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Passos N.132, Novembro 2011

RUBRICAS

Cartas

UMA TARDE NO CARRO OUVINDO RÁDIO
Caro padre Carrón, sou casado e pai de família. Cresci num ambiente muito crítico em relação à Comunhão e Libertação. Um pouco por osmose, comecei a abraçar as mesmas teses anti-Movimento. Relendo o artigo do Repubblica sobre o último Meeting de Rímini, em várias passagens reencontrei a minha forma de pensar, as minhas objeções recorrentes. Depois aconteceu uma coisa que me “arrancou” daquele cinismo. Tudo começou há dois anos, quando soubemos que o nosso filho era autista. Nos dias que se seguiram ao diagnóstico verifiquei que aquilo que eu sabia e as respostas que me repetia não eram suficientes para enfrentar algo assim. Surgiu no meu coração uma inquietação, uma procura de alguma coisa que sustentasse a vida. Uma terça-feira de outubro, no carro, “rodando” entre as várias emissoras, parei “por acaso” na Rádio Maria. Era uma catequese do padre Primo, que comentava alguns escritos de Dom Giussani. Enquanto ouvia aquelas palavras, comecei a sentir uma nova alegria. Depois houve o encontro com algumas pessoas já agarradas por Cristo, dentro da Igreja, no Movimento. Impressionaram-me o olhar de um deles, a liberdade de juízo do outro, a competência profissional de outro ainda. Houve na minha vida um padre, do Movimento, que Deus colocou no meu caminho como uma bênção. Quando ainda estava “afastado” e criticava a experiência de CL, ele olhou sempre para mim com amor. No início não foi fácil aceitar o que estava acontecendo. Procurei opor-me de todas as maneiras. Uma noite, enquanto estava perdido nos meus pensamentos, esbarrei numa frase: “Ou enfrentamos o contragolpe daquilo que acontece, ou partimos de um preconceito”. Percebi que era o sinal que esperava. Render-me foi libertador. Outro sinal foi a leitura do livro de Antonio Socci, Caterina. Ver como ele e a sua mulher estão diante do sofrimento, e ler também a história de André Aziani, levaram-me a pensar que o carisma de CL “faz surgir” homens e mulheres assim e que também eu desejo isso. Não quero nada que seja menos. Surpreendi-me com o coração cheio de gratidão, a esperar todas as semanas a terça-feira para ouvir os “percursos de fé” do padre Primo. Comecei a achar o tempo curto para ler e “devorar” os livrinhos dos Exercícios da Fraternidade, os apontamentos da sua Escola de Comunidade. Mas o sinal de que aconteceu alguma coisa foi o renascimento da minha vida. Aumentou desmesuradamente o desejo d’Ele. Vivo os meus dias na esperança de que Ele se manifeste e de que eu possa reconhecê-Lo. Vejo isso, embora no meio das muitas dificuldades, na serenidade com a qual, todos os dias, consigo cuidar do meu filho. Vejo-o na comoção, nunca experimentada antes, pelo destino dos meus alunos, pelo sofrimento dos meus irmãos, pelo difícil caminho das famílias desfeitas quando a deficiência entrou nas suas vidas. É uma comoção que se torna urgência de partilha.
Francesco, Cesena (Itália)

A GRAÇA DE VOLTAR A SER SIMPLES
Percebo que no Movimento estamos mesmo vivendo uma grande graça. Sempre tivemos o grande amor de Dom Giussani, e também do padre Ricci, que vinha para o Brasil praticamente a cada três meses, e é por causa daquele carinho que eu e vários amigos permanecemos nessa história. Mas parecia que tudo já tinha acontecido, que já tínhamos encontrado o Movimento há mais de trinta anos, que daí a uns anos iríamos nos aposentar, nossos filhos já estão grandes... As cartas já estavam jogadas e não tinha muito o que fazer. E nestes últimos anos, depois que Dom Giussani morreu, houve uma retomada, uma reviravolta, e tudo passou a ser novo novamente. Encontramos o Marcos e a Cleuza e nestes anos vemos que cresce cada vez mais uma amizade simples e prazerosa. E, mais do que isso, encontramos um gosto em viver a nossa vida, uma simplicidade. Como Carrón nos disse num texto dos Exercícios: a maior apologia disso é o eu vivo. E nós temos inúmeros sinais dessa vivacidade. Uma experiência recente que acho muito significativa e exemplifica o método é sobre a retomada da caritativa entre os adultos. O padre Julián fez a provocação e nos propôs começar a visitar algumas entidades que recebem os alimentos da Coleta que fazemos todo ano. E encontramos um grupo de freis e de freiras, bem jovens: a Congregação dos Humildes Servos. Trata-se de uma congregação que segue um carisma parecido com o da Madre Teresa de Calcutá. Indo lá, nos demos conta da presença de Cristo vivo, e eu chamei o meu melhor amigo para vir comigo e a partir disso aconteceu que muitos dos adultos, profissionais de diversas áreas, passaram a tirar um sábado por mês (que seria um dia merecido de descanso) e às 9 horas estão prontos e desejosos de ver aquela amizade. Então, eu percebi que esse fato de seguir uma proposta ajudou muito no caminho para reviver essa experiência que todos nós já tínhamos vivido. Eu vejo, hoje, pessoas com um brilho no olhar. Nós vivemos a experiência de viver essa indicação e de ver florescer, reviver, renovar o meu empenho, uma amizade, a comunhão. Carrón nos lembrou que um dos sinais de que Cristo está presente entre nós é a mudança que vemos ocorrer em nós e nos outros. Eu tenho visto essa mudança e estou muito contente por isso.
Olívio, São Paulo (SP)

AS NECESSIDADES E O SENTIDO DA VIDA
O que tem a ver a Coleta de Alimentos e o meu amigo padre Virgilio Resi? Meu amigo faleceu em 2002, mas eu nunca pude senti-lo tão presente em minha vida como neste ano de 2011 em que estou propondo a Coleta de Alimentos para meus amigos. A Coleta é um gesto simples; ao me comover com a fome de alguém, eu me movo. Neste ano eu descobri que mais do que aqueles que nós ajudamos, eu sou o que mais passa fome. Passo fome de sentido em tudo o que eu faço. Durante muitos anos eu vivi a morte do padre Virgilio com nostalgia e tristeza, que não me ajudavam a viver a minha realidade. Neste ano foi diferente! Aconteceram vários milagres em minha vida. E ao contrário do que muitos acreditam, o milagre vem através de um esforço humano de reconhecer sua fome de sentido, sua pequenez, e então fazer um trabalho sério de viver sua realidade mendigando uma resposta. Em janeiro deste ano eu me casei com a Mirla, e iniciei este dia tão especial de reconhecer quem é o Centro da nossa vocação, fazendo memória dos meus amigos Virgilio e Elisa Brandão. Quantas coisas aconteceram de lá para cá; e nada foi tirado: a dor, o sofrimento, a frustração e o cansaço, o drama de reconhecer que por mais que eu me esforçasse, o resultado final não estava em minhas mãos. Através da minha família e amigos eu vivia o que me era dado, pedindo, pedinte... Há um mês eu recebi a notícia de que minha esposa estava grávida! Um sonho virando realidade. Ao mesmo tempo, eu tinha que me defrontar com minha realidade no trabalho que me fazia ficar pouco tempo em casa e muitos dias viajando. A notícia de que um filho estava sendo gerado, foi um misto de alegria e dor, e ainda assim eu me fiz pedido, pedinte... Hoje numa entrevista de trabalho eu fiz memória do padre Virgilio, e pedi sua intervenção, se assim fosse a vontade de Deus. E eu posso dizer que mais uma vez um milagre aconteceu. Hoje eu recebi a oportunidade de ter os instrumentos que necessito para viver mais perto da minha esposa, dos amigos e do Movimento. E é com esta certeza de que somos todos pedintes que eu tenho feito a proposta da Coleta de Alimentos. Quando nos comovemos e movemos, fazemos a experiência de reconhecer que o destino não pertence a nós, o que nos é dado é um caminho. Um caminho como fiz várias vezes com meu amigo padre Virgilio; cheio de dificuldade mas também cheio de beleza.
Renato, Belo Horizonte (MG)

NOS BRAÇOS DE ALGUÉM CONHECIDO
Há alguns meses, André trouxe para nossa casa, por alguns dias, uma doente sua com câncer. C., professora numa prestigiada universidade dos Estados Unidos, divorciada, sem filhos, tinha sido operada por André no outono de 2009. A operação tinha travado a doença durante algum tempo, mas depois esta reincidiu. Nos meses seguintes, C. ia e vinha de sua casa para se submeter à quimioterapia e assim, com o tempo, nos tornamos amigas. Às vezes ficava em nossa casa. Há duas semanas, deram-lhe poucos meses de vida. Naturalmente, esta notícia foi uma dor para todos nós, que com ela partilhamos medos, boas notícias, esperanças. Na noite antes de regressar a casa, ao jantar, ela desabafou: “Não bebo, não fumo, faço exercício físico e aparece-me um câncer; sempre quis ter filhos e não pude tê-los; sempre fui uma boa pessoa, uma boa cristã; não é justo!”. Chorava pela dor, pela amargura e pelo medo: agora tinha que voltar para casa e procurar, sozinha, um lugar onde morrer. Pedimos-lhe para ficar em nossa casa, mas ela infelizmente não aceitou. Tentamos consolá-la fazendo-lhe ver em quantas circunstâncias da sua vida foi claro e decisivo o amor de Cristo por ela. Mas como é evidente, somos sempre nós que decidimos quando Cristo está ou não está… Impressionou-me, naquela sexta-feira à noite, o quão fácil é agarrarmo-nos à regra do “fazer bem”; “Fiz tudo bem, e agora…” A regra, mesmo a regra boa, não nos salva. Nos dias seguintes pensei muito nisso; percebi como é duro chegar à nossa hora e atirarmo-nos para os braços de um desconhecido. Quem de nós não teria medo? O que eu preciso é que cada dia Cristo se torne cada vez mais familiar, afetivamente familiar, e assim quando chegar também a minha hora, não vai parecer que estou me lançando no desconhecido. E esta familiaridade afetiva cria-se reconhecendo os Seus traços no cotidiano, no rosto do meu marido, dos meus filhos ou dos amigos. Mas é preciso a nossa liberdade para decidir querer vê-Lo e abraçá-Lo.
Raffaella, Rochester (EUA)

A PREOCUPAÇÃO DE UM PAI
Caro padre Carrón, a comunidade de CL no Colorado ficou profundamente comovida com a sua visita aos Estados Unidos (v. Passos, out/2011). O Jonathan ficou impressionado com a sua preocupação pelo destino de cada um de nós: “Mais ninguém olha para mim como o Carrón”. A Katie ficou impressionada pela forma como você a convidou a olhar o que Cristo fez – o Batismo – para perceber o que Cristo pensa dela. Porque o que conta é “o que Ele fez, e não tanto as minhas capacidades”. O David estava maravilhado pelo simples fato da sua presença. Aquilo de que ficamos todos mais profundamente conscientes é da sua preocupação por nós, paterna e, ao mesmo tempo, de forma alguma “paternalista”. Pelo contrário, como você mesmo nos disse: “Eu não estou aqui para resolver os seus problemas”. Simplesmente quer nos ajudar a encarar a vida com a atitude certa. Vimos claramente com os nossos próprios olhos que você é uma autoridade para nós, precisamente porque nos ajuda a despertar as perguntas que a vida coloca.
Matt e a comunidade do Colorado (EUA)

A POSSIBILIDADE DE UM PEQUENO PASSO
Desde que fizeram a enésima reestruturação da empresa envolvendo demissões e essa ameaça voltou, em vez de trabalhar menos – como estão fazendo os meus colegas – eu trabalho mais… e melhor. Não estou estressada como há algum tempo – cansada, sim –, mas estou mais “lúcida” e muito mais atenta ao que acontece ao meu lado. Lembro-me do aniversário de uma pessoa que está longe, penso – durante as orações – na minha colega “difícil”, trabalho com ela numa harmonia que nunca poderia ter imaginado, e tudo sem nenhum “esforço”. É como se, verdadeiramente, com passos imperceptíveis, o meu coração tivesse começado a converter-se. Agora, quando leio algumas cartas em Passos começo a acreditar que é possível também para mim, e não giro mais a página dizendo “isto é para poucos sortudos!” ou “que exagero ‘místico’!”. Também desta vez a realidade que me parecia negativa escondia para mim uma possibilidade grande de dar um pequeno passo.
Elena

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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