IMPRIME [-] FECHAR [x]

Passos N.185, Outubro 2016

SOCIEDADE | BAUMAN

“É uma verdadeira revolução cultural”

por Stefania Falasca

“Guerras de religião? Só uma das ofertas do mercado”. Palavras de Zygmunt Bauman, o mais agudo estudioso da sociedade pós-moderna, que narrou em páginas
memoráveis a angústia do homem contemporâneo. Nós o encontramos em Assis, antes da sua palestra, e nesta entrevista ele nos fala do desafio do diálogo



Professor, a sua intuição sobre a pós-modernidade líquida continua a oferecer um olhar lúcido sobre o tempo presente. Mas nessa liquidez registra-se uma explosão de nacionalismos, "identidarismos" religiosos. Como explicar?
Comecemos pelo problema da guerra. O nosso mundo contemporâneo não vive uma guerra orgânica, mas fragmentada. Guerras de interesses, por dinheiro, pelos recursos naturais, para governar as nações. Não a chamo de guerra de religião; são outros que afirmam que se trata de guerra de religião. Não pertenço ao grupo dos que querem fazer crer que seja uma guerra entre religiões. Nem mesmo a chamo assim. Precisamos estar atentos para não seguir a mentalidade corrente. Em especial, a mentalidade introduzida pelo politólogo de plantão, pela mídia, por aqueles que querem captar o consenso, dizendo o que as pessoas querem escutar. Você sabe muito bem que num mundo permeado pelo medo, este penetra fundo na sociedade. O medo tem suas raízes nas ansiedades das pessoas e mesmo vivendo situações de grande bem-estar, vivemos um grande medo. O medo de perder posições. As pessoas têm medo de ter medo, embora nem saibam explicar o motivo. E esse medo tão volátil, inexpressivo, que não explicita a sua fonte, é um ótimo capital para todos aqueles que querem utilizá-lo por razões políticas ou comerciais. Assim, falar de guerras e de guerras de religiões é apenas uma das ofertas do mercado.

Ao pânico das guerras de religião une-se o das migrações. Há anos Umberto Eco dizia que para quem queira capitalizar o medo das pessoas, o problema da emigração chegou como um presente do céu...
É isso mesmo. Guerras de religião e imigração são nomes diferentes dados hoje para explorar esse medo vago, incerto, mal expresso e mal compreendido. Estamos, porém, cometendo aqui um erro existencial, confundindo dois fenômenos diferentes: um é o fenômeno das migrações e outro é o fenômeno da imigração, como observou Umberto Eco. Não são um fenômeno, são dois diferentes fenômenos. A imigração é um companheiro da história moderna; o Estado moderno, a formação do Estado é também uma história de imigração. O capital precisa do trabalho, o trabalho precisa do capital. As migrações são, porém, algo diferente, trata-se de um processo natural que não pode ser controlado, que segue o próprio curso.

O senhor acha que se pode encontrar um equilíbrio entre esses fenômenos?
A solução oferecida pelos governos é diminuir cada vez mais as possibilidades de imigração. Mas a nossa sociedade já é irreversivelmente cosmopolita, multicultural e multirreligiosa. O sociólogo Ulrich Beck diz que vivemos numa condição cosmopolita de interdependência e intercâmbio em nível planetário, mas sequer começamos a desenvolver a consciência disso. E administramos este momento com os instrumentos dos nossos antepassados... é uma armadilha, um desafio a ser enfrentado. Nós não podemos voltar atrás e abstrair-nos de viver juntos.

Como nos integrar sem aumentar a hostilidade, sem separar os povos?
É a pergunta fundamental da nossa época. Não podemos sequer negar que estamos num estado de guerra e provavelmente que essa guerra também será longa. Mas o nosso futuro não é construído por aqueles que se apresentam como "homens fortes", que oferecem e sugerem aparentes soluções instantâneas, como construir muros, por exemplo. A única personalidade contemporânea que leva adiante essas questões com realismo e que as faz chegar a todas as pessoas é o papa Francisco. No seu discurso à Europa, ele fala de diálogo para reconstruir o tecido da sociedade, da justa distribuição dos frutos da terra e do trabalho, que não representam uma mera caridade, mas uma obrigação moral. Passar da economia líquida para uma posição que permita o acesso à terra com o trabalho. De uma cultura que privilegia o diálogo como parte integrante da educação. Prestem atenção, ele repete: diálogo-educação.

Por que, segundo o senhor, o Papa está convicto de que essa é a palavra que não podemos nos cansar de repetir? Afinal, o que é o diálogo?
Ensinar a aprender. O oposto das conversas inúteis, que dividem as pessoas: no certo e no errado. Entrar em diálogo significa superar o limiar do espelho, ensinar a aprender a se enriquecer com a diversidade do outro. Diferentemente dos seminários acadêmicos, dos debates públicos ou conversas partidárias, no diálogo não há perdedores, mas só vencedores. Trata-se de uma revolução cultural em relação ao mundo no qual a pessoa envelhece e morre antes mesmo de crescer. É a verdadeira revolução cultural em relação ao que estamos habituados a fazer e é o que permite repensar a nossa época. A aquisição dessa cultura não permite receitas ou fáceis escapatórias; exige e passa através da educação, que requer investimentos de longo prazo. Esse é o pensamento do Papa Francisco, o diálogo não é um café instantâneo, não produz efeitos imediatos, porque é paciência, perseverança, profundidade. Ao percurso que ele indica, eu acrescentaria uma só palavra: assim seja, amém.

(*Artigo publicado no site Avvenire.it)