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Passos N.169, Maio 2015

DESTAQUE

A nova Igreja

por Davide Perillo

Em 2050, um em cada três cristãos viverá na África. A China terá o dobro dos fiéis italianos. A face do cristianismo está mudando com muita rapidez, explica PHILIP JENKINS, o maior especialista na matéria. O que podemos aprender?

As periferias? A grande questão é entender o que são elas? De certo modo, todos estamos nela. Em breve, a Europa também será uma periferia do cristianismo”. E esse “breve” significa mesmo pouco tempo: trinta, quarenta anos, no máximo. “Por volta de 2050, praticamente um em cada três cristãos viverá na África. Na China haverá mais de cem milhões de fiéis, o dobro da Itália. Entre os dez primeiros países, em termos de número de cristãos, não estará nenhum europeu”. A Igreja, enfim, terá um rosto novo e um novo mapa , como recitam os títulos dos ensaios de Philip Jenkins, 63 anos, professor de História e Religious studies na Baylor University de Waco (Texas) e o maior especialista mundial em “geografia das fés”.
Os motivos são vários. A demo g r a f i a , que com o tempo muda bastante a colocação dos países (em 1900 os europeus eram um quarto da humanidade, hoje são 11%, em 2050 não mais do que 8%...). A política, capaz de gerar guerras e refugiados. A secularização aguda de certas regiões e a vivacidade das Igrejas em outras. Mas também uma percepção da realidade, tão comum quanto errada, que “considera como óbvio que o cristianismo coincide com o Ocidente: simplesmente não é verdade”.
Assim, ao ler Jenkins entendemos um pouco melhor por que a fé tem muito mais formas e modos do que estamos acostumados a ver. Por que, em agosto passado, ficamos de boca aberta diante dos seis milhões de filipinos que participavam da missa com o Papa Francisco em Manila, no evento mais concorrido jamais visto? E por que é preciso “observar o mundo das periferias”, como pede continuamente o mesmo Papa? Vê-se muito melhor o hoje, mas se entrevê melhor ainda o amanhã.

Como a Igreja global está mudando?
Provavelmente está voltando ao que era há muito tempo. No primeiro milênio, o cristianismo estava presente na Ásia e na África, e também na Europa: era uma religião transcontinental. Foi só na Idade Média que começou a se identificar com a tradição ocidental. De fato, agora está recuperando as suas condições originais, que lhe eram familiares. O futuro da Igreja católica, em particular, está na África e na Ásia, sem dúvida. A mudança mais radical acontece na África: em 1900, acolhia dez milhões de cristãos; em 2050 serão quase um bilhão.

E o que essa mudança implica?
Em muitos países, a expansão do cristianismo é um fenômeno de primeira ou segunda geração. É uma fé jovem, mais entusiasta, envolvente, e que vive numa condição diferente. Os cristãos, no Ocidente, não estão acostumados a conviver com outras religiões numa posição minoritária. Se vamos à Índia ou à África, vemos não só que a relação com os muçulmanos, budistas ou hindus é
quotidiana, mas sequer podemos dizer que são óbvias muitas coisas que para nós o são. Nos Estados Unidos, podemos pregar o Evangelho em todos os lugares; na Ásia ou no Oriente Médio, não. Isso pode nos ajudar a entender muitas coisas.

O senhor sublinha que é diferente também o significado de certas palavras fundamentais da experiência cristã. “Martírio”, por exemplo. Para nós, é um fato ligado ao passado, sobretudo aos antigos romanos. Para os “novos cristãos”, é algo que os afeta pessoalmente: suas famílias, sua história recente... O que podemos aprender com isso?
Tome países como a Uganda ou a Coreia. Aí o cristianismo chegou relativamente há pouco tempo e os cristãos tiveram que sofrer perseguições fortíssimas no século passado. Claro que para eles palavras como “martírio” ou “testemunho” têm dimensão diferente: falam de parentes, dos seus pais, dos lugares onde vivem. O fato é que nós costumamos olhar para a história dos cristãos como se fosse a história de uma parte do mundo. Mas esta tem muitas outras faces.

E isso afeta o modo como olhamos o presente...
Certamente. A perseguição não é um fato da história: há cristãos que são vítimas dela hoje. Em certas regiões, o cristianismo corre o risco de ser erradicado. E não falo só do Oriente Médio. Pense no norte da África, que antigamente era uma área com muitos cristãos. Ou na Nigéria. Aí cabe até perguntar: o cristianismo conseguirá sobreviver e crescer? Como? O que o protege da perseguição? São perguntas que tocam a política e a história, não só a teologia, e hoje nos tocam muito de perto. Mas são perguntas diferentes das que podíamos fazer algum tempo atrás.

Mas por que é tão difícil para nós, ocidentais, tomar consciência dessa mudança? Parece que resistimos à ideia de que podemos aprender com a experiência desses “novos cristãos”...
Antes de tudo, há uma razão básica: a religião, na Europa, por décadas foi vista como um fenômeno em declínio, quase que em via de extinção. Quarenta anos atrás, por exemplo, dava-se como certo que a religião não podia mais determinar a política. Depois veio a revolução iraniana, e nos vimos perguntando: mas o que é isso? Política ou religião? Foi a reviravolta de uma ideia muito difundida. E mais: estamos tão convictos de que o cristianismo é uma religião ocidental que temos dificuldade de imaginar uma Igreja com maioria africana e asiática.

Se é verdade que por volta do ano 2050 o continente mais cristão será a África, como isso pode mudar a face da Igreja?
Provavelmente, nessa época tanto a Igreja católica quanto as denominações protestantes terão ali seu maior número de fiéis. É inevitável que elas terão de considerar melhor o que interessa aos africanos: seu contexto, o que pensam, como vivem. A Igreja católica está discutindo muito sobre a relação entre fé e expressões civis: então, forçosamente deverá prestar mais atenção às sugestões que venham dos Bispos e Cardeais africanos. Observar melhor as suas culturas, os seus estilos de vida, os seus tipos de devoção. Aliás, a África já está exportando cristãos para o Ocidente: o norte da Europa e os Estados Unidos, por exemplo, estão cheios de sacerdotes nigerianos. Os africanos já estão incidindo diretamente sobre o modo como nós vivemos a nossa fé. Mas se quisermos ter uma ideia de que desenvolvimento a Igreja poderá ter, até do ponto de vista de certas questões teológicas, é preciso observar essa parte do mundo cristão.

E a China? Potencialmente, é um campo enorme para ser arado.
Lá os números são incertos. As estimativas mais prováveis dizem que os cristãos chineses chegarão a cem milhões de pessoas, por volta do ano 2050. Mas depende muito da atitude do governo. Para além das tomadas de posição oficiais, nos últimos tempos o poder permitiu o crescimento das religiões: estas lhe servem para incentivar comportamentos sociais, uma certa ética da convivência civil. E o cristianismo está entrando em diálogo com um mundo que não o conhecia: gente comum, mas também intelectuais, artistas, até políticos... Há muitas conversões.

Mas o que o cristianismo tem a oferecer à China?
Oferece um sentido, um significado, num país que perdeu muito da sua estrutura ideológica.

Outra fronteira quente: o Oriente Médio. A fé nasceu ali, mas corre o risco de desaparecer...
Na Síria e no Iraque, o cristianismo quase desapareceu. Mas em países-chave como o Egito constitui ainda uma forte minoria. Ao passo que em outros lugares, como o Golfo ou Israel, há um forte aumento dos cristãos, devido à imigração dos países pobres. Há uma estranha coexistência entre um cristianismo antiquíssimo e um ainda muito recente: vivem lado a lado e ambos sofrem.

Há quem compare Mosul ao genocídio dos armênios, sob os turcos, que começou justamente há um século. É uma comparação legítima?
Não sei. Hoje o contexto é diferente. As notícias giram muito mais depressa, viaja-se mais. Gasta-se menos tempo para que se tenha notícia de certos fenômenos. No Egito, por exemplo, aos primeiros relatos de perseguições montou-se logo uma grande pressão, até externa, para que houvesse uma intervenção. No Iraque e na Síria muitos cristãos foram – ou ainda são – mortos; é uma tragédia; mas a grande maioria fugiu para o Ocidente. Creio que a comparação mais pertinente seja com os judeus. Bagdá e Alexandria do Egito tinham comunidades judaicas muito numerosas, nos séculos passados. Todas saíram, foram embora.

Vamos aos Estados Unidos. Como o cristianismo está mudando aí?
Não vejo grandes mudanças. Alguns dizem que os Estados Unidos estão se tornando como a Europa, fala-se de uma incipiente secularização. Não é verdade: continuamos a ser um país muito religioso. Reforçado pela imigração da Ásia, África e América Latina, formada sobretudo por cristãos. Na Europa, as igrejas fechadas se tornam comércio ou mesquita. Entre nós, se uma igreja fecha, torna-se outra igreja: coreana, mexicana, chinesa... O cristianismo, aqui, está se tornando diferente, mas continua a ser forte. E creio que continuará assim.

E a América Latina? Manterá a dinâmica?
Sim, mas com alguma diferença. Há uma mudança demográfica importante: as famílias são cada vez menores. E há uma secularização aguda. Na Argentina, cada vez mais gente se declara “não religiosa”. Antes, o Brasil era todo católico: agora é muito católico, em parte protestante e com uma fatia crescente de “secularizados”. E assim por diante.

O senhor escreve que, nesses processos, para nós “a pergunta nodal deve ser esta: o que é autêntico conteúdo religioso e o que é bagagem cultural?”. Há algo que se destaca, em meio a todas as mudanças?
Em síntese: o retorno a Cristo. Ou a descoberta de Cristo. Em certos casos, a atração pelo cristianismo mistura-se com o interesse pela cultura ocidental. Mas o centro é o interesse pela figura de Jesus.

Tem razão o Papa quando diz que “das periferias se vê melhor o centro”?
Certamente. Papa Francisco está colocando uma série de questões importantíssimas. E está fazendo isso de um modo que muita gente acha fascinante, atraente; o que ajuda a se levar a sério o que ele diz. Na Europa e nos Estados Unidos, muitos agnósticos estão se interessando por ele. Está criando pontes, fazendo um grande trabalho.

Mas a fé pode voltar a crescer também na periferia-Europa?
Ninguém sabe. Se um cristão europeu olha para os lados, percebe que o impulso dado pela fé do velho continente teve um certo sucesso. Houve um elã missionário grande que provocou o nascimento de muitas igrejas locais. Agora o fluxo se inverte, mas é sempre a mesma fé. No fundo, uma mensagem encorajadora.