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Passos N.173, Setembro 2015

RUBRICAS

Cartas

DE ONDE VEM A MINHA SALVAÇÃO NESTE VAZIO?
O referendo sobre o casamento homossexual provocou um debate muito aceso aqui em Dublim, o qual me fez refletir. Antes de mais nada, pareceu-me que, de um modo geral, as duas posições (a favor e contra) não levavam em conta a totalidade da questão, ou seja, o desejo de amor que os homossexuais têm e a confusão total que há na mente de tantos. A questão me provocou porque me fez refletir sobre o meu casamento, sobre o meu estar no mundo e na sociedade. Foi uma ocasião para voltar à raiz daquilo que sou, como mãe, mulher, cristã. Reler o documento proposto por nossa comunidade “Na queda das evidências, a geração de um sujeito” ajudou-me, porque me fez olhar para o que estava acontecendo sem ter uma ideia preconcebida (sou pelo ‘não’, “porque sou católica”). Procurei entender confrontando- me com meu marido e com meus amigos e me vi imersa em uma grande confusão. Enquanto isso, eu me sufocava nas circunstâncias cotidianas. Uma noite até saí para tomar um pouco de ar, deixando meu marido e meus filhos em casa. Naquele momento, me perguntei: se neste mundo que desmorona sou a primeira a fugir, como posso me salvar? Se não sei estar diante das pequenas dificuldades cotidianas que me são pedidas com letícia, que contribuição posso dar ao mundo que desmorona? Podemos dizer coisas até justas em defesa da família, podemos lutar contra a queda das evidências, mas e se quem cai sou eu? Lembrei-me de uma frase que ouvi distraidamente em uma Escola de Comunidade e que até aquele momento parecia-me abstrata: “Para resolver os problemas, é preciso aprofundar a natureza do sujeito que os enfrenta!”. Quanta necessidade tenho de ser retomada e salva em cada instante, e quanta necessidade tenho de ver que tudo o que parece caminhar em direção à corrupção e ruína já foi salvo! Precisamos sempre voltar a buscar aquilo que, enquanto tudo cai, não cai. É claro que a causa não somos nós, com as nossas atividades. Vi muitos cristãos desencorajados depois da vitória do ‘sim’, como se tudo estivesse perdido. É claro que há muitas coisas a serem revistas, mas de onde vem a nossa salvação? De onde vem a minha salvação nos dias que me parecem pesados e vazios? Acho que preciso aprofundar sempre mais a minha fé, para ser sinal convincente para os outros: somente assim poderei contribuir positivamente para a educação dos meus filhos e das pessoas daqui. Não se trata de fazer análises ou encontrar estratégias para alcançar os jovens, mas de voltar a nos reconhecermos frágeis e necessitados somente de Jesus ressuscitado e presente. Voltar a propô-Lo, como fez Giussani na Itália quando os jovens estavam se afastando da Igreja.
Agata, Dublin (Irlanda)

Vitória da Vida:o milagre continua
Quatro anos atrás nascia Maria Vitória. Recebeu o Batismo no dia 31 de maio de 2011, festa da visitação de Nossa Senhora. A mãe, usuária de drogas e prostituta, queria abortá-la a todo custo, mas a criança chegou entre nós e foi milagre mesmo, como testemunha a biomédica, Dr. Nadja, madrinha da menina, pois a mãe tomou muitos abortivos. Esta história das periferias humanas, relatei em “Passos” de agosto 2011, na sessão de cartas aos leitores. Eu terminava o testemunho dizendo: “Agora o milagre vai crescendo: a mãe deseja iniciar uma vida nova, tocada que foi pelo dom da filha ter vindo ao mundo sem defeitos e pela caridade de tantos. As dificuldades e tentações são tantas, como em todo lugar, mas não custa pedirmos juntos que o milagre continue e que o Bom Pai do Céu complete a obra que começou. Maria Vitória, obrigado por estar entre nós!” Amigos de Passos, quero agradecê-los pelas suas orações. Que o Pai do Céu complete a obra que começou: abençoe esta nossa pobre vida, mergulhada no mal deste mundo e nos nossos pecados. Quando criou o homem e a mulher Ele viu que era muito bom. E não teve medo de nossa liberdade e do que poderíamos aprontar. Nestes quatro anos as coisas continuaram o seu curso. Trabalhei em Pirambu até janeiro 2012 e fui transferido para Nioaque, Mato Grosso do Sul, mas continuei a ajudar L., mesmo de longe. Voltei em Pirambu em agosto 2013 e pude novamente ficar perto da família, que porém cresceu. Ela passou por mais uma tentativa de aborto, mas Deus quis que nascesse também João Gabriel, hoje com um ano e meio . A mãe luta agora com quatro filhos de três pais diferentes, mas cuida também de Isaque, um irmãozinho da parte de mãe com 12 anos. A mãe de Isaque e de L., avó dos outros quatro, infelizmente, continua com uma vida triste de prostituição. Isaque, abandonado na rua, sem frequentar a escola, se não tivesse sido recolhido pela irmã, acabaria num internato pela intervenção do Conselho Tutelar. Assim, amigos, o milagre da vida continua! A Providência me deu a possibilidade de sustentar esta mãe e seus pequenos durante todos estes quatro anos com os pouquíssimos recursos à minha disposição até que aconteceu mais um milagre: consegui para eles uma casa própria, depois que passaram por quatro casas de aluguel e uma de invasão, sem nada conseguir. Os recursos vieram de Benfeitores, de carne e osso, que fazem a minha história, a experiência de Comunhão concreta que é o movimento, que é a Igreja: familiares e operários da velha firma do meu pai e de meus irmãos, a paróquia onde nasci, os amigos do movimento de CL de Bergamo, na Itália, que encontrei em 1973, quando conheci pessoalmente Dom Giussani, a Fraternidade de Aracaju, que simboliza a grande Fraternidade que vimos diante do Papa, e por fim uma pequena herança, que jamais esperava: uma catequista da minha paróquia de Biancade, na Itália, que viveu como consagrada em família, deixou no testamento uma quantia para dividir entre os missionários da minha cidade natal. Vejam! Entre eles lá estava eu. Obrigado meu Deus e “Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai de misericórdia e Deus de toda consolação, que nos consola em todas as nossas tribulações” (2Cor 1,2-4). Obrigado pelo missionário de luxo que me fizeste! Venha o ano da Misericórdia!
Padre João Giomo, Pirambu (SE)

CADA COISA É UM PASSO EM DIREÇÃO A UM DESTINO BOM
Caros amigos, encaminho a vocês o breve texto escrito por um amigo nosso, Renier, 24 anos, de tradição protestante, recém-formado em Filosofia que, este ano, participou pela primeira vez dos Exercícios Espirituais (com padre Michiel). “A partir da noite da Páscoa, há luz suficiente para olhar de frente todas as coisas”, diz padre Carrón pela boca de Michiel durante os Exercícios, em Helvoirt. Queria rir e chorar ao mesmo tempo. Não tinha a coragem de pensar que minhas intuições podem ser verdadeiras, mesmo não sabendo bem qual espécie de intuições foram despertadas por aquela única frase: luz suficiente, finalmente! E aconteceu algo que se assemelha à erupção de um vulcão. Antes de sair fogo, sobe um rio de fumaça, rocha e lama. Extraído da pior forma, exatamente aquilo que é mais precioso. A minha negatividade coloca tudo em dúvida: não, a vida não é um bem. Não, você não pode permitir que alguém lhe ame, sobretudo isso. Tenho medo disso. Mas esses pensamentos vinham durante as palestras, durante as refeições, durante a assembleia, durante os cantos. Eu realmente não sabia que em mim havia um desespero tão profundo. Não sabia sequer que esse mesmo desespero pudesse ser eliminado de modo tão radical. Não tenho coragem de acreditar nisso, mas, em mim, algo acredita, algo mais profundo do que a minha incredulidade. Algo em mim acredita porque é um fato, porque o vejo acontecer diante dos meus olhos. Mas, o que vejo acontecer? Um olhar que muda o rosto, o gosto, o relevo de cada experiência, da realidade inteira. Não podemos fazer acordos com aquele olhar pleno de amor e de certeza expresso por cada coisa durante os Exercícios. Um modo de estar presente, de viver, comunicado pela boca, pelos olhos, pelos gestos, pelos abraços de pessoas que são fisicamente tão humanas quanto eu. Por isso: abençoada negatividade sombria, abençoada depressão que pode ser acompanhada à luz de uma presença assim, de uma tal demonstração de bem. “Olhe para a sua experiência”: quem alguma vez ousou dizer isso! Só é possível, se cada fibra da realidade, se cada objeto de experiência é para um bem. Sigo, portanto, a sugestão que me chega: cada coisa, cada segundo, cada molécula, cada acontecimento é sinal de um caminho em direção a um destino bom que se desenvolve no tempo e no espaço.
Renier, Tilburg (Holanda)

UMA PAIXÃO CONTAGIANTE
Tenho 72 anos e só há pouco tempo encontrei o Movimento. Assistir as imagens de Dom Giussani no vídeo preparado pelos dez anos de seu falecimento me causou uma forte emoção. Entendi como muitos jovens foram atraídos e contagiados pela paixão por Cristo que ardia no coração desse homem. Tal contágio se propagou e chegou até mim. Foi realmente uma Graça. Giambattista, Imola (Itália)

ABRINDO O CORAÇÃO
Voltando de um dia de convivência com os amigos da comunidade, fiquei me perguntando: Por que prolongo a minha despedida? E percebi que é porque penso que posso perder algo de belo deixando esses amigos. Posso perder algo importante para minha vida... Penso que, ficando mais, vou sentir meu coração bater mais (de novo). E como é verdade! Estar com essa companhia me faz me surpreender ao perceber algo expandindo dentro de mim e que me faz ter a certeza de que estou me aproximando do meu desígnio. A Assembleia e a Missa ao final deram todo o corpo do que foi hoje e do que temos vivido nessa companhia... Hoje, também se confirmou que estamos, sim, nos corrigindo e seguindo. Percebi que o centro era só Cristo e nós, ao redor, olhando- -nos mais. As experiências foram belíssimas e agora entendo o porquê. Para mim, a vinda dos amigos de Salvador, Otoney, Miriã e filhos, e Paola, provoca esse impacto. Faz- -nos lembrar do método de Deus: falar por meio dos encontros, e é isso o que mais importa. “E lembre- se de que tudo é dado, tudo é novo e libertado!” (Amare ancora, Chieffo). “Mas você, só você pode preencher o vazio em minha mente, abrir o coração daqueles que não sentem...” (Liberazione n. 2, Chieffo). Obrigada pelas palavras ditas, pelos olhares, pelos sorrisos, pelas correções que me fazem usar a liberdade a meu favor.
Joanna, Aracaju (SE)

DIA DA REVISTA
PASSOS, ENCONTROS, VIDAS E HISTÓRIAS
Este ano quis viver até o fundo o Dia Nacional da Revista Passos, realizado em junho passado. Quis fazer a experiência que o Papa Francisco tem pedido para irmos às periferias, sair ao encontro de todos. Na semana que antecedeu as vendas, lendo algumas postagens no Facebook, vi que um grande amigo da Itália fez a venda da revista em uma Praça de Milão. Fiquei impressionada com os testemunhos e desejei viver aqui a mesma experiência. Sair às ruas sozinha seria muito difícil, então pedi ajuda à minha amiga Suellen, também professora, e aos colegiais. Eles prontamente aceitaram o desafio. Naquela manhã de sábado, fria e com o sol tímido, cheguei à Praça D. Pedro, no centro histórico da Cidade Imperial, com a Suellen, Antonio, Lívia, Natasha, Sofia e Wellington. Rezamos antes de começarmos a venda e pedi para viver aquele gesto como uma grande novidade para mim. Aquela Praça fica cheia de turistas e pensei que anunciaria não somente a Passos, mas Aquele que mudou a minha vida, seria o anúncio de Jesus presente, a novidade que todos esperam. Com esse pedido e maravilhamento começamos a venda. Primeiro abordei um senhor muito distinto que, quando falei da matéria sobre o massacre dos cristãos, imediatamente quis a revista. E me disse: “Caríssima, este assunto é muito sério. Podemos chegar a 3ª guerra mundial e o povo está anestesiado”. Depois encontrei um homem elegante, e ao oferecer-lhe a revista reclamou do preço, e fomos dialogando e eu argumentava de forma educada e com uma sadia ironia. Até que ele olhou para uma das colegiais, cujo pai é seu amigo, e disse: “Comprarei porque ela está com vocês!”. Depois de algum tempo, vi que ele abriu a revista e ficou ali na Praça lendo. Encontramos também um senhor de 89 anos que ao comprar a revista ficou conosco e com alegria incentivou o nosso gesto. Também encontrei dois professores da época em que fiz a faculdade. Observando o que aconteceu percebi que os “nãos” naquela manhã não me impediram de anunciar. E por que não me parava o “não” recebido? Porque eu voltava ao juízo inicial, de que aquilo que estava oferecendo através da Passos era Ele, e se até nos dias em que conviveu conosco aqui na Terra, não foi reconhecido, não seria diferente naquela Praça. No meio da venda vejo um homem deitado no chão, e fui socorrê-lo. Perguntei se estava bêbado, ele respondeu que sim e também disse que estava drogado, que era um viciado. E eu, olhando em seus olhos, respondi: “Eu também sou viciada! Tenho em mim tantos pecados que não queria mais tê-los, mas como um vício não consigo deixá-los. Eu me confesso sempre, mas ainda não me converti. Viu, sou igual a você. Somos iguais! Mas por isso vim aqui nesta praça hoje vender a Passos, porque assim eu posso falar d’Aquele que perdoa tudo, inclusive espera por ti, Ele é Jesus!”. Neste momento, ele encheu os olhos de lágrimas e chorou. Outro encontro marcante foi com um senhor que vive pelas ruas gritando que os políticos são pessoas em quem não se pode confiar. Sempre quis falar com ele e ali encontrei a ocasião. Ele ia passando, peguei-o pelo braço e perguntei seu nome: Marcos. Ele me narrou a sua história e contou da injustiça que sofreu e por isso fazia o que fazia para anunciar que não gostava de injustiças. Naquele momento me lembrei de Dom Giussani quando nos fala que somos exigência de justiça e verdade. Em qualquer ser humano tem aquele complexo de exigências e necessidades. Conversamos um pouco e ofereci-lhe a revista dizendo: “Esta revista é muito preciosa para mim. Eu quero que você aceite este presente”. E ele se foi depois de tirarmos uma foto e dos agradecimentos nossos e dele. Após os encontros e as vendas, que foram 9 revistas em duas horas, os colegiais continuavam a me escrever pedindo para repetir este gesto mais vezes, pois ficaram fascinados com os encontros: “Queremos mais!” E assim traduzi: “Queremos mais d’Ele e estar com Ele a todo o momento”. Entendi mais uma vez que 2015 anos foram vividos ali naquele curto espaço de tempo. Quantos encontros. Quanta vida! Quanta dor, mas muito maior era a alegria de levá-Lo a todos.
Inês, Petrópolis (RJ)