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Passos N.170, Junho 2015

RUBRICAS

As cartas

PEDRO NÃO É A SUA DOENÇA, MAS UM DOM
Caro padre Julián, retorno desses Exercícios grata por ter sido mais uma vez levada até Cristo. Dentro de poucos dias haverá o controle mensal de Pedro, meu filho de quatro anos. Depois da batalha contra um linfoma, desde outubro acontece mensalmente a visita de controle. Um ritmo que tende constantemente a reduzir a realidade ao desespero da hipótese de a doença estar ali de novo. Mas regularmente, e mais do que nunca nesses Exercícios, é inexorável a presença tangível de Cristo, agora, aqui, que me levanta e me estende a chave de tudo. Pedro está aqui. Pedro não é a sua doença, Pedro é um dom, é ele próprio sinal tangível dessa Presença e não posso deixar de ser agradecida. Cristo é o centro. Estou certa disso. Em toda a dramaticidade peço que minha fé amadureça, vivendo cada vez mais intensamente o real em completa gratidão. Rezo pela saúde de Pedro, mas na fé de que, se o desígnio de Deus para nós não for a constante confirmação da sua cura, isso seja, de qualquer modo, para nós. Porque graças à Presença de Cristo ressuscitado também isso tem um sentido e não estamos sozinhos a enfrentá-lo.
Laura, Magdeburgo (Alemanha)

APÓS OS EXERCÍCIOS/1

“MÃE, COMO FOI?”
Caríssimo Julián, é o dia seguinte aos Exercícios da Fraternidade. Uma manhã escura e chuvosa. No carro, enquanto acompanhava meu filho à escola, ele me perguntou como foram esses dias. Eu lhe conto daquela voz, daquele olhar de Dom Giussani mais uma vez para mim, e não consigo parar porque tenho os olhos e o coração que transbordam do que vi e senti. E ele: “Mãe, como é que eu, nesta manhã tão feia, não tenho vontade de fazer nada e, para você, é como se fosse um dia ensolarado?”. A gente nem sabe como, mas aquela Presença no olhar é Ele... e quem encontramos vê isso.
Mônica

FIDELIDADE AO FUNDO COMUM
Eu nunca fui fiel ao Fundo Comum. E sempre no Movimento falam dessa tal fidelidade, que não importa o valor, mas a fidelidade. Esse ano me propus a ser fiel, independente do valor, e desde janeiro comecei a pagar o Fundo Comum da Fraternidade (antes eu mal pagava o da Escola de Comunidade). Foi impressionante. Faz muitos, mas muitos anos, que não sei o que é ter sobra do meu salário. Sempre recebo, pago, e nunca sobra nem para passar o mês, pois sempre faço contas para o mês seguinte porque não tenho como pagar à vista. Pagando o Fundo Comum, neste mês paguei todas as contas, e de maneira fantástica sobrou dinheiro. Fiquei tão abismada que refiz as contas diversas vezes. Para mim, a única resposta para isso é a fidelidade ao Fundo Comum. Aconteceu comigo, e sou agradecida às pessoas do Movimento que não param de falar dessa fidelidade. Por isso fico impressionada também como o Senhor nos ama, porque de maneira fantástica Ele nos ajuda sem percebermos, com um carinho, com uma palavra, com uma lembrança. Fico agradecida por essa amizade que nos move para Ele, para que sigamos na direção d’Ele. A cada dia que passa fica mais claro esse cuidado que o Senhor tem para conosco.
Carta assinada

APÓS OS EXERCÍCIOS/2

LIGADOS, GUIADOS, COMOVIDOS
Caro Julián, gostaria de compartilhar a experiência feita durante os Exercícios da Fraternidade, que acompanhei por videoconferência junto com todos os amigos da comunidade irlandesa. Sem nenhuma dúvida, posso dizer que pude participar ao vivo de um acontecimento que nos prendia pela sua excepcionalidade. Durante vários momentos voltavam à minha mente as palavras de Bento XVI quando falava da Ressurreição de Cristo como de uma explosão, fissão nuclear trazida para o íntimo do ser. Ele dizia que somente “essa íntima explosão do bem que vence o mal pode suscitar aquela corrente de transformações que pouco a pouco mudarão o mundo... Aquilo que de mais íntimo era necessário aconteceu, e nós podemos entrar nesse dinamismo”. Enfim, nos foi dado experimentar a contemporaneidade da presença de Cristo. Desde a introdução na sexta-feira à noite até o último aviso de domingo, fomos amorosamente guiados pela mão, direto ao coração do carisma de Dom Giussani. A propósito do vídeo “Reconhecer Cristo”, me impressionou que quanto mais Giussani falava, mais as coisas que dizia eu as reconhecia como familiares, me sentia cada vez mais “em casa”. Eu percebo que essa consciência não derivava do fato de que havia ouvido ou lido aquelas coisas antes, mas por um percurso feito nestes anos. Enfim, sem o trabalho que você nos levou a fazer, eu não teria entendido e reconhecido como verdadeiro para mim o que Dom Giussani dizia. Tive a nítida sensação de chegar num lugar que me era familiar justamente pelo percurso feito, um mapa seguido que me introduziu naquela meta e continua a me introduzir. Daí, uma comoção profunda, plena de gratidão. A mesma que experimentei durante as respostas às perguntas da manhã de domingo. O que me impressionou foi ver que o reconhecimento de Cristo presente agora penetra no coração da nossa experiência humana. As coisas que você disse sobre o trabalho, a família, relacionamentos, não eram preceitos ou indicações morais que deveríamos tentar aplicar na nossa vida, mas a descoberta, plena de gratidão, de ver o que acontece na nossa humanidade, inclusive nos seus aspectos mais íntimos, quando se chega a reconhecer aí o tecido constitutivo último: Cristo.
Mauro, Dublin (Irlanda)

OLHO OS MEUS ALUNOS DEPOIS DA CHACINA NO QUÊNIA
Olho as minhas crianças na escola aqui em Nairóbi, os filhos dos meus amigos aos quais estou muito afeiçoada, e penso: que mundo os aguarda? Onde deverão viver? É de tremer! Os jornais daqui, no início, operaram uma bela censura, até para impedir que se espalhasse o pânico; depois, juntaram detalhes apavorantes sobre como se desenvolveram os eventos do massacre no Quênia dia 2 de abril. Até seria o caso de se cair no desespero, mas, ao invés, brilha ainda mais a certeza de que só aquilo que encontramos é a resposta a tudo o que está acontecendo. Então, retomo com mais entusiasmo o meu trabalho, certa de construir o bem para mim, para as minhas crianças e os filhos dos meus amigos. Agora aumentaram os controles na entrada dos centros comerciais e em todos os lugares. Mas, verdadeiramente, o que podemos fazer? Com certeza, sentimos que a vida está ameaçada, e que não é tão óbvio que estaremos vivos amanhã, saber que os amigos estão vivos e bem, e pedir que assim estejam sempre. Redescobrimos a gratuidade da existência. Alguns amigos nos escreveram para perguntar se entre os jovens mortos havia algum proveniente da nossa escola. Arrepio só de pensar. Não é o caso, mas parece que aqueles que morreram, que eu nem conhecia, me pertenciam: eram igualmente meus, feitos para viver e ser felizes. Essa crueldade me deixa mais agradecida e certa do encontro que fiz e é o que espero que aconteça às minhas crianças e, como espero, sei que um bem os aguarda.
Porzia, Nairóbi (Quênia)

O DESEJO DE INFINITO VAI ALÉM DOS DIREITOS
Sábado à noite, fui jantar na casa da minha tia. Seu marido, politicamente de esquerda, começou a falar sobre a luta dos “não heterossexuais” pelo reconhecimento dos direitos civis, sustentando que, como somos todos iguais, mesmo quem não é heterossexual deveria gozar das mesmas concessões, incluindo o matrimônio e a adoção. A discussão envolveu outras pessoas, e eu já tinha decidido não intervir para evitar o embate dialético. Depois, me veio à mente o vídeo dos sessenta anos do Movimento, do qual me impressionou a abertura ao mundo. Assim, levantei-me e me sentei ao lado do meu tio. No início da conversa, lhe perguntei do que, segundo ele, os “não heterossexuais” precisam, e ele me respondeu que precisam de compreensão, reconhecendo, assim como eu, que os direitos não bastam se, depois, não existe essa compreensão. Ele me disse que todos deveríamos nos empenhar para introduzir uma nova cultura que valorize a natureza humana. Então, lhe perguntei qual é, segundo ele, o valor da natureza humana, e ele disse: “Aquilo que o homem faz durante a vida”, especialmente o trabalho, para, depois, quando velho, esperar a morte, mesmo desejando continuar vivo. Naquele momento, eu e meu tio tínhamos um desejo insaciável de viver para sempre e nenhum direito pode nos dar a vida eterna. Fiquei impressionado como esse desejo de infinito, ou é intuído, como acontece com um grande número dos poetas que estudo, ficando todavia um conceito abstrato, ou é encontrado, tornando- se experiência verificável. No fim, ele me disse que, mesmo que eu pense de modo diferente, “nós dois nos entendemos” e, por isso, quer me rever para continuarmos a discussão.
Tommaso, Florença (Itália)

NO CÁRCERE COMO HÁ DOIS MIL ANOS

Depois do Batismo de um detendo, Francesca, voluntária da Associação Encontro e Presença na penitenciária de San Vittore, em Milão, escreveu esta carta.

Participei do Batismo de Samir, agora nascido em Cristo com o nome de Simão. O Batismo foi celebrado na Capela situada dentro do escritório de padre Marco. Foi muito bonito, parecia-me estar vivendo um daqueles momentos narrados no Evangelho, quando diz que os cristãos se encontravam às escondidas. Há dois mil anos, assim como hoje, somente a atração de uma presença verdadeira e viva entre nós pode fazer acontecer isso: um homem de mais de 60 anos, egípcio, encarcerado, doente, feliz e emocionado, e, a meu ver, também livre, no verdadeiro sentido do termo. Essa é a salvação que quero para mim. Recebi uma grande Graça, pois estar presente em um acontecimento tão grande dentro de uma prisão me dá a dimensão do fato de que quando se trata de Cristo não há medida, não há limite, basta deixar-se tomar. Francisca

PASSOS DE PRESENTE
Ano passado, pensando na minha lista de presentes e ao mesmo tempo no ano que terminava, me dei conta que os acontecimentos de 2014, no Brasil e no mundo, vinham deixando as pessoas perplexas, tentadas ao pessimismo e ao desânimo. Um sentimento de “beco sem saída”. Foi assim que me veio a ideia de presentear meus familiares com assinaturas de Passos. Dar às pessoas queridas alguma coisa que, ao longo de todo o ano, as ajudasse a experimentar no concreto de suas vidas a esperança e a alegria do Natal. Por quê? Porque os grandes temas mundiais, a situação do Haiti, do Iraque a crise da Europa, são tratados de tal forma que nos permite reconhecer a nossa comum humanidade. Emergem das reportagens, entrevistas e depoimentos, pessoas reais, em circunstâncias diferentes das nossas, mas sujeitos do mesmo desejo de vida, felicidade e beleza. Porque oferece assuntos atuais de política, cultura e ciência tendo como critério Cristo presente na nossa humanidade e não os critérios volúveis da mídia em geral. O último trecho do editorial do número de dezembro me deu a certeza que era exatamente aquilo que eu queria dizer a todos eles: “Histórias que são exemplos de que aquela noite de Natal – quando a presença de Deus se fez carne – passa através de vidas e rostos. E preenche a história, para preencher a nossa vida, agora”.
Vera, Rio de Janeiro (RJ)

UMA “VIDA NOVA” QUE NÃO EXCLUI NADA
Caro Julián, passei o último ano no exterior para escrever minha tese de mestrado, e continuo morando na mesma cidade por causa do doutorado. Quando cheguei, o primeiro presente que recebi foi aflorar uma grande necessidade de significado e de uma companhia real. Não consegui preenchê-la com nenhuma reflexão, com nenhum discurso “já sabido” e nem com a paixão pelo meu trabalho. Nem a proximidade de pessoas queridas se mostrou suficiente. Nessa situação, uma coisa se revelou decisiva: a simplicidade de um olhar único, capaz de abraçar toda a minha humanidade sem escândalo. Pude descobrir que Cristo não pode ser identificado em nenhuma das minhas tentativas e em nenhum discurso. É uma Presença que encontro. Chega a mim através das pessoas que agarra, é uma contínua surpresa. Pouco a pouco, muitas coisas que para mim eram objeções para uma vida feliz – como a saudade, a inquietude, a incapacidade, tantas dificuldades que a realidade apresenta todos os dias – estão se revelando uma companhia cara para voltar a ser novamente agarrado por Ele. Nos últimos meses tornou-se mais claro que essa “vida nova” que chegou a mim não cresce de modo automático e corro um grande risco de reduzi-la e intelectualizá-la. E, quando vivo achando que “já sei”, a vida perde o gosto. Por isso, me tocou a pergunta que você nos fez: “É Cristo que desperta a nossa humanidade, mas a questão é: quem protege Cristo de mim mesmo? Quem o mantém livre da astúcia do meu eu que quer fugir de um verdadeiro dom, de mim mesmo? E a resposta é: a Igreja”. Seguindo o Movimento, encontro a possibilidade de voltar à minha necessidade real, de olhar para as coisas percebendo o seu alcance verdadeiro. Peço para poder aderir, através da inscrição na Fraternidade, à companhia com a qual o Mistério não cessa de se preocupar comigo.
Francesco

JUNTOS NO HOSPITAL

UM PEQUENO CRUCIFIXO PENDURADO NO PESCOÇO

Caríssimos, frequentando o hospital Menino Jesus, de Roma, para cuidar de um netinho, conhecemos uma família de origem albanesa com quem compartilhamos a hospitalidade de uma estrutura de acolhida durante algumas semanas e nos tornamos amigos. O filho deles, de dois anos, tinha um tumor em estágio avançado. No último período, levei a eles um pequeno crucifixo, e disse: “O filho de vocês é um pequeno Cristo na cruz”, entendendo que, por mais que pedíssemos um milagre, a morte não lhe seria poupada. Os pais o penduraram no pescoço do menino. Depois de alguns dias, ele morreu. A surpresa maior foi descobrir que, antes de morrer, o menino tinha sido batizado pelo capelão do hospital. O milagre que tinham pedido manifestou-se de maneira diferente, mas provavelmente muito mais verdadeira e essencial. O grande sinal disso era a serenidade desses pais que tinham confiado seu filho totalmente a Jesus.
Saro, Catania (Itália)