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Passos N.171, Julho 2015

VIDA DE CL - Exercícios Fraternidade

Aquele dia que acontece

por Paola Bergamini

Paolo viu mais uma vez o vídeo “Reconhecer Cristo” nos Exercícios da Fraternidade deste ano. Mas, em 1994, estava na plateia enquanto Dom Giussani falava sobre Kafka, João e André... Virgindade. Isso marcou a sua vida para sempre.

Sábado, 10 de dezembro de 1994. Tarde. Na Feira de Rimini, Dom Giussani começa a palestra aos universitários citando Kafka: “Existe um ponto de chegada, mas nenhum caminho”. Depois, fala sobre André e João, e a carta do amigo de Ziba, doente de AIDS. A voz de Giussani, que fica rouca... Duas horas inimagináveis, vertiginosas, porque cada palavra vibrava o sentido vivo da existência. Aquele, para Paolo, então com vinte e seis anos, recém-formado em Engenharia, foi o belo dia da sua vida. “Naquela tarde, descobri Jesus. Quer dizer, eu não vivia só em uma realidade humana gerada por Ele, mas Ele se relacionava comigo. Foi a primeira vez que vi e descobri Cristo num relacionamento direto comigo. Este era o foco da questão. Tudo ganhava consistência. Também o que tinha acontecido antes e que eu ainda não entendia. Porém, para entender, precisamos voltar um pouco, ao ano anterior”.
Outono de 1993. Durante um Encontro de Responsáveis dos Universitários de CL, Dom Giussani chega de surpresa. Durante vinte minutos, os estudantes contaram como era entusiasmante e incidente na realidade a amizade que estavam vivendo. Falaram sobre o Happening dos jovens, as férias, as atividades com os calouros. Todas, ocasiões para propor essa amizade tão envolvente, tão fascinante. Dom Giussani, num determinado momento, disse: “Não me interessa a amizade de vocês”. Depois, se levantou e foi embora. Era um desafio: o que era importante para eles, o estar juntos, ou aquilo que gerava isso? Todos ficaram petrificados na cadeira. Paolo conta: “Aquela frase não saía mais da minha cabeça. Deixava-me inquieto porque era como se tivesse sido dita por meu pai. Alguém que me amava. Não nos disse que nossa amizade era errada, mesmo que houvesse coisas a serem corrigidas. Não tinha, em primeiro lugar, essa preocupação. Entendemos que para ele o centro estava em outro lugar”.

O que é suficiente? Começamos a nos encontrar para falar sobre nós mesmos, nossa própria vida. Depois, chegaram aqueles Exercícios. “Para mim, foi uma revolução copernicana. Percebi que poderia viver não só da beleza que vem de Jesus, mas também do relacionamento com Jesus do modo como Giussani o vivia. Saí de lá dizendo: não quero mais perder isso. Dois mil anos de história queimados em duas horas, porque a mesma coisa estava me acontecendo naquele momento. Giussani estava me dizendo não só que havia uma coisa mais importante do que a nossa amizade, mas que dentro da nossa amizade havia Ele, que queria ter um relacionamento comigo. Jesus se torna meu amigo. Naquela tarde, fiz a mesma experiência dos apóstolos na plenitude de vida que tinha vivido”. Nada era excluído, nada era errado. Aquela frase – “não me interessa a amizade de vocês” –, que até aquele momento era apenas algo intelectual, tornou-se carne.
Foi uma mudança total de direção. Paolo, junto com um amigo, trabalhou durante alguns meses com o Diretor do Politécnico de Milão, que os chamou como colaboradores por causa do relacionamento de estima que tinha nascido entre eles nos anos anteriores. “Não era suficiente. Não era suficiente que apreciasse nosso modo de agir, de fazer as coisas, queríamos que encontrasse a realidade humana onde se mostrava Aquele que nos fazia viver assim”. A vida adulta tem início, os amigos se casam, constituem família, ajudam-se mutuamente a encontrar trabalho no período difícil que se seguiu à Operação Mãos Limpas, na Itália. Em abril de 1995, marca um encontro com um amigo e lhe conta o que viveu nos últimos seis meses. “Desde dezembro, percebi a companhia de Cristo na minha vida e tudo se tornou mais intenso, mais verdadeiro. Sinto que posso viver disso. Quero poder reconhecê-Lo sempre”. O amigo lhe disse: “Isso, na vida, tem uma forma estável: chama- se virgindade”. Era o que ele precisava ouvir. “Primeiro, a virgindade acontece e só depois você consegue dar-lhe nome. Porque, primeiro, Jesus vem ao seu encontro. A partir daquele momento, comecei a dizer: aconteça o que acontecer não me afasto mais. Não me pareceu que o que eu deveria viver fosse algo diferente disso. Pouco a pouco, via que Cristo me mudava. Eu O via, O reconhecia”. Quase naturalmente, assim como os amigos que se casavam, Paolo começou seu caminho vocacional nos Memores Domini.

Aquela vertigem. Vinte e um anos depois, outra vez numa tarde de sábado, outra vez nos Exercícios, outra vez aquela palestra. Nenhum déja vu, nenhuma lembrança nostálgica. “Simplesmente aconteceu novamente. O Senhor respondeu ao que está acontecendo comigo, Paolo Trucco, hoje. Aquelas palavras não são um conteúdo para ser aprofundado. Durante todos esses anos, li e reli essa palestra. Mas, em Rimini, em abril de 2015, Cristo me ajudou, estimulou a ser centrado, melhor, descentrado, como disse o Papa”. O que isso quer dizer? “Não só que eu posso decair do relacionamento com Ele, mas, essencialmente, que Cristo transborda e, quando acontece, me surpreende. É um acontecimento que me move”. A mesma vertigem. Não só dois mil anos queimados, mas também os últimos vinte e um. A surpresa de um novo início. Na sexta-feira à noite e no sábado de manhã, Carrón voltou ao fato de que ser descentrados pode gerar escândalo. No dia 7 de março, o Papa falou de uma ferida. “E no sábado à tarde, Giussani diz para mudar a sua posição se precisar mudá-la; para pedir ao Senhor que tenha piedade da sua frieza, porque ele também, todas as manhãs, precisava mudar. Não há nada a fazer: Cristo, quando acontece, questiona você. E Giussani nos disse isso porque aconteceu com ele, estava acontecendo. Provoca escândalo se você não é livre, se não é simples, quer dizer, se você permanece agarrado a si mesmo. A primeira coisa que o Papa nos disse foi: ‘Sejam livres’. Depois, fez as recomendações. Mas, o que há de mais desejável na vida do que ser deslocado por Ele, que acontece? No sábado à tarde, aconteceu a mesma coisa: deixar- -me arrastar por essa alteridade que, quando acontece, atrai. Disse novamente: Você dá valor à vida e me surpreende. Isso carrega um tal fascínio que eu, vinte anos depois, continuo indo atrás”.
Vinte anos dentro da experiência dos Memores Domini. O trabalho, a vida na casa, tudo parece já estar resolvido. “Há o risco do ceticismo”. Em que sentido? “No sentido de que as coisas nunca estão em perfeita ordem e, portanto, podemos nos resignar em viver segundo a nossa própria medida. Quando Jesus reacontece, como se deu comigo, abre-se novamente essa alternativa: ser livre e, então, aos 48 anos, como um menino, é possível deixar que me tome pela mão e posso dizer ‘sim’, ou posso permitir que o Seu acontecimento seja mediado, congelado pela medida que tenho sobre mim, por aquilo que entendi da minha vocação, da Igreja, do Movimento. Mas esse acontecimento deu-se novamente hoje, naquilo que Cristo está me dizendo através de Carrón e do Papa”.
Nas duas palestras precedentes, Carrón falou da Ressurreição e, depois, retomou a Audiência de 7 de março, citando Pentecostes. Qual a conexão entre as duas coisas? “Voltei de Roma entusiasmado. Não tinha problemas. Mas ele estava me colocando diante daquele acontecimento com uma profundidade de experiência que, antes, não teria. Perguntei a mim mesmo: sigo-o, ou tenho alguma objeção? A melhor maneira de se opor não é protestar, mas comentar. Sentia, no entanto, um ‘estranhamento’, Mas esse estranhamento era a coisa mais desejável, era Cristo que se fazia caminho mais uma vez em minha vida. Esta é a Sua força: é capaz de reconstruir a simplicidade que faz com que você O reconheça. A noite da sexta-feira e a manhã do sábado estavam dentro desse acontecimento”.
Como na época, Paolo chorou novamente ao ouvir a palestra e ver aquele rosto. “Esse foi outro grande dom: Giussani. O fato de ele ter sido contemporâneo a mim. O modo como me ofereceu a sua experiência, vinte anos depois, através de uma gravação, tem a ver comigo hoje. Não foi um mergulho no passado: ele me é amigo agora. Quando fala sobre a Audiência com o Papa, Carrón diz que não há só o conteúdo, mas o método: Francisco não disse apenas palavras, mas as fez acontecer. Quando voltei para casa, pensei: Carrón, tendo-O reconhecido, tratou-me do mesmo modo que o Papa”. O que há de mais desejável?