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Passos N.136, Abril 2012

VIDA DE CL / NÓS E O CANTO

Para quem você canta?

por Paola Ronconi

É “a expressão mais alta do coração humano”, dizia Dom Giussani. E é uma parte decisiva da nossa educação. Passos começa um percurso à luz das descobertas de um grande companheiro de caminho na história do Movimento. Desde aquela primeira missa, em San Gottardo, no Palazzo...


A harmonia escondida é mais potente do que a harmonia manifesta, dizia Heráclito. Mas há momentos em que é como se céu e terra se tocassem por um instante. Muitas vezes o canto é aquilo que mais acompanha a alma em direção ao seu Criador.
Em 1994, Dom Giussani dizia a alguns “adeptos aos trabalhos” em torno de uma mesa: “Nenhuma expressão dos sentimentos humanos é maior do que a música. Quem não é tocado por um concerto de cordas, como é possível ficar insensível diante das cores de uma sonata para piano? Parece o máximo. No entanto, quando ouço a voz humana... Não sei se também acontece com vocês: mas é ainda mais, e mais que isso não é possível”.
Para Dom Giussani, o canto sempre foi um fator fundamental na vida da comunidade cristã: “Dez minutos antes da primeira missa do Movimento, nasceu o canto do Movimento”, dizia sempre. “Estávamos reunidos na igreja milanesa de San Gottardo, no Palazzo. E dez minutos antes da primeira missa comecei a ensinar Vero Amor è Gesù e O Cor Soave... Assim que o Movimento nasceu, começamos a cantar”.
Hoje, depois de mais de cinquenta anos, as notas de Et Incarnatus est, da Grande Missa de Mozart, introduziram a apresentação do livro da Escola de Comunidade feita por padre Julián Carrón que, usando palavras de Dom Giussani, comentou: “Canto no estado puro... contemplação e pedido ao mesmo tempo, jorro de paz e de alegria que nasce do estupor do coração quando é colocado diante da concretização da sua espera... a expressão mais potente e mais convincente, mais simples e maior de um homem que reconhece Cristo”. Um desafio: “O canto para vocês é quase a porta mais fácil para a natureza (...) do acontecimento cristão”, dizia tempos atrás aos responsáveis pelos cantos das comunidades de CL, “porque interessa mais a vocês, porque faz com que vocês sintam mais na sua carne o que isso quer dizer”. Então, como dissemos, vamos ver como este grande companheiro de caminho toma forma na nossa companhia, hoje.
Mas, advertimos, apenas um artigo não é suficiente.

Quem são estes? “Década de 1960. Quinto ano do ensino fundamental. Fui convidado para ir aos Exercícios Espirituais, em Varigotti. Entrei em um salão. O coro estava ensaiando. Disse a mim mesmo: quem são estes? O canto era guiado e cuidado. Cantavam de uma maneira que nunca tinha ouvido”. Quem nos fala é Pippo Molino, músico, compositor, “decano” do canto no Movimento. “Todas as vezes que há uma experiência verdadeira de Movimento, esse aspecto impressiona, talvez quem participe pela primeira vez não se lembre bem do que foi dito, mas fica tocado com os cantos, não importa o nível técnico”. Pippo rege o coro do Movimento desde 1986. “Não arrastem. Tenores, a afinação está baixa”, diz aos coristas enquanto ensaiam os Responsórios, de Da Victoria: “Pronunciem as palavras, con-ci-li-um, não engulam as sílabas”. São cerca de oitenta pessoas dentro da capela do Martinengo, na Praça Corvetto. Quase duas horas em pé, repetindo sem parar as mesmas frases, as mesmas notas. Para conseguir cantar bem aquele Eram quasi Agnus, para senti-lo na pele. “Está uma tragédia. Vocês estão dizendo: Venite, mittamus lignum, ‘Vamos, coloquemos veneno em Seu pão’. Querem matar Jesus, entendem? Não o que vocês fizeram hoje à tarde.” “O canto é o ponto no qual se vê mais facilmente a contemporaneidade de Cristo”, dizia sempre Carrón. “É possível ver logo quando o canto é intenso, quando o eu vibra, quando o eu coincide com aquilo que se diz.” O coro é, então, “o instrumento principal da educação de uma comunidade”. “É o cantar, porque faz a diferença”, explica Pippo. “E a consciência que vocês têm daquilo que cantam ajuda à identificação em quem ouve. ‘Servir’ torna-se, então, estar disponível à coisa maior que temos na vida e poder aprofundar aquele Encontro que a mudou.” Estando em pé duas horas por semana. “Nós não temos nenhum mérito. A única coisa que importa é ser instrumento de uma educação que Dom Giussani começou e que Carrón continua”, explica Pippo. “Pelo modo de fazer o coro para o Movimento, da maneira concreta de fazer os cantos como foram ensinados, é exatamente a mesma educação ao canto que continua hoje, que experimentamos como maior para nós. Chama-se coro, mas é um tipo diferente de coro que fazemos, seguindo.”
“Isso quer dizer seguir e responder àquilo que a comunidade pede”, diz Simona, professor de música e violonista, além de regente do coro da comunidade de Pesaro, 65 participantes entre adultos e adolescentes. “Acompanhar a missa semanal, a Via Sacra ou o presépio vivo pelas ruas da cidade. O canto ajuda a perceber o significado daquele momento se for feito como oferta e não como exibição.”

Faz-me cantar bem. Eugenio dirige o coro da comunidade de Pádua desde 1982: “É uma surpresa contínua: aquilo que você se ‘impõe’ é a fidelidade a uma responsabilidade assumida, mas aquilo que ‘colhe’ é mil vezes mais”. Como a breve mensagem de Anna, uma corista: “Enquanto vou para os ensaios, sempre me vejo dizendo: faz-me cantar bem, não por mim, mas que seja uma oração que Te agrade”. “Quando os sopranos começaram a cantar o início da segunda página de Amicus Meus, senti vibrar dentro de mim aquilo que Jesus viveu naquele momento”, escreve Eleonora.
O coro de Pádua tem a honra de, todo dia 25 de março, poder cantar na única missa que se celebra na capela de Scrovegni no dia da Anunciação do Senhor. Ou, recentemente, na exposição do corpo de Santo Antonio, onde cantaram Si Quaeris Miracula, uma oração de louvor ao Santo: “Mais uma vez, ser parte do coro me fez entender que estava ali não por causa daquilo que sou capaz, mas porque Ele me queria inteira”, escreve Augusta. De fato, “também é possível fazer as coisas mais belas sem ter consciência e gosto para vocês e de mérito diante de Deus, e então perdem”, dizia Dom Giussani em 1987.
Do outro lado do oceano, a tradição de cantar para a comunidade chegou graças aos estudantes italianos do Movimento, que partiram para Nova York na década de 1980, por meio de bolsas de estudo. “Pediram-me para começar um coro”, diz Chris Vath, músico. “Em cinco, aprendemos Ubi Caritas de Duruflé. Logo começamos a cantar nas reuniões da recém-nascida comunidade de Nova York”. E cantamos até hoje, quando o coro acompanha a Via Sacra na Ponte do Brooklyn. Um ano, uma das “estações” era na frente do City Hall, o prédio da prefeitura. O prefeito, Michael Bloomberg, passava de carro. “Parou. Ele, judeu, nos disse que ficou tocado com o canto. Reger o coro é, para mim, a possibilidade de introduzir à beleza da música e ser instrumento da unidade que provém daquela beleza.” A música é, por natureza, um mistério, “uma estranha sequência de sons capaz de conduzir a uma alegria desconhecida”, conclui Chris. “Mas sem a educação cristã, cairia na armadilha de um interesse estético que termina em si mesmo.”

O que há por trás? Em 1981, Markus se tornou violoncelista do coral da catedral de Limburg, na Alemanha. “O regente, um padre, não era tecnicamente perfeito, mas vivia aquilo que regia. Quando eu olhava para ele, me perguntava: o que há por trás da Missa de Bach?” A pergunta ficou sem resposta durante anos, até que Markus encontrou Andrea, um violinista com quem fazia música de Câmara. “A primeira vez que ele me convidou para um encontro do Movimento, disse a mim mesmo: ‘Será que aqui está a resposta?’.” De fato, “em Corvara, Dom Giussani nos fez ouvir A Morte e a Donzela e a Incompleta, de Schubert: aquela correspondência que havia percebido quando era jovem, tornava-se vida, companhia”. Hoje, Markus é diretor de uma escola de música em Grünwald, perto de Mônaco. Rege o coro da comunidade alemã (que reúne coristas de Düsseldorf, Berlim, Frankfut, Friburgo, Mônaco). “Encontramo-nos poucas vezes para preparar os Exercícios da Fraternidade ou outros momentos particulares. Para mim, que trabalho com música, parece suicídio, mas identificar-se com aquilo que se canta permite chegar rapidamente àquilo que se quer comunicar.” Com os colegas músicos, provavelmente há uma melhor entoação, “mas com eles eu não alcanço esse nível de profundidade. Há outra dimensão que não pode ser criada com os recursos profissionais, que é responder à pergunta: para quem você canta? A quê você serve? E o canto se torna testemunho. Foi o que o ‘chamado’ para reger também o coro dos Memores Domini fez com que eu aprofundasse: ‘Quando você canta Ne timeas Maria, de Da Victoria (as palavras do anjo a Maria, ndr), não pode gritar, é preciso muita ternura, porque o anjo está confiando o trabalho por excelência a uma jovem mulher. E o coro entende e responde”.