Aproxima-se o evento cultural de Rímini, com o seu desafio: é possível que a vida seja “uma imensa certeza”? Pedimos a alguns dos convidados que se posicionassem diante do título da 32ª edição do Meeting. A começar de Padre Aldo Trento e daquilo que lhe é “mais caro”: uma única certeza, numa luta contínua.
Ele está relendo o livro nestes dias. Devagar, esmiuçando cada palavra para chegar até ao fundo da sua experiência, embrenhando-se no que escreve Dom Giussani. “É um desafio. Para nós e para a nossa urgência humana”. É ao Padre Aldo Trento – 64 anos, há 22 missionário no Paraguai, onde a sua paróquia de Assunção se tornou um coração palpitante de fé e de obras (a clínica para doentes terminais, a casa de acolhimento para crianças abandonadas, a casa para os sem abrigo e muito mais) – que caberá encerrar o Meeting 2011. Com um encontro sobre Ciò che abbiamo di più caro (Aquilo que temos de mais caro), recente volume publicado na Itália, dedicado aos diálogos de Dom Giussani com universitários em meados da década de 1980. “Para dizer que aquilo que se tem de mais querido é Cristo, como ele diz, é preciso uma razão poderosa, forte”. Uma certeza, que não por acaso é o tema do evento que começa dia 21 de agosto com o título: E a existência se torna uma imensa certeza.
O que o senhor pensou quando leu o tema do Meeting?
A primeira reação foi de agradecimento. A Nosso Senhor e a quem sentiu a premência de propor este tema. Porque é o verdadeiro problema de hoje, sobre o qual se joga tudo. Mesmo o Papa sublinha continuamente que, numa realidade dominada pelo relativismo, desafiar o homem acerca da certeza significa regressar à ontologia mais pura e profunda. Como poderíamos nos mover sem alguém que nos recordasse que as nossas raízes estão no pensamento de Deus?
O que é para o senhor esta certeza?
Ter claro o que diz o profeta Isaías: “Antes de te formar no seio materno, pronunciei o teu nome”. Essa certeza é Deus quem a dá: não sou eu que a invento, não é fruto de um raciocínio. É uma graça. Para mim, teve início há sete anos quando, diante de um missionário que falava de si, me comovi pela primeira vez ao perceber que fui pensado por Deus para a eternidade. Como o cosmos. E era uma coisa que correspondia plenamente ao meu coração, era razoável. Dar-me conta disto, experimentá-lo em todos os instantes, me dá uma certeza inabalável, capaz de me fazer andar para frente. Como poderei ficar insatisfeito pelas circunstâncias, se sou fruto do amor de Deus que me pensou desde sempre? É uma questão de realismo.
“Realismo” em que sentido?
Se se é realista, tem-se de reconhecer que há um ponto claro que o remete a tudo, o remete ao infinito. E esse infinito é que rege tudo: o cosmos e a autoconsciência do cosmos, que sou eu. A realidade é uma imensa certeza. É preciso ser obtuso para negar isso. Como dizia Althusser: você pode dizer que o sol não existe, mas está louco.
Mas, então, por que motivo é tão difícil estar certo? Por que é que duvidamos de tudo?
Em primeiro lugar, por causa do pecado original. Temos a tentação de nos substituir ao infinito, em vez de sentir a desproporção estrutural de que falava Catarina de Sena: “Eu sou nada, Tu és tudo”. Esta é a dificuldade do mundo de hoje: pensar que somos o umbigo do mundo. Mas isso nasce de um uso defasado da razão. Se a concebemos como um quarto fechado, não a vemos. Se abrimos os olhos e vemos, como eu via esta manhã a beleza do céu tropical, não podemos deixar de reconhecer que há Alguém por detrás que é conteúdo e fundamento de tudo isso. A primeira dificuldade é este limite ontológico. Por outro lado, é o ar que se respira no ambiente em que vivemos que está totalmente dominado pela incerteza.
Quer dizer que o pecado original não é acima de tudo um problema moral, mas de conhecimento: enfraquece a relação com a realidade.
É verdade. Não é um problema ético, mas ontológico. O homem que pretende ser criador. Todos temos o desejo de perfeição: somos feitos por Deus para tender para o belo absoluto, para a alegria absoluta. Mas Lúcifer pretendeu atingir com as suas mãos aquilo que não podia atingir, porque é criatura. Também Adão e Eva foram queimados por ele. Um uso débil da razão, que cedeu. Sem reconhecer isso não podemos sequer ter a noção de que Cristo seja uma resposta suprema a um direito da razão.
É a primeira pergunta da serpente: “Mas é verdade que Deus disse...?”. A tentação incide sobre a certeza.
Coloca em dúvida. E acontece a maior desgraça da história. Que é também, contudo, uma “feliz culpa”, como canta a Igreja no Tríduo Pascal. Porque graças a isso, pudemos experimentar a presença do Mistério que nos reconduziu ao curso certo da razão. E a beleza do que significa ser regenerados como criaturas novas, em que a desproporção me faz gritar de alegria. Quanto mais percebo que sou feito, mais me dou conta da beleza que está na minha pequenez. Isto é de fazer arrepiar.
Porque restitui uma certeza.
Justamente. Quanto mais intensamente vamos a fundo na realidade, mais tomamos consciência de uma certeza única: que somos estruturalmente relação com o Mistério. Tudo em nós clama por isso. Esta é a luta que temos de travar com nós mesmos. Não considerando óbvio nem um só instante. Se no instante me descuido, ou me distraio do trabalho pessoal, a dúvida diabólica dos “se, mas, porém” acontece. É necessária uma vigilância contínua.
E o que é que permite ou favorece esta vigilância?
Antes de mais nada, uma lealdade consigo mesmo. Vejo por mim. Eu teria mil razões para duvidar: o sofrimento do inocente, a criança que morre. Mas tudo isso faz parte de um desígnio imenso. E uma pessoa, se for verdadeira, vê que esse sofrimento, humanamente incompreensível, com o tempo é gerador. Eu não posso duvidar que Deus me ama. Teria de ser cego. Não só pelo que aconteceu em mim, pelo que sou e vivo, mas também pelo que essa certeza faz nascer ao redor: um povo, obras...
Como o tempo incidiu na sua certeza? Como agiu para aprofundá-la e lhe dar consistência?
A certeza é um acontecimento. Surge como um lindo dia inesperado. Mas tem de assumir uma dimensão histórica. Como para os apóstolos: estando com Cristo, viam acontecer muitas coisas que aprofundavam sua certeza e a tornavam ainda mais razoável. Suas vidas se tornavam pouco a pouco mais conscientes. Depois, há dois fatores decisivos de trabalho pessoal.
Quais?
O primeiro é a companhia. Sem uma companhia que nos diga “olha”, que nos lembre a sua condição de criatura, saímos à procura de outra companhia, a do diabo. Adão e Eva tinham a companhia de Deus, que todas as tardes descia ao Paraíso terrestre. Mas entrou uma outra: a do demônio. A companhia é essencial. Mas é uma companhia cujo centro é a consciência de sermos feitos, que só se sustenta por um olhar posto no horizonte, voltado para o Mistério. Não consigo vislumbrar nenhum tipo de relação que não nasça de um olhar assim. Vejo isso com os meus doentes, com as crianças. Sem uma companhia deste gênero, não teria possibilidade de manter vivo aquilo que me aconteceu há sete anos.
E é uma coisa diferente do procurar a certeza no outro, como se para reconhecer a verdade fosse preciso um suplemento...
Claro. A certeza já se deu. O problema é encontrar pessoas que nos ajudem a não esquecer o que aconteceu e acontece naquele momento. Eu sou feito agora. Você é meu amigo porque vive a mesma percepção que eu vivo, e me ajuda a me sustentar nisto. Senão a amizade é algo de macabro, porque não resiste ao desgaste do tempo, trasformando-se num amontoado de ossos ressequidos.
E o outro fator?
O sofrimento, que significa paciência. Aquela certeza que me marcou em pequeno passou através de todos os problemas da vida: eu escapava por aqui e a encontrava ali, escapava outra vez e tornava a vê-la. Tudo isso desencadeou um drama terrível entre a minha imaginação, a medida que eu queria dar à realidade, e a realidade como ela é. Em que é que consistia o sofrimento? Numa luta furibunda na minha carne entre a minha medida, a minha concepção do afeto, da relação, e aquilo que o meu coração, por sua vez, desejava. Tudo isso é uma batalha contínua. Um sofrimento contínuo, mas cheio de alegria porque permite saborear o que temos de mais querido.
Por quê?
Como posso eu perceber que Cristo é aquilo que tenho de mais querido se a razão não experimenta, numa batalha cotidiana, que convém viver nesta posição, que assim a vida é mais bela? É isto o sofrimento. É lutar contra essas reduções nas quais corro continuamente o risco de eliminar o Acontecimento que mudou a minha vida.
Há momentos da sua vida que ponham em crise toda essa certeza?
Como tentação, frequentemente. Olhar o sofrimento inocente, um amigo que morre... mas uma coisa é a tentação, outra é que eu me deixe definir por ela. O drama é sempre entre o meu limite e o Mistério que chama. Essa tentação eu a vivo de forma contínua. Mas é necessária porque, senão, em que é que consiste a liberdade? Se eu não tivesse a possibilidade de dizer “não” ao Ser, não podia ter a alegria de dizer: “Tu, ó meu Cristo”.
E, inversamente, qual foi o momento mais cheio de certeza?
À parte o abraço de Dom Giussani, há muitos anos, o encontro com Julián Carrón. E os amigos aqui da América do Sul. A coisa mais grandiosa é ver pessoas para quem a certeza do Acontecimento de Cristo é a razão da sua vida.
O que mais o impressionou no livro de Dom Giussani?
Ele não fala de Cristo: fala com Cristo. Por exemplo, tem uma percepção viva, dramática, sofrida, do poder que nos circunda; mas vê que sofre porque é um só com Cristo. É como dizia São Paulo: “Para mim viver é Cristo. Não conheço outra coisa a não ser Cristo crucificado”. Em Dom Giussani, isso é evidente. Ao lê-lo, se vê um desejo imenso de que o mundo inteiro possa vibrar com aquela consciência que ele tem de Cristo. Sofria. Mas como consequência de nos ver surdos e cegos a este Acontecimento, que consideramos óbvio.
Basta uma Certeza para viver, uma só.
Sim. E isso permite que sejamos um ponto claro de presença no mundo. Alguém com quem o mundo tem de contar. Podem nos contestar, mas não podem eliminar essa diferença. É assim que se pode encontrar o outro. Como acontece sempre no Meeting.
O que o senhor espera do Meeting deste ano?
De sair de lá mais consciente de que, na verdade, a realidade é o corpo de Cristo. Não existe nada que não seja relação com o Mistério. A realidade é o Seu corpo. E é positiva. Sempre.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón