palavra, tem essa pergunta no rosto: como é possível? “Não atribuam isso a mim, mas a Ele. Foi um Outro que perdoou por mim.” Não tem outra resposta e diz que o perdão é como um dominó. Se a primeira peça é bem colocada, o resto vem por si. “E a primeira peça, foi Deus quem colocou.” Naquela noite, logo depois do massacre, quando no quintal da casa de Erba o policial lhe contou tudo: sua mulher, sua filha e seu neto foram mortos. “Desde aquele preciso instante, senti-me sustentado. O Pai estava comigo.”
O bem que encontrou vocês. Pouco depois, durante a festa, Castagna falará diante de todos sobre Olindo e Rosa, os assassinos da sua família, e do que experimenta por eles: “Um sentimento de amizade”. O perdão junto com a verdade de como as coisas aconteceram. Misericórdia e justiça. “Duas coisas que o homem, sozinho, não consegue unir”, diz Franco Nembrini, professor de Letras convidado para falar sobre Dante. “A Divina Comédia é exatamente a narração desse encontro entre a misericórdia e a verdade. Impossível ao homem.” Que, para perdoar, precisa abafar a verdade. E se olha para a verdade das coisas, não consegue perdoar. “Ou é justo, ou é bom, juntos, não. Isso antes do nascimento de Cristo”, diz Nembrini. E pensa naquele verso que viu de manhã sobre um dos portões espalhados pelos longos corredores da prisão: Vocês não foram feitos para viver como brutos... “É verdade, não fomos feitos para viver assim, porém acontece: há um aspecto na vida de cada um de nós em que somos brutos. Em que erramos, e erramos muito. Hoje, aqui, descobri que a minha maior necessidade, que a necessidade de todos é a de ser perdoados. Cada um, pelo seu mal.”
E vemos isso no olhar de Margherita Coletta, que diante dos presos e desconhecidos começa a falar de si. Não sobre Nassíria, não sobre o atentado de 2003, mas de si: “O ano passado foi terrível, porque eu não sentia mais Deus. Não porque Ele não existisse, o problema era que eu me fazia as perguntas e me dava as respostas, eu O dava por óbvio. Porque achava que já O tinha alcançado. Agora, tudo floresceu, apenas por causa daquela misericórdia da qual se falou muito hoje e que é a única esperança para nós”. Chegou a dizer a um dos detentos: “Nunca voltaria atrás”.
Disse isso a alguém que matou ou permitiu que outros matassem. “Para afirmar uma coisa assim, só sendo completamente louco, ou só pensando em Jesus”, diz Nicola. “É um escândalo, exatamente como o pedido à viúva de Naim, diante do filho morto: ‘Mulher, não chores’. Em três palavras, se introduz algo que escancara o limite, algo do qual não se deve mais fugir. Dante não foge da selva escura para se salvar.” Precisa avançar. “É ali dentro que começa a viagem da resposta”, explica Nembrini. A Comédia inteira é a narração do bem que eu encontrei em ti. No fundo do escuro.
E não é preciso imaginá-lo porque os jovens de Anaconda, na cadeira de rodas ou com os nervos e a mente doentes, o dizem: diante dos presos em silêncio, recitam de cor os versos de Dante, vestindo figurinos. Fizeram um espetáculo sobre as cantigas dantescas e presenteiam os presos com algumas passagens. A diretora segura o microfone para quem não consegue fazê-lo sozinho e, ajoelhada aos pés deles, acompanha os versos quando a voz se perde. “Há uma possibilidade de bem dentro do pior mal, se aceitamos ser acompanhados”, conclui Nembrini. “É preciso ter coragem para aceitar isso, e assim a vida se revela como misericórdia.”
É o que Ye Wu quer dizer aos seus ex-companheiros. Usa um paletó elegante e está emocionado: “Quando saí daqui fui ajudado pelos amigos”. Ele terminou de cumprir sua pena há dois anos e agora se chama Andrea, recebeu o Batismo na noite de Páscoa: “Estou feliz por ter escolhido este caminho. Tudo aquilo que aconteceu na minha vida não é por acaso. Primeiro, andando pelos barracões, vi que vocês estão construindo uma coisa grande. Boa. Estou contente, e espero por vocês. Seus nomes estão em minhas orações”.
Onde há um homem. Com ele, está Andrei, um jovem russo de vinte anos. Não tem nada a ver com a prisão, mas tem em comum a mesma história: o encontro com o Movimento na Universidade o levou a querer receber o Batismo. “Não nos deixemos enganar pelo lugar, pela emoção, pelas pessoas”, diz Nicola. “Aqui acontece assim. Mas, em qualquer lugar, onde há uma pessoa empenhada com a verdade da vida, onde há pessoas tão amigas, há um movimento. Há uma criação, uma re-criação.” Isto é, inesperadamente acontece algo grande. E olhamos para os rostos comovidos dos agentes penitenciários que permitiram um dia assim: e o esperavam. Há meses.
As palavras finais não são de nenhum dos presentes. Na parede é projetado um vídeo com um grupo de jovens que vivem na Uganda e que sentem esses homens como companheiros de caminho: estão tão contentes com aquilo que está acontecendo aqui na prisão “que para dizer a vocês, cantamos”. Fizeram este filme com cantos num cômodo em Kampala, especialmente para a ocasião. Com eles, estão algumas crianças pequenas, e cada uma tem o sobrenome de um detento: daquele que as adotou à distância.
De repente, nos lembramos que a Due Palazzi é uma penitenciária de verdade. Ouvimos Bledar dizer “talvez eu não saia mais daqui, mas este é o dia mais bonito da minha vida”, e percebemos que o sol reflete através das grades, pequenos quadrados vermelhos no cimento. Há os muros altos e a pena. Tudo ainda está como esta manhã. Mas você se sente entre os primeiros. Aqueles que começavam a saber que existia uma vida nova porque Cristo a fazia acontecer.
“Divido a cela com Franco. Ele sempre me dizia: encontrei uma grande família. E eu sempre respondia: do que você está falando? Agora estou aqui trabalhando na oficina e canto. E os outros me dizem: o que você tem? Não sei, estou feliz. Sou um idiota feliz na prisão, mas sou feliz.” Francesco o conhece. Viu-o há um ano, mas ele não era assim. Não estava radiante. Disse que foi aos Exercícios Espirituais de Rímini: “Foi lá que fiquei sabendo que sou um pulsar no coração de Deus. Voltei aqui para dentro sabendo disso”. Era alguém que nunca chorava, hoje, é grato por suas lágrimas por Bledar. Que diante dos pais e dos companheiros de prisão diz poucas palavras ao microfone: “Agradeço a Jesus, porque me aceitou como soldado”. Lembra de quando pediu para receber os sacramentos, há dois anos. Nesse período, fez um caminho: seu encontro com Cristo tornou-se história, aqui, onde nem mesmo o tempo existe. “Enquanto recebia o Batismo, senti algo dentro que me libertou.”
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón