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Passos N.146, Março 2013

SOCIEDADE - Santa Maria (RS)

Que justiça procuramos?

por Marco Montrasi

No dia 27 de janeiro, um incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), causou a morte de centenas de pessoas e deixou muitos feridos. Um fato que chocou o país. A seguir reproduzimos o artigo publicado no jornal Diário do Pará do dia 6 de fevereiro de 2013

Nestes dias não conseguimos deixar de pensar na tragédia de Santa Maria, onde 235 jovens perderam a vida num incêndio durante uma festa numa boate. Mas depois da emoção e da comoção, o que agora ganha espaço é a procura dos culpados, a procura de alguém que pague, a procura de uma justiça.
Tenho vivas em mim duas imagens nestes dias: a de uma mãe que perdeu os dois filhos no incêndio, depois de ter perdido o marido um ano atrás, e que implorava por justiça no jornal da Globo, e a de dois jovens que carregavam a imagem de Nossa Senhora da Piedade durante uma marcha silenciosa que aconteceu em Santa Maria, dois dias depois da tragédia.

Impossível não se comover com aquela mãe! E só ela sabe a dor que carrega. Mas aquela justiça, encontrar alguém que pague mesmo permanecendo uma vida inteira na cadeia, não vai bastar. Não é essa a justiça que vai preencher o abismo que existe no coração.
Que justiça procuramos, então? Não procuramos talvez uma justiça que responda ao “por que”? Por que tem de acontecer isso? Não seria melhor encontrar respostas, no lugar de encontrar alguém que pague?
Mas a mulher da outra imagem, que se chamava Maria de Nazaré, representada com o Filho morto nos braços, ela também queria justiça. Ela queria saber o porquê. Por que seu amado Filho teve de passar por tudo o que passou? Por que ela teve de sofrer tanto?
O nosso povo, o povo brasileiro, ainda tem uma grande devoção por Nossa Senhora. Não temos respostas, como ela também não teve naqueles dias. Mas ela tinha fé, ela sabia que aquele mistério terrível tinha um sentido. A fé é acreditar que não perdemos nenhum daqueles jovens, que não perderemos nenhum daqueles que amamos e que não perderemos um dia a nossa vida. A fé é o dom de uma abertura misteriosa da minha razão que reconhece que a nossa vida e a nossa morte têm um sentido. Não existimos para sofrer e desaparecer no nada!
Tudo isso, então, pode nos provocar a dirigir o olhar para essa mulher, Maria, que sofreu tantas dores, que não recebeu respostas como ela queria, que não obteve a justiça como ela queria, mas que viu a glória do significado! O significado era aquele Filho, que sofreu tudo para poder nos acompanhar também nos sofrimentos e dizer que não estamos no mundo para sofrer e desaparecer. Estamos no mundo para procurar e encontrar a felicidade, a vida verdadeira. Maria mostrou isso, viveu isso. Tanto que se tornou conforto de muitos, esperança dos homens, e padroeira do Brasil.
Nestes dias, peçamos que as autoridades trabalhem para melhorar a segurança do nosso povo para que nunca mais aconteça uma tragédia como essa, mas mais do que isso peçamos para descobrir a fé, redescobrir esse dom, o único que nos permite viver tudo com um sentido.
Peçamos isso unidos às famílias e aos amigos dos jovens falecidos, e unidos às preces do Santo Padre por quem esperamos, procurando mais ainda o seu olhar de conforto, na próxima Jornada Mundial da Juventude.

(O autor é responsável Nacional
pelo Movimento Comunhão e Libertação)



Depoimento
À espera d’Ele

“Na vida cheia de coisas a fazer, devo encontrar o tempo para esperar ou vivo esperando?” Desde quando ouvi Carrón pronunciar essas palavras na sexta-feira à noite, na introdução dos Exercícios dos Universitários, foi como se brotasse em mim uma pergunta constante, o desejo de viver esperando. Mas esperando por quem? Esperando o que? Quero viver esperando que Ele aconteça, que Ele aconteça continuamente na minha vida. Mas percebo sempre mais como é necessário que algum amigo ou alguma leitura desperte em mim este desejo, porque se fico sozinho a espera fica soterrada debaixo de uma montanha de coisas para fazer. Uma ocasião para este despertar foi o juízo que Marco Montrasi escreveu após a tragédia de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Ao ler aquele texto, o maior presente
pra mim foi entender que a dor, as perguntas sobre o sentido da vida que nascem diante de uma tragédia, podem encontrar conforto e resposta no rosto daquela Mãe que viu seu filho morrer na Cruz. Uma dor que carregou a salvação do homem, como diz Péguy: “A maior desordem que aconteceu no mundo. / Que jamais tinha acontecido no mundo. /A maior ordem que aconteceu no mundo. / A única ordem. / Que jamais tinha acontecido no mundo”.
Que grande caridade a de testemunhar ao mundo esta descoberta, em um momento no qual todos no Brasil tinham uma pergunta tão aguda sobre a vida. Por isso, junto com padre Vando e quatro amigos (Nayara, Maria, Francesca e Claudio) decidimos fazer uma panfletagem de manhã cedo na entrada da Pontifícia Universidade Católica Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Propúnhamos um texto sobre a tragédia de Santa
Maria e um convite para assistir a uma Missa pelas vítimas, às 12h daquele mesmo dia. Distribuímos 400 panfletos, já imaginando a Igreja cheia. Como os apóstolos que voltavam da missão, exultados com o resultado missionário, e Jesus disse para eles: “Sou eu
que respondo aos seus corações, não o resultado missionário” (Não se alegrem porque os demônios se submetem a vocês; alegrem-se porque os seus nomes estão escritos no céu”, Lc 10,17). O resultado, infelizmente, não foi como esperávamos, do ponto de vista dos números, mas valeu a pena porque, com certeza, Ele aconteceu, se tornou evidente na minha vida naquela manhã de quarta-feira.

Francesco Babbi, São Paulo (SP)