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Passos N.175, Novembro 2015

RUBRICA

Cartas

A MENINA DO CARTAZ E MEU PAI DOENTE
Oi Julián, olhando o cartaz da Jornada de Início de Ano, nasceu em mim o desejo de ter aquele olhar; o olhar daquela menina que me parece contente, um olhar que eu não tenho. Afixei o cartaz no escritório. Tenho 55 anos, a maior parte deles passados no Movimento, mas isso não basta para nos sentirmos contentes. Quando as circunstâncias nos tomam, desintegrando o nosso “eu”, não basta “estar a serviço” no Movimento. É preciso uma presença. Há alguns dias, estou triste e confuso: minha filha não encontra trabalho, o meu tornou-se um lugar difícil. Uma tristeza que parece exaurir o humano. Cheguei a invejar um amigo que, embora tendo o trabalho em risco como eu, é mais alegre e presente a si mesmo. O que ele tem a mais? Hoje à tarde, no ápice da tristeza, saí mais cedo do trabalho e fiz uma coisa que, normalmente, é pesada para mim: fui visitar meu pai, que sofre de Alzheimer e está internado em um asilo. Entrei e o vi sentado em uma cadeira de rodas, sozinho, no meio do salão. Aproximei-me e, quando ele me viu, abriu um grande sorriso. Sentei-me perto dele, e começamos um intenso diálogo desconexo. Já tinha quase passado o horário do jantar, então perguntei a uma enfermeira: “Você não deve levá-lo à sala de jantar?”. “Sim, mas esperei porque os vi tão serenos juntos”. “Posso jantar com ele?”. “Claro!”. Depois do jantar, voltamos para o salão: nós nos olhávamos nos olhos e, em mim, crescia a gratidão porque, através dele, o Senhor tinha me chamado à vida. Chegou o momento da despedida e ele, em um dos poucos instantes de lucidez que teve, pediu-me para ficar. Antes de ser levado ao quarto, sorriu novamente e me disse: “Você é o meu menino, amo você!”. Olhei-o nos olhos antes de sair e chorei escondido de gratidão. Eram os mesmos olhos da menina do cartaz: era Jesus que me dizia “Amo você como é, mesmo triste, carrancudo ou confuso”. Como entendi que era Jesus? Pelo fato de, logo depois, o mundo ter de repente se tornado amigo. Ao sair, cumprimentei uma senhora desconhecida. Cheguei a casa e disse a minha mulher: “Vamos rezar as Vésperas juntos?”. Viver por gratidão torna a vida completamente diferente.
Fabrizio

NA AUDIÊNCIA DO PAPA COM OS MENINOS DE PADRE CHARLY

Graças à amizade que nasceu no Meeting de Rímini, acompanhei padre Charly Olivero e seus meninos à audiência privada com o Papa. Os meninos apresentaram a ele a Mostra “Uma comunidade nas periferias: A Igreja villera em Buenos Aires”. Explicaram como é a vida nessas favelas cheias de necessidades e o que o Meeting foi para eles. Enquanto o Papa lhes fazia perguntas para conhecer cada detalhe, eu observava sua simplicidade e atenção. A um certo ponto, um rapaz disse: “Jesús nos acompanhou e ajudou como tradutor”. Então, o Papa se virou e me disse: “Jesús, os meninos me contaram o que o Meeting significou para eles. E para você?”. Contei aquilo que para mim tinha sido mais evidente: “Santidade, ver como esses meninos se relacionam com a realidade, a curiosidade que os move, me mudou. A amizade com padre Charly me ajudou a dar ainda mais valor à sua paternidade, pela qual lhe agradeço e agora é mais fácil para mim compreender as palavras que nos disse no dia 7 de março na Praça São Pedro: “Centrados em Cristo e no Evangelho, vocês podem se tornar os braços, as mãos, os pés, a mente e o coração de uma Igreja em saída”. Também lhe disse isto: “Fiquei muito comovido com a liberdade dos organizadores do Meeting, porque este ano havia problemas financeiros. E, de repente, o Meeting assume estes treze jovens, e decide levá-los à Itália. Um responsável me disse: ‘Perguntamo-nos: o que desejamos? Ser citados muitas vezes nos jornais por ter convidado uma personalidade de renome ou por ter testemunhos verdadeiros?’. Isso realmente me comoveu”. Então, o Papa me respondeu: “Em um encontro com os universitários, um deles me contou todas as coisas que faziam para ajudar os pobres. Perguntei se achava que isso era suficiente, e ele me disse que sim. Mas eu lhe disse: Falta algo mais importante: ser mendicantes”. O Papa não nos pede para fazermos algo, mas para nos compararmos com eles, para sermos uma coisa só com eles. Quando nos despedimos, recebi mais um presente: “Jesús, você não imagina como estou feliz com aquilo que me contou”. Chamou-me mais uma vez pelo nome. Javier Prades nos dizia, durante a homilia da última missa antes das férias: “Espero que, na volta, possam dizer: este verão mudou a minha vida! Graças àquilo que vivi, o meu afeto por Cristo cresceu”. Eu, graças ao encontro com essas pessoas, posso dizer isso.
Jesús Ángel, Madri (Espanha)

ALGO PARA A VIDA TODA

A minha história com o Movimento tem a ver com a minha história antes mesmo de eu conhecê-lo. Eu não sou de São Paulo, me mudei pra cá no início do ano passado para estudar. Minha família ficou toda em Salvador, assim como a maioria dos meus amigos. Eu me adaptei bem e não demorei pra me acostumar com a cidade diferente. Também não tive dificuldade de fazer amizades. Antes de me mudar, questionei muito se valia a pena sair de casa, me afastar de amigos, me afastar da família só porque a Faculdade de Medicina da USP tinha vários méritos acadêmicos. No começo, isso foi deixado de lado, mas o tempo foi passando e cada vez mais eu percebia uma falta. É algo em mim, que não se satisfaz em estar nessa faculdade só pelo reconhecimento que ela tem, em estudar só para tirar uma nota um pouco melhor, em estar com alguém só pra não ficar sozinho. Então, com essa percepção, eu passei a julgar mais as coisas da vida, o que me realiza e me deixa mais feliz e o que me deixa insatisfeito com a realidade. No meio desse processo, por acaso ou não (eu acredito que não), eu fui jantar um dia com um ex-professor, meus amigos e os amigos dele que eu ainda não conhecia. O que vi ali naquele dia e vivo com eles até hoje, é uma amizade que eu não tinha encontrado em São Paulo até então, ou melhor, eu nunca tinha percebido o que eu percebi de maneira tão concreta, tão clara, tão intensa, que na mesma semana eu fui encontrar eles na Escola de Comunidade, sem nem saber do que se tratava exatamente, só sabia que tinha um texto pra ler. Acho que para entender o que vi naquela noite, eu vou demorar minha vida inteira sem nunca poder explicar tudo ou colocar todos os fatores em evidência. Mas, eu posso afirmar que vi uma amizade séria, não no sentido de estado de humor, mas no sentido de valorizar cada momento, de forma que até mesmo um jantar, algo banal, se torna especial. E aquilo era algo que naquele momento eu quis para minha vida toda, e que agora, eu continuo querendo e que eu peço para nunca deixar de querer. Pode parecer sentimentalismo, mas é uma constatação simples de que vivendo desse jeito, eu consigo me entender mais e entender mais o mundo. Eu vivi numa família católica, estudei num colégio católico, e depois abandonei qualquer tradição cristã até o ponto que só restava em mim uma consciência de que a realidade não pode ser explicada só pelos fatores que nós conseguimos entender. E então, através de músicas, poesias, textos e dos livros de Luigi Giussani, eu comecei a entender meus próprios questionamentos sobre a vida, sobre Deus, sobre Cristo e sobre religião. Eu não encontrei respostas, mas agora eu sei que tenho muitas perguntas e tenho companheiros de viagem que me ajudam a lembrar delas. E até mesmo algumas tradições católicas que vivia em casa e na escola, agora fazem mais sentido. São várias as experiências que me fazem vibrar e que a vida do Movimento tem proporcionado para mim, sempre através da amizade. Algo que vai além de um ou outro momento, mas que me ajuda a procurar algo de grande em tudo que eu faço.
Thiago, São Paulo (SP)

OLHAR O CÉU

Eu fiquei a semana passada toda remoendo se iria ou não na Jornada! Preguiçosamente! Fui à casa de amigos e disse exatamente isso: "Estou com preguiça de ir no sábado de tarde! Estou tão cansada!" Mas contra tudo e por uma graça, eu não cedi à minha preguiça e fui à Jornada! E chegando lá o Bracco falou "pra mim": "Esperemos uma novidade! Não deixemos nosso desânimo nos determinar". O fato é que diariamente eu preciso me recolocar, me perguntar de novo, olhar o céu! Preciso sentir saudades, preciso voltar aos braços Daquilo que me constitui! Eu mendicante! Eu esquecida! Eu pequenina! Deus chamou Abraão e me chamou também! Como vou lutar pela beleza se não olho o Céu? Obrigada pela Jornada e por toda esta História!
Kika, Belo Horizonte (MG)

O COQUETEL DA ALTA EXECUTIVA

Oi Julián, escrevo de Singapura, onde estou por motivo de trabalho. Fico impressionado que, aqui, o Poder disponibiliza hotel de luxo, piscinas, banquetes (não são adeptos do pauperismo, oferecem benefícios belíssimos), em suma, todas coisas “esplêndidas”, mas que têm, pelo modo como me são propostas, a pretensão de preencher o desejo verdadeiro do meu coração, aquela “falta” da qual falamos e que experimentei trabalhando no Meeting, como me dizendo: “O que você quer mais do que isso?”. O que está acontecendo é que essa Presença está tão dentro de mim, que mantém aberta a minha verdadeira falta, porque a minha ferida não pode ser preenchida com algo que reluz, porque é feita de saudade de encontrar os Seus traços. Impressiona-me essa familiaridade com Cristo aqui na Ásia, em uma realidade tão diferente da nossa. É Deus que toma iniciativa para comigo, como fez com Abraão, dizendo: “Sou Eu que falto a você! Há uma falta que só Eu posso suprir”. Isso não me faz sair da neblina, mas me faz entrar na realidade, devorando-a, curioso por ser tomado novamente por Ele (como você disse: “Para vencer o medo, é preciso uma familiaridade com uma Presença”). Conto dois episódios. O primeiro. Um colega meu – que, desde que soube que eu ia me casar, achou que eu era ingênuo porque “é preciso trocar de mulher e não ficar sempre com a mesma” –, quando os outros diretores perguntam sobre mim, diz: “Vocês não sabem a coisa mais importante: ele vai se casar!”. E conta a minha história com Chiara, que conheceu no verão quando o encontramos para jantar. Segundo. Uma noite, em um bar, uma alta executiva chinesa, minha colega, vendo que eu não bebia muitos coquetéis como ela, me disse: “Por que você não bebe? Se beber, vai se sentir mais feliz!”. Eu respondi: “Mas eu já sou feliz”. Tomada de surpresa, começou a fazer perguntas. Contou-me que se divorciou e que, por isso, começou a beber; depois, sabendo através do meu colega, pediu para falar sobre meu relacionamento com Chiara; nasceu uma conversa muito bonita. Fico impressionado que, trabalhando, vivendo as coisas cotidianas, é exatamente essa “beleza desarmada” que vejo em mim quando estou com Cristo que “perturba” o ambiente em volta.
Carta assinada

A COISA MAIS BONITA

Caríssimo padre Carrón, fiquei comovido pelo encontro que participou no Meeting com Weiler e Monica Maggioni, mas ainda mais pela entrevista que deu ao jornal Corriere della Sera: “O Papa enfrenta desafios históricos” (ver Passos out/2015, p. 18). Assim, tive o desejo de comunicar a todos o que você disse apresentando o livro A beleza desarmada. Comecei a contar aos meus colegas de trabalho sobre isso, presenteei alguns exemplares do seu livro, falando disso também com parentes, amigos, e até divulgando nas redes sociais. Em vinte anos de Movimento, talvez esta seja a primeira vez em que me percebo investido por um amor muito pessoal. Fiz tudo sem cálculo, sem estratégia, sem “raciocinar” sobre as oportunidades naquilo que eu estava fazendo e nem me escandalizar com as reações. A única coisa que me moveu foi a certeza de que a coisa mais bonita que pode acontecer a um homem é o encontro com Jesus Cristo.
Juri, Varese (Itália)

A RIQUEZA IMPREVISTA DE MIGUEL

No dia 13 de março, a nossa vida mudou de modo inesperado e especial. Miguel entrou em nossa casa e, a partir daquele momento, aconteceu uma sequência de fatos extraordinários e encontros especiais. Quando, na sala de parto, vi seu rostinho, olhei para meu marido e pensei: “Esse bebê realmente fará bem à nossa família”. Porque, mesmo dentro da dor, da dificuldade e também do medo, sempre tivemos a certeza do desígnio bom de Deus. Posso dizer assim: não fiquei irritada pelo fato de Miguel não ser perfeito. Agora sentimos mais do que antes que Deus nos preferiu e nunca nos deixou sozinhos. Naquele mês de hospital, passando de uma terapia intensiva a outra, nas intermináveis horas de espera antes e depois da cirurgia, sempre emergiu de modo claro que Jesus nos esperava, tinha nos precedido. O sinal disso foram os rostos dos amigos, aqueles de sempre e aqueles que se tornaram amigos graças ao Miguel, como alguns enfermeiros que conhecemos e que agora fazem parte da nossa história. Redescobrimos, graças a ele, a beleza do confiar-se, do pedir incansavelmente, e o Senhor sempre nos respondeu. Redescobrimos a letícia de ser parte de um povo, a Igreja, que nos abraçou e apoiou em cada circunstância. Penso em quem me abraçou na sala de parto, na tia que acompanhou Miguel à sala de cirurgia, penso em todos os médicos e enfermeiros que cuidaram dele e naqueles que o acompanham hoje. Penso nos amigos que, naquele primeiro mês, nos ofereceram uma ajuda concreta: lavavam nossa roupa, nos levavam café, nos faziam companhia nas diversas salas de espera. Penso nas professoras de meus filhos, presenças discretas e atenciosas que os acompanharam de modo surpreendente. Penso em todos aqueles que rezaram conosco e por nós. Penso também em algumas amigas de infância com as quais o relacionamento foi retomado. Em suma, muita riqueza... é inegável.
Emanuela e Giovanni