Ali, parecia o paraíso. Um local de grande beleza natural, e mesmo assim aquele grito de “não basta”. É o coração do homem, como um sensor, que impulsiona a chegar ao fundo dessa beleza, a dizer o Seu nome. Em quatro dias de férias nacionais, um passo a mais no caminho de descoberta do próprio eu
Hotel do Frade, em Angra dos Reis. Quem diria que, algum dia, o Movimento realizaria suas férias nacionais em local de tamanha beleza? Mas foi isso que aconteceu de 28 a 31 de julho, reunindo 370 pessoas de todo o país. O tema que conduziu estes dias foi: “Levados para um território desconhecido!”, uma frase de Dom Giussani utilizada por padre Carrón, durante este ano, nas apresentações do livro O Senso Religioso. A proposta da aventura, do desconhecido, de ir além das nossas medidas e deixar-se maravilhar pela beleza em sua forma mais verdadeira marcou o gesto das férias.
Marco Montrasi (Bracco) e padre Julián de la Morena guiaram os encontros. A atenção ao início do dia, com a oração do Ângelus, alguns cantos e uma breve leitura de um trecho dos últimos Exercícios da Fraternidade, determinavam o que viria pela frente. Pequenos gestos, mas fundamentais. Estacas no dia, “pedras do caminho, aquelas em que você apóia o pé e se sente segura para continuar andando”, como descreveu Silvana, de Salvador. “Somos amantes do início, porque dali acontece o desenvolvimento do dia, como uma semente que tem dentro tudo”, sublinhou Bracco.
Dias cheios de surpresas. Como o grande passeio de sexta-feira em que as três escunas – alçando bandeiras verde, vermelha e azul – partiram em direção ao mare nostrum. Pouquíssimas foram as pessoas que não conseguiram ir, e aderiram ao passeio desde as famílias com bebês, como Wilson e Irene que vieram da Suíça visitar a família brasileira e levaram para todo lado o pequeno Sebastião de poucos meses, até os “mais adultos”, acima dos 70 anos, que de boné e camiseta aproveitavam de tudo. “Esperem um caminho, não um milagre”. Na saída, a exortação de Bracco: “Vamos pedir para que Cristo nos surpreenda hoje. Neste passeio de barco teremos uma companhia guiada para que o nosso eu cresça e seja mais si mesmo. Fiquemos atentos às pessoas, vejamos quem nos marca mais”. Foi dada a largada e durante aquele dia no mar foram realizadas três paradas, em ilhas magníficas. Na primeira, foi feita a proposta de uma breve caminhada para chegar ao topo de uma colina. Dali se via toda a baía, com suas centenas de ilhas, mar verde esmeralda que refletia o brilho do sol. “Quem és Tu, Senhor, que fazes essas maravilhas?”. Cantos, risos, olhares, fotografias. Todos queriam uma recordação. Algo que ajude a fazer memória. Ali no topo, alguns cantos da nossa história: o “coral dos bichos”, Freedom, Vent du matin, ... Um povo!
O almoço foi feito no barco, com as pessoas se doando para servir o lanche, recolher o lixo, ajudar com as crianças. Também foi ocasião para conhecer um novo amigo, falar da própria experiência, deste Tu que chegou de repente e mudou tudo. Durante a travessia, gritos “de guerra” entre as esquadras, que pela divisão das cores, se enfrentariam em jogos na manhã seguinte. E nesses jogos era tudo ou nada. Pessoas adultas brincando como crianças, livres, disponíveis. Mesmo sem conhecerem-se profundamente, era visível uma familiaridade entre os presentes, que não podemos explicar. É sinal concreto da presença de Cristo entre nós. Ali no cantinho da praia o segurança do hotel parecia não acreditar em seus olhos. Ficou bastante tempo ali parado, observando aquela algazarra. Depois, voltou para seu lugar com um sorriso nos lábios. Alguns outros hóspedes também ficaram curiosos e observavam a movimentação à distância.
Faróis para a vida. Durante as férias, muitas coisas boas: o hotel era de frente para o mar, fez sol todos os dias, o passeio na escuna foi ótimo e a alegria das pessoas testemunhava Cristo. Mas Deus sempre supera e, como dizia Cleuza, teve um “a mais que não estava no pacote”: os testemunhos. Na noite de sexta-feira, após toda a beleza do dia, ainda fomos contemplados com a experiência de Grazia e Franco Nembrini. Há três anos este casal de italianos frequenta o Brasil, pois foi pedido a Franco que ajudasse no trabalho com os educadores e colegiais do Movimento. O testemunho daquela noite deixou todos magnetizados pela experiência tão potente de um homem e uma mulher realizados na própria vocação, cada um respondendo ao que o Senhor lhe pediu. A primeira a falar foi Grazia, que contou como, a partir da sua vida silenciosa, o mundo entrou na sua casa, pelo marido e os quatro filhos homens, e como a sua humanidade floresceu. “No início do casamento, quando fomos falar com Dom Giussani, ele me fez essa observação que nunca mais esqueci: ‘Você deverá ser para Franco aquilo que a raiz é para a árvore. Muitas vezes a raiz vive escondida, mas elas têm que estar bem penetradas na terra para delas tirar o alimento e para permitir à árvore dar frutos e flores, que é o que as pessoas vêm ao passar. Normalmente não se vê a raiz, porém eu lhe peço para que viva escondida para permitir que Franco viva o que será pedido a ele’. Mesmo não entendendo bem o que significava, eu disse sim a Dom Giussani e, com o passar do tempo, o que eu entendi é que o que eu vivi nos anos seguintes permitiu, em primeiro lugar, que a minha humanidade florescesse. E eu nunca poderia ter imaginado que iria viver tudo o que eu vivi.”
“O segredo da minha vida foi a fidelidade ao início.” Assim Franco começou a contar a aventura de sua vida em mais de 35 anos de pertença ao Movimento. No primeiro encontro com Dom Giussani, quando ele foi à sua casa por causa de sua irmã mais velha que entraria para o mosteiro de clausura, teve a intuição de que “aquele homem tem a ver com Deus”. Aos 17 anos, conheceu os colegiais e viu garotos da sua idade que eram felizes como ele desejava, e, assim, redescobriu o gosto pela vida, começou a ver a realidade como algo bom para si. Neste percurso, Franco entendeu que as três coisas que o homem precisa para viver são: “uma certeza em relação ao destino; a possibilidade de que essa certeza dê um formato aos relacionamentos, e, portanto, seja um amor; e que essa vida se torne vocação, ou seja, que a própria vida se torne um bem para o mundo”. Um homem que afirma continuar levantando-se de manhã com a mesma ferida que tinha quando era jovem. Uma ferida mais profunda e mais dolorosa. E a cada dia busca seguir os passos da Presença d’Ele, obedecendo a realidade que se apresenta, o que o levou a construir uma escola na Itália, e outra em Serra Leoa, na África, e vir ao Brasil. “Se me perguntam ‘o que é a fé, o que é o Movimento, o que é Jesus pra você?’, eu respondo: É uma promessa mantida.”
O amigo do Paraguai. Padre Aldo passou apenas dois dias em Angra. Certamente fez uma viagem cansativa, primeiro de Assunção até São Paulo, depois mais cinco horas de carro e no dia seguinte o mesmo percurso para voltar para casa, onde suas crianças e tantos amigos o esperam. Por que tamanha “loucura”? “Porque preciso desses amigos”. Amigos que são o rosto de Cristo na sua história. E ali nas férias padre Aldo tinha um rosto límpido. Falou por quase uma hora sobre a sua experiência, da acolhida que recebeu de Dom Giussani e dos demais amigos que lhe foram dados: “Todas as minhas amizades nasceram por causa de um grito, não por uma simpatia, ou por projetos político-sociais. Assim também as 16 obras do Paraguai, das quais sou responsável, são fruto de uma dor, de uma depressão, da companhia de Cristo. De pessoas que tinham a mesma pergunta que eu”. Silêncio no salão. Olhares atentos e comovidos. Falou também da cultura: “Faz 40 anos que fazemos no final de semana um juízo do que está acontecendo. Às vezes erramos no juízo, mas é a paixão por Cristo que faz com que tenha a ver com tudo. (...) Por isso nasceu um jornal semanal que tem uma enorme tiragem no Paraguai. Porque, se você ama Cristo não dá para não sofrer diante daquilo que aconteceu na Noruega. E assim você não pode deixar de arriscar um juízo. (...) Por que Amy Winehouse morreu? Não basta rezar pela alma dela, se não qual seria a utilidade da companhia e a razoabilidade da fé? Giussani nos educou que todo fato é uma provocação para mim. Portanto, todo dia de manhã leio os jornais, não porque gosto, mas porque disso nasce uma paixão por Cristo. Então, todo tempo livre que tenho me coloco a escrever: Carrón está dizendo isso, e o que isso tem a ver com que os jornais estão contando?”
Para Marcelo, de São Paulo, ouvi-los foi uma reviravolta: “Vi pessoas felizes, de um modo que não é comum, e essa felicidade só existe porque existiu uma entrega, desde o início, seja com a ida do padre Aldo ao Paraguai e o Franco e a Grazia desde o início do relacionamento deles. Eles não ficaram medindo, não ficaram se resguardando, mas viveram intensamente”.
A ciranda e a vida. “Mulheres de saia rodada”, pedia Marcela, de Belo Horizonte. “É para dar um brilho a mais”. E muitas atenderam ao pedido para chegar vestida assim naquela festa de sábado, que começou a ser preparada há algum tempo, sendo pensada, ensaiada. Mas, ali, o que se viu foi além de qualquer previsão. O violeiro Chico Lobo, de Belo Horizonte, junto com outros músicos que, de improviso, se juntaram para formar a sua “banda”, animaram com a cantoria. “Crianças na frente. Vamos olhar pra elas”, e assim foi. “Dois passinhos pra frente e torna a voltar pra trás”. O salão do encontro virou um grande salão de baile. Depois, a grande ciranda, todos juntos, de mãos dadas, aos pares, sozinhos. Uma alegria que contagiou a todos. “Na festa, com as músicas e as danças, era como se esse espaço fosse o espaço mais bonito de Angra dos Reis: as pessoas dançando, as crianças brincando, a liberdade que era vista, é como se não precisasse do sol, da praia, da piscina, porque nós estávamos aqui dentro e as coisas aconteciam, e a beleza acontecia, e a vida acontecida e Cristo acontecia de verdade”, afirmou Aline, do Rio de Janeiro.
Na primeira noite, na quinta-feira, o convite a uma abertura total para se deixar tocar pela novidade do desconhecido. No encerramento, no domingo, os testemunhos do que se descobriu. “Que experiência eu fiz nesses dias? Eu fiz a experiência de ser levado para um território desconhecido? E, mais do que um território, o que descobri do meu eu, ou o que descobri da humanidade do outro? O que me marcou, o que suscitou em mim o que vivemos nesse tempo? Vamos testemunhar o que foram estes dias”, dizia Bracco. E, naquela manhã, as pessoas estavam ali, atentas, curiosas, desejosas. “Obrigado por esses dias”, foi a frase mais repetida. E muitas foram as descobertas: “Este território desconhecido sou eu mesmo”; “Imprevisto não é medo e incerteza, mas é novidade”; “Posso gozar dessa beleza natural sem medo de que amanhã não vou estar diante dela, pois estou certo de Cristo”.
Lá fora o sol brilhava, mas ninguém se movia do salão. Nem todos conseguiram expressar sua gratidão, sua pergunta, seu testemunho. Mas via-se no rosto que alguma coisa mudou. “Era ele, mas era mais ele”, como Dom Giussani descrevia o Apóstolo André depois do encontro com Cristo. “Aquilo que pode me dar certeza não é só que Cristo está vivo, mas que Cristo ressuscitou. Cristo passou dentro desse medo que você tem, Cristo atravessou isso. Cristo entrou no coração, não para tirar o seu medo, mas para dizer que está com você. Dentro de todos os dramas que estamos passando, quando as coisas vão para onde não tínhamos planejado, é dentro de um caminho que Cristo mostra essa certeza de que Ele te leva a um porto seguro, que Ele é a realização desse desejo de felicidade que você tem, e que as pessoas que você ama têm. Porque Cristo não é só um homem que está vivo. Ele é um homem que ressuscitou, Ele morreu de verdade, para que o Mistério não seja um ponto de interrogação, mas seja algo que eu posso olhar”, finalizou Bracco. Ao voltar para casa todos carregavam a grandeza do início, não do fim. A certeza de um caminho ao qual percorrer, e de amigos – autoridades – a quem seguir. “Temos os textos e as pessoas. Precisa da decisão de cada um de nós para que a vida possa mudar, como mudou a vida de João e André”.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón