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Passos N.167, Março 2015

O PAPA NA ÁSIA

Somente para estar com eles

por Andrea Tornielli

A história de uma visita muito especial ao continente onde os cristãos são menos de três por cento, mas acontecem mais Batismos do que na Europa. E onde o Pontífice encontrou os sobreviventes do tufão Yolanda, os meninos de rua, os monges budistas e os hindús... Para levar uma “mensagem” feita não de palavras

“Vejo-o ali, pregado, e mesmo ali, não nos decepciona! Ele foi consagrado Senhor naquele trono e, ali, experimentou todos os nossos infortúnios. Jesus é o Senhor! E é o Senhor da Cruz, nela reinou! Por isso, Ele é capaz de nos compreender... Por isso, temos um Senhor que é capaz de chorar conosco, é capaz de nos acompanhar nos momentos mais difíceis da vida... Muitos de vocês perderam tudo. Não sei o que dizer a vocês. Ele, sim, sabe o que lhes dizer!”.

A capa amarela. O vento sopra a mais de 70 Km por hora e a chuva se move em todas as direções quando Francisco, atrapalhado com a capa de náilon amarela colocada por cima dos paramentos brancos, estica o braço direito e indica o Crucifixo à grande multidão de fiéis no saguão do aeroporto de Tacloban, nas Filipinas. É 17 de janeiro, o avião do Papa chegou uma hora antes e deve decolar algumas horas antes do previsto por causa da tempestade tropical. É o momento mais comovente e dramático da segunda viagem de Bergoglio ao extremo Oriente. Aliás, a verdadeira razão da viagem. Aqui, em poucas horas, numa manhã de novembro de 2013, o tufão Yolanda destruiu cidades e vilarejos matando dez mil pessoas. “Quando assisti, de Roma, essa catástrofe, senti que deveria vir aqui. Naquele dia, naqueles dias, decidi fazer essa viagem. Quis vir, para estar com vocês”.
Francisco foge completamente dos textos preparados. Diante dos sobreviventes em lágrimas, daqueles que perderam os familiares e a própria casa, dos pobres que ficaram ainda mais pobres, qualquer homilia ou palavra que não brote do coração, que não seja capaz de compaixão e que não saiba silenciar diante do mistério dessa tragédia, soaria falsa. Ou escorreria como a água que encharca a roupa dos fiéis, há horas sob a chuva. Fiéis que choram comovidos com o Bispo de Roma, que veio não para explicar o sentido do sofrimento, mas simplesmente para abraçá-los e confortá-los, vestindo, como cada um deles, uma capa amarela e olhando, com eles, para o Crucifixo e para sua Mãe. “Se hoje estamos todos reunidos aqui, 14 meses depois da passagem do tufão Yolanda, é porque temos a certeza de que, na fé, não ficaremos desiludidos, porque Jesus passou antes. Em sua paixão, Ele tomou para si todos os nossos sofrimentos... Muitos de vocês, olhando para Cristo, se perguntaram: ‘Por quê, Senhor?’. E o Senhor responde ao coração de cada um, a partir do Seu coração. Não tenho mais nada a lhes dizer. Olhemos para Cristo: Ele é o Senhor, e Ele nos compreende porque passou por todas as provas que nos atingiram”.

O manto alaranjado. Francisco não foi ao Continente onde os cristãos somam menos de três por cento da população, mas acontecem mais Batismos do que na Europa para ensinar, mas para compartilhar e, por isso, ensinou, ou melhor, testemunhou como a fé cristã pode se introduzir nas culturas mais diversas e ser uma ponte, um elemento de paz. Diante de milhões de pobres, o Papa saiu do esquema comum lembrando, diante dos jovens de Manila, que “na casa dos pobres, se recebe”, se vai às suas casas para receber, para ser evangelizado. E a comoção com a qual o Bispo de Roma contou aos jornalistas sobre o gesto que assistiu, faz compreender quanto aquilo foi verdadeiro para ele, quanto se deixou ferir pelo impacto com aquela realidade.
A visita do Papa Francisco ao Sri Lanka e às Filipinas começou no dia 13 de janeiro, com a chegada em Colombo, onde o esperava o novo presidente Maithripala Sirisena, surpreendentemente eleito cinco dias antes. Os cristãos, aqui, são uma minoria, mas centenas de milhares de pessoas que acompanham o peregrino de Roma ao longo dos trinta quilômetros que o papamóvel percorre debaixo do sol e de uma onda de calor sufocante.
As primeiras mensagens foram todas voltadas para a reconciliação, exaltando a superar as feridas e os “horrores” da guerra civil. E também a rejeitar os recorrentes fenômenos de intolerância religiosa. O conflito étnico-político que causou a oposição entre o Governo central e os tâmeis que vivem no norte da ilha acabou em 2009, mas nos últimos anos houve episódios de intolerância religiosa, especialmente por tendências fundamentalistas que identificam a nação com o budismo: “Para curar as feridas é preciso que todos sejam livres para se manifestar e estejam prontos a se aceitarem mutuamente”.
Francisco se encontrou com pessoas de todas as religiões do País onde os budistas representam 70% da população, os hinduístas 12,6%, os muçulmanos 9,7% e os cristãos (na maioria, católicos) 7,4%. A grande sala do Centro de Convenções Bandaranaike Memorial de Colombo, é um espetáculo de cores, com grandes aglomerações vermelho escuras, alaranjadas e amarelas (monges budistas e fiéis hinduístas), brancas e pretas (cristãos e muçulmanos). Francisco aceita colocar um manto alaranjado oferecido pelo líder hinduísta, e o usa durante o encontro. “Para o bem da paz”, diz, “não se deve permitir que as crenças religiosas sejam usadas de forma abusiva pela causa da violência ou da guerra”. E para que o diálogo seja eficaz “deve se basear em uma apresentação plena e direta das nossas respectivas convicções”, tornando “evidente o quanto são diferentes” e trabalhando juntos para ajudar os pobres e os sofredores.

Acréscimos improvisados. O ápice da viagem foi a visita ao Santuário Mariano de Mandhu, na selva dos tâmeis, onde o Papa chegou de helicóptero e foi acolhido por uma multidão de peregrinos pertencentes a todas as religiões em um lugar que, durante a guerra civil, foi respeitado como zona franca; e, sobretudo, onde aconteceu a canonização do primeiro santo cingalês, o oratoriano Giuseppe Vaz, mor to em 1711, que nasceu em Goa, mas passou vinte e cinco anos na ilha do Ceilão, onde chegou para confortar os católicos durante a dominação holandesa, quando os calvinistas tinham obrigado todos os missionários fiéis a fugir para Roma. Vaz tornou-se um humilde trabalhador. Recebe o nome de “Sammanasu Swami”, sacerdote angélico. No momento de sua morte, os fiéis católicos da ilha eram cerca de setenta mil, quase a metade deles foram convertidos durante a sua missão. Padre Vaz escreveu um catecismo e um livro de orações em cingalês e tâmil. Sofreu muito e com o seu dócil testemunho, sobretudo estando perto dos pobres e doentes, aproximou milhares de pessoas da fé católica. Uma abordagem bastante atual pela situação do Sri Lanka e em sintonia com a perspectiva indicada por Francisco na Evangelii Gaudium. Nas Filipinas, onde chega na noite de 15 de janeiro, o Papa encontra uma multidão esperando por ele. E uma carga de simpatia humana indescritível, que toca e emociona Francisco. Ao mundo das instituições e da política, sugere mais atenção com os pobres e com a guerra contra a corrupção, fenômeno do qual os pobres são as principais vítimas. Na homilia da missa celebrada na catedral de Manila, reaberta às celebrações há pouco tempo depois ser restaurada, Bergoglio acrescenta de improviso um comentário significativo: “Os pobres são o centro do Evangelho, são o coração do Evangelho. Se os tiramos do Evangelho, não podemos entender a mensagem de Jesus Cristo...”.
No dia 16 de janeiro, depois da missa, Francisco participa de um gesto que não consta no programa da visita, mas preparado há tempos. Encontra um grupo de mais de duzentas crianças pobres, retiradas das ruas e da prostituição pela Fundação Anak-Tnk (www.anak.tnk.org), uma ONG ligada à Igreja e fundada por um jesuíta francês, espalhada por muitos países do mundo. No último mês de agosto, o Cardeal Luis Antonio Tagle entregou ao Papa mil cartas escritas por jovens de rua e um vídeo: pediam que eu fosse encontrá-los.
Naquela tarde, no ginásio de esportes do Mall of Asia, de Manila, Francisco encontra as famílias. Fala muitas coisas de improviso, fala da “colonização ideológica da família”, de uma nova forma de colonialismo que tenta impor aquilo que não pertence à identidade e à tradição deles.
Domingo, 18 de janeiro, último dia da visita, entre seis e sete milhões de pessoas estavam no Rizal Park de Manila, naquela que foi definida a missa mais participativa da história. Os filipinos abraçam o Papa, prontos, como explica Tagle, para segui-lo. Não em Roma, mas nas periferias, nas favelas, nos hospitais, ao lado de quem sofre. E o abraço de Francisco aos filipinos acontece em outro ponto alto da viagem, no encontro com os jovens na Universidade Santo Tomás, quando a pequena Glyzelle Palomar, ex-menina de rua, com a voz embargada por um choro incontido, pergunta a Bergoglio por que tantas crianças inocentes sofrem, são abusadas, drogadas e escravizadas.

Lavados pelas lágrimas. “Só quando somos capazes de chorar pelas coisas que vocês viveram”, diz o Papa, “podemos entender alguma coisa e responder alguma coisa... Somente quando Cristo chorou, quando foi capaz de chorar, entendeu os nossos dramas... Certas realidades da vida só podem ser percebidas por olhos lavados pelas lágrimas”. Depois, o longo abraço, estendido também ao pai de Krystel, a jovem voluntária morta um dia antes em Tacloban por causa do desmoronamento de uma estrutura, na área da missa papal. Onde não existem palavras adequadas, há só compaixão, a mesma que moveu as entranhas da misericórdia de Jesus diante da viúva de Naim.