IMPRIME [-] FECHAR [x]

Passos N.133, Dezembro 2011

RUBRICAS

A história

LIÇÃO DE POSITIVISMO

Na porta da turma B da quinta série desta escola italiana, uma voz grita: “Meninos, está chegando!”. “Quem? A nova?”. “Sim”. Lentamente todos se sentam. Maria, a “nova” professora de italiano entra, senta-se e começa a chamada. É a segunda vez que dá aulas nessa classe. Tem dificuldade de dizer alguns sobrenomes, pois quase a metade são estrangeiros. Depois de fechar a lista de chamada, levanta e desenha um círculo na lousa. Dentro, escreve a palavra realidade e na circunferência, o nome dos cinco sentidos. “Hoje quero explicar a vocês o Positivismo”. Do fundo, uma voz diz: “O que é isso? É de comer?”. Risos. “Não, mas vão ver que é do interesse de vocês. E como”. Maria sabe que esse assunto é arriscado. O Positivismo sequer faz parte do programa do Ministério nas escolas profissionalizantes. A ideia lhe ocorreu lendo o discurso de Bento XVI na Alemanha. Eles estão – melhor, estamos – afundados até o pescoço na cultura positivista.
Começa a exposição: “Positivismo deriva de positum, isto é, segundo essa corrente de pensamento existe apenas aquilo que percebemos com os cinco sentidos. Vocês concordam?”

“Claro, professora”, é a resposta imediata. “Todos concordam?”. “Sim, professora”. Alguns, porém, não parecem tão convencidos e não respondem. Maria continua. “Bem, o celular existe?”. “Sim, ele toca”. Dentro do círculo escreve: celular. “O perfume?”. “Sim, o cheiramos”. No círculo também entra o perfume. “Deus existe?”. “Não, absolutamente”. Está para riscar a palavra Deus quando alguém grita: “Como não existe? Quem nos faz?” Maria se volta. “Por que você está dizendo isso?”. “Sou muçulmano, eu acredito. Deus existe”. É o início do tumulto. A discussão é acirrada. Maria se cala. Um menino pergunta: “Professora, para a senhora, Deus existe?”. No fundo, seria simples dizer que sim e explicar as razões tentando convencê-los...
Maria, porém, decide tomar um outro caminho. “Não vou responder. Mas, sigam-me no raciocínio que estávamos fazendo. O amor existe?”. “Não, não o vemos, não o tocamos, não o cheiramos...”. Outro nome riscado. “A amizade?” Silêncio. Depois, uma voz: “Vamos voltar, professora. Deus também existe”. Quem falou foi um rapaz italiano. “Sim, professora. Estamos todos de acordo em relação a isso”. “Meninos, então algo não convence no raciocínio positivista”.

Usou de propósito a palavra “raciocínio”. É a razão deles que ela está solicitando. A partida se joga toda aí. Continua: “No fundo, é fácil o percurso dos positivistas”. “Explique melhor”. “A realidade é feita de coisas conhecidas e de outras desconhecidas que, antes ou depois, conheceremos. Deus é fruto apenas da ignorância daquilo que, no momento, não conseguimos explicar. Com o progresso da ciência, as religiões serão abandonadas porque são fruto da ignorância”. “Eles têm toda razão”. E a posição anterior? É exatamente o uso da razão que está errado.
Maria recomeça: “No ano passado, um amigo de vocês morreu em um acidente. Pois então, imaginem um positivista indo visitar a mãe daquele rapaz para explicar, com grande precisão, inclusive nos mínimos detalhes, como aconteceu o acidente. No fim dessa descrição, a mulher ficaria mais tranquila, quase contente. Sabe tudo”. “Professora, o que a senhora está dizendo?”. “O que tem de mais? Explique”. “O que importa a ela como aconteceu? Ela não sabe o porquê!”. Mais uma vez, silêncio. “Estão vendo, meninos? A ciência explica o como. Segundo vocês, a razão é definida pelo que sabe responder ou por aquele por quê?”. Toca o sinal. A aula termina. Não explicou o que havia programado, não os convenceu da existência de Deus. Apenas tentou acompanhá-los em um percurso. “Decididamente uma bela aula. Uma das melhores”.