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Passos N.150, Julho 2013

RIO DE JANEIRO / Varginha

A sede de um povo

por Isabella S. Alberto

Junto com os milhares de jovens que estarão no Rio de Janeiro para acolher o Santo Padre, também serão privilegiados com a sua visita e proximidade os moradores da comunidade carente de Varginha. Há um mês da visita a alegria pela escolha e a espera de uma novidade

Do centro do Rio chega-se de trem à estação de Manguinhos. São vinte minutos de viagem em um transporte precário que durante a semana fica lotado de trabalhadores. Ao longe ainda se avista o Cristo Redentor de braços abertos, mas a parte maravilhosa da cidade fica a quilômetros de distância. O favela-bairro possui graves problemas de saneamento e por todo o lado sente-se o odor do poluído mangue que corta a região. Do lado direito da linha do trem se vê um emaranhado de casas sem pintura, com vielas por todo lado, restos de demolição e muita sujeira. É o lado conhecido como favela de Manguinhos. Do lado esquerdo, um pouco mais ordenada, com ruas mais largas, e casas de alvenaria, estão as favelas de Varginha e Mandela.
Em Varginha, desde 1971, funciona uma capela dedicada a São Jerônimo Emiliani. Foi construída por padres italianos da ordem dos somascos que na década de 1970 buscavam evangelizar comunidades carentes da cidade e passando por aquele lugar notaram uma forte busca por Deus. A capela fica logo na entrada do bairro, na rua José Carlos Chagas, e é aberta nos finais de semana. Aos sábados acontece a catequese infantil pela manhã e um grupo de oração à noite. As missas são celebradas aos domingos por padre Márcio Queiroz, da Paróquia Nossa Senhora do Bonsucesso de Inhaúma e que atualmente também assume a função de diretor do setor de Comunicação da Diocese.
A comunidade paroquial já estava empenhada na preparação da vinda do Papa para a Jornada Mundial da Juventude quando saiu a notícia de que justamente eles tinham sido escolhidos para receber uma visita do Santo Padre, que deverá ocorrer na quinta-feira 25 de julho, às 11 horas. “É uma alegria muito grande receber a Jornada da Juventude e o Papa Francisco no Rio de Janeiro. Vê-lo passando na minha rua é como dizer que ele esteve no quintal da minha casa”, conta Everaldo Oliveira, que trabalha como instalador elétrico e é um dos coordenadores da paróquia e integrante da equipe responsável pela visita do Papa à Varginha.
Aos 42 anos, Everaldo nasceu e cresceu no bairro. Lembra-se de toda a sua vida ter sido passada na Igreja, pois o pai servia como Ministro da Eucaristia e desde que tinha 3 anos o acompanhava nas celebrações. “Minha vida na Igreja é bem antiga. Desde os 16 anos que eu sirvo os movimentos de Pastoral e agora veio a preparação da visita do Santo Padre”. Mas Everaldo afirma que apesar de não saber se verá o Papa de perto, só o fato de servir a Igreja, contribuir de alguma maneira, já é suficiente para ele. “Talvez eu fique só nos bastidores, mas isso já é uma grande alegria”.

Sinais de fé. Atrás do altar, sem poder ser fotografada, está a nova imagem do padroeiro da capela que foi doada pelos padres somascos de São Paulo. “A imagem não tem a cara de um santo como imaginamos. É um homem de cara sofrida que acolhe as crianças. São Jerônimo Emiliani é o padroeiro dos órfãos e das crianças de rua”, nos explica Everaldo. A imagem chegou recentemente à comunidade e será colocada no corpo da igreja quando o Papa Francisco realizar a cerimônia de benção do novo altar, em um evento fechado para 50 pessoas, visto que a capela não comporta tantas pessoas.
Seguindo adiante na rua da capela encontramos um vitral com a imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, e uma placa em agradecimento aos moradores que ajudaram na sua construção, firmando a data de inauguração no ano de 2005. Ao redor desta imagem um grupo de devotos se reúne semanalmente para a oração do terço. “Muita gente quer ver o milagre. E qual é o maior milagre que Cristo realiza na nossa vida? É a nossa mudança espiritual, nosso conhecimento, nossa capacidade de aprender a se doar aos outros. Não tem problema que a pessoa não tenha sido curada das drogas, etc, mas o maior milagre é que Ele me chamou e me deu a oportunidade de segui-Lo. A vida da comunidade muda quando as pessoas começam a aceitar o Cristo vivo”, afirma Everaldo que também participa do grupo de oração.
Caminha-se mais um pouco e se chega a um campo de futebol, tendo ao lado e na frente duas igrejas evangélicas com quem os organizadores estão em diálogo para que a visita do Papa seja um momento ecumênico. “Vejo que o Papa Francisco tem uma abertura para outras igrejas, para todos os que buscam a Cristo. O pastor desta igreja evangélica em frente ao campo é meu amigo de infância e ele me disse que estão de braços abertos e convocando a comunidade que participa da igreja para estar aqui recebendo o Papa. E por isso esperamos um encontro ecumênico naquele dia”, afirma Everaldo. De cima da laje do vestiário do campo de futebol, o Papa Francisco fará uma saudação aos moradores e um discurso à comunidade. Espera-se que neste encontro os moradores das comunidades vizinhas também estejam presentes. Everaldo calcula que a capacidade do local é para até 25 mil pessoas, mas ainda se aguardava uma confirmação da segurança pública com relação aos números. “Estamos providenciando a limpeza da área atrás do campo, onde funcionava um ferro velho, e ali será o lugar dos jornalistas que farão a cobertura do evento. Também haverá um espaço reservado para os idosos e portadores de deficiências, mas não faremos muitos gastos montando estruturas, pois somos uma comunidade carente e o próprio Papa pede essa economia, diz querer ver a realidade”, conclui Everaldo.

À espera de uma benção. O trajeto de 200m entre a capela e o campo de futebol deverá ser feito a pé pelo Santo Padre. Os moradores da rua aguardam muito um olhar, um aceno, e também uma bênção, pois há grande expectativa de que ele aceite entrar em uma daquelas humildes casas para abençoá-la. Dona Amara Marinho Oliveira, aos 82 anos, é uma das mais ansiosas por este acontecimento. Tem no rosto os sinais da idade e de uma vida muito sofrida. Antes de falar conosco quis colocar seu melhor vestido e nos acolheu com muita simpatia. Vive em uma casa simples, térrea. Tem um belo crucifixo pendurado na entrada da casa e na sala a imagem de Nossa Senhora Aparecida se destaca iluminada em cima da televisão. Logo que soube da visita ela comprou um grande pôster de Papa Francisco, mas ainda não conseguiu emoldurá-lo, pois é uma despesa grande para sua modesta renda. “É uma benção, é um milagre o Papa ter escolhido a nossa comunidade para visitar. Somos muito humildes, não temos nenhuma proteção, e Deus manda este dom. Está sendo uma felicidade muito grande”, repetiu muitas vezes dona Amara. Ela mudou-se há 50 anos de Pernambuco para o Rio de Janeiro. Veio a contragosto acompanhando José Roberto, seu marido “sonhador”. “Eu vim arrastada e chorei muito ao chegar ao Rio de Janeiro. Sofri muito aqui. Lá em Pernambuco meu marido, que era jornalista, era um homem de destaque, conhecido e respeitado. Muitos disseram que aqui ele seria mais um. E ele não acreditou. Lá nós tínhamos propriedade, tínhamos casa e sítio. Ele vendeu tudo e viemos com essas cinco bênçãos. E não demos sorte e acabamos vindo para uma favela, que eu nem sabia o que era. Depois de sofrer despejo, esta casa nos foi doada pela Irmandade da Candelária, e eu tenho muito respeito pelo meu barraco e pelos benfeitores que me ampararam”, conta emocionada. Dona Amara ali permaneceu batalhando ao lado do marido, trabalhando como bilheteira de cinema, e assim terminou de criar os cinco filhos. E carrega a dor de ter perdido um dos seus meninos para o tráfico, pois quando jovem morreu por causa da droga. No seu quarto tem um grande quadro de Nossa Senhora de Fátima, de quem dona Amara é devota desde menina. “Eu amo essa Santa, minha mãezinha do Céu. Eu falo todos os dias com Ela, mas às vezes começo a rezar o terço e adormeço”. Depois que o marido faleceu, ficou alguns anos sozinha, e chegou a ficar dois anos morando com a filha longe dali. Mas queria voltar para o seu lugar e atualmente a filha Dilza está com ela e procura ajudá-la, pois a idade pesa e a saúde não é como antes. “Ela estava um pouco desanimada com a vida, mas o anúncio da visita do Papa a motivou e trouxe para ela uma alegria que está contagiando a família toda. Todos estão se organizando para estar aqui com ela no dia. E vê-lo passar já é benção. Ela tem até sonhado com ele, esperando que ele entre na sua casa”, conta a filha. E a mãe acrescenta: “Estou muito esperançosa de que alguma coisa boa aconteça na minha vida aos 82 anos. Estou pedindo a graça deste chão ser abençoado”.

Uma presença que transforma. Sendo um bairro afastado do litoral, o ar quente torna o clima abafado e aumenta o calor na região, e não há vestígio de frio apesar de ter apenas iniciado o inverno carioca. É sábado e alguns
homens estão sem camisa tomando sua cerveja nos bares, que são diversos apenas neste trecho, e as crianças correm descalças brincando pelas ruas empoeiradas. Outras já trabalhando com seus pais nos pequenos negócios construídos como extensão de suas casas. Na mercearia de Sr. José Luiz Ribeiro, o movimento ainda está fraco naquela manhã. Ele é do sul de Minas e há 14 anos mora na favela e cuida com a esposa de seu pequeno negócio. “Vai ser muito boa essa visita do Papa porque a nossa comunidade é muito carente. Agora a violência diminuiu e não vemos mais pessoas armadas pelas ruas, mas o tráfico continua e preocupa”. E acrescenta: “Essa presença do Papa aqui também é importante para a luta dos católicos, por causa do crescimento dos evangélicos. A vinda do Papa é uma força, especialmente para os jovens”. A comunidade da Varginha é bem pequena e composta por cerca de 1.100 moradores, o que a diferencia da comunidade ao lado, mais precária, em que cada rua chega a ter até 2.000 moradores, e onde a violência é mais forte.
José Luiz está chamando a família, filhos e netos, e até os pais que já estão bem idosos, para virem para Varginha no dia da visita do Santo Padre. “Tenho tido pouca participação na Igreja, apenas a devoção a Nossa Senhora, pois o hábito faz a gente ir deixando pra lá. Mas já decidi que no dia do Papa eu não vou abrir o negócio. Vou fechar tudo e ficar aguardando a passagem dele, que é uma alegria muito grande pra mim e pra todos aqui da comunidade”.
Vamos nos despedindo e vemos duas irmãs da caridade passarem apressadas com seus hábitos branco e azul. Elas são missionárias na região, dando continuidade à visita de Madre Tereza de Calcutá naquele mesmo bairro em 1972. Desde janeiro deste ano a Secretaria de Segurança instalou uma Unidade de Polícia Pacificadora na favela e na saída vemos um carro de polícia circulando pelas ruas. Vê-se o posto da Fiocruz, um instituto de pesquisa que oferece serviços de saúde gratuitos aos moradores da região, muito elogiados por Dona Amara. E vamos embora carregando nos olhos a simpatia dos moradores e os rostos radiantes de todas as pessoas que encontramos e que contaram suas histórias ou apenas nos disseram “é uma alegria muito grande, estamos esperando para saudar o Papa”.