Durante a peregrinação, Jazmín Giuburú, do Paraguai, contou sua história. A seguir o seu relato
Em 1954, meu pai era um reconhecido médico traumatologista, no Paraguai. Alfredo Strossner assumiu o poder no país e começou uma repressão muito grande. Naquela época, meu pai começou a receber, no seu hospital, cadáveres de pessoas que tinham sido torturadas e se recusou a assinar os atestados de óbitos como morte natural. Ali começou a perseguição à minha família, que era composta por meus pais e meus dois irmãos mais velhos, que tinham 3 e 5 anos. Os policiais invadiram nossa casa e reviraram tudo para assustá-los. Assim, meu pai decidiu exilar-se na Argentina, na cidade de Encarnación. Mas ele começou a recolher cadáveres de pessoas torturadas que vinham do lado paraguaio pelo Rio Paraná e fez denúncias nos jornais. Strossner se irritou muito e tornou a infernizar a nossa vida. Eu nasci em 1967, quando assumiu no Paraguai o Ministro do Interior, Montanaro. Em 1969, meu pai sofreu o primeiro sequestro, foi levado ao Paraguai e ficou preso durante um ano. Quando ele viu que não seria julgado nem libertado, conseguiu fugir com a ajuda de alguns amigos. A Embaixada do Chile lhe deu asilo e depois ele voltou para a Argentina para ficar com a família. Tentaram me sequestrar também, minha tia foi perseguida e acabou tendo o bebê na prisão. Toda noite a polícia cercava a nossa casa e eu vivia com muito medo. Então, nós fugimos e ficamos escondidos em outra cidade. Retomamos a vida e pensávamos estar a salvo. Não sabíamos que o Governo de Strossner utilizava um plano de intercâmbio de presos políticos na América Latina, que era o Plano Condor, unindo Paraguai, Argentina, Brasil e Uruguai. Assim, no dia 9 de fevereiro de 1977, quando meu pai voltava do trabalho, seu carro foi interceptado. As testemunhas relatam que ele foi abordado por quatro homens armados, que o golpearam na nuca, o colocaram no porta-malas e o levaram. Aí começou a luta de minha mãe e começamos a buscá-lo por toda parte, mas não podíamos voltar ao Paraguai. Um dia, quando olhávamos no jornal a lista dos presos políticos libertados, eu me deparei com uma oração muito bonita ao Espírito Santo, em que se pedia que perdoássemos a todos. Hoje eu me dou conta que aquele foi o momento em que Espírito Santo começou a trabalhar dentro de mim. Em 1989 cai o Governo no Paraguai. Montanaro foi em exílio para Honduras e Strossner se escondeu em Brasília. Eu voltei a viver no país junto com minha mãe e meus irmãos e continuamos a procura por meu pai. Saiu um relatório, chamado “relatório do terror”, com a descrição da perseguição a mais de 140 mil paraguaios mortos ou desaparecidos. Eu sentia muito ódio, muito rancor e desejava vingança. Não sabia o que fazer, até que um dia resolvi ir à missa na Igreja São José Operário e decidi fazer um curso sobre a vida no Espírito Santo. Eu não conhecia nada e sabia rezar apenas o Pai Nosso. Aquele que conduzia o curso nos disse para olhar Jesus na Cruz e trocar o rosto d’Ele por aquele das pessoas que mais odiávamos. Eu fiquei olhando aquele rosto e ele foi se mudando no daqueles que foram os responsáveis pelo desaparecimento de meu pai. A partir deste dia o ódio em mim foi mudando. Comecei a me aproximar da Igreja, comecei a rezar e a aprender. Há seis anos eu fui visitar a paróquia de São Rafael e conheci o padre Aldo Trento. Ele me olhou, me cumprimentou e, sem nem me conhecer, me convidou para a Escola de Comunidade. Eu não sabia o que era, mas desde então eu continuo acompanhando os trabalhos da paróquia com padre Aldo. Há um ano e meio, sou diretora administrativa da “Casinha de Belém”. Nestes anos, este rancor e ódio foram se transformando em mim porque, de joelhos, eu pedia que se transformassem em amor. Alguns meses atrás voltou de Honduras o Ministro Montanaro e fui encontrá-lo. Hoje nós sabemos que ele, Strossner e mais oito generais, participaram do sequ estro de meu pai, o submeteram a muitos meses de tortura até que o fuzilaram. Quando eu estava diante dele, padre Aldo me perguntou: “O que você está sentindo?”. E eu lhe disse: “Sinto lástima, sinto amor, não sinto ódio, eu consegui perdoá-lo”. Este é um trabalho muito grande, porque somente Cristo é capaz de transformar um ódio tão grande e a dor de toda uma vida, em amor. Depois, eu disse a padre Aldo: “A partir deste dia eu entendi quem sou e entendi que são as dificuldades da vida que nos transformam em homens. Eu entendi que estes são os caminhos que Ele utiliza para que nós, de joelhos, diante d’Ele, nos convertamos a Ele”. Por isso, estou aqui com vocês para que, compartilhando com vocês, eu possa crescer na fé, e é o que eu peço todos os dias a Cristo: “Senhor, faz-me crescer na fé e no amor”. E posso lhes garantir que quando conseguimos perdoar sentimos no coração uma paz enorme, pois a única paz é a paz de Cristo.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón