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Passos N.186, Novembro 2016

DESTAQUE

O porto seguro de Anduela

por Paola Bergamini

Um ano especial. Depois, de repente, a tragédia. Mas ela se viu vivendo-a “com uma letícia que contagia”. E também os parentes muçulmanos


Em junho, quando Anduela Keqi, 18 anos, viu o boletim com as notas, ficou exultante: nenhuma matéria em recuperação. Para ela, era a coroação de um ano realmente especial não só do ponto de vista escolar. A amizade com os jovens dos colegiais, que conheceu no primeiro ano quando se mudara dois anos antes da Albânia para Gênova, tornara-se mais próxima. Uma aventura da qual não podia prescindir. Em casa, de vez em quando os pais reclamavam: você está sempre fora! Mas tinha valido a pena. Agora, todos os projetos de verão podiam ser realizados: as férias, o Meeting ao qual nunca tinha conseguido ir, a Equipe em setembro...
Mas alguns dias depois chamam-na pelo celular: “Você precisa ir ao Pronto Socorro, seu pai está mal”. Corre para o hospital, onde recebeu a notícia: apesar da ressaca, o pai tinha levado o sobrinho, que chegara para as férias, para tomar um banho de mar. Uma onda tinha jogado o jovem para a orla e o homem para dentro do mar. Quando conseguiram resgatá-lo, estava quase morto. Agora, na UTI, lutava entre a vida e a morte. Anduela não se conforma: seu pai, que tem medo da maré alta...

Na sala de espera, cheia de familiares abalados, Anduela está perplexa. A única coisa que consegue fazer é enviar mensagens aos seus amigos mais próximos: “Rezem pelo meu pai”. Lembra: “Minha família é de tradição muçulmana, mas não somos praticantes. Comecei a rezar quando entrei para os colegiais. E naquele dia pensei que era a única coisa que podia fazer: rezava por ele e também por nós para que o Senhor nos ajudasse”. Depois de pouco tempo vê chegar, no fundo do corredor, sua amiga mais querida acompanhada por Marina, a professora responsável pelos colegiais, e seu marido. Dizem: “Estamos aqui com você!”. Depois, conforme o tempo passa, a sala, a recepção e as escadas do hospital enchem-se de amigos: universitários, adultos, colegiais. “A partir daquele momento não fiquei mais sozinha”. Tanto que os enfermeiros e os médicos perguntam curiosos sobre essa “estranha” família albanesa. Foi assim durante dois dias, quando o pai morre de parada cardíaca.

A dor é imensa, mas com aqueles amigos ao lado fica claro que há algo maior que vence e ajuda a viver. Assim, naquela tarde, telefona para Marina: “Gostaria de rezar um terço com todos por ele. Vocês são meu ponto de certeza”. No dia seguinte, a praça em frente à igreja dos Emilianos fica lotada. Anduela chega acompanhada por três primos. A mãe e o irmãozinho precisaram ficar em casa. Todos estão presentes: Marina e padre Beppe com alguns amigos dos colegiais que voltaram das férias por causa do ocorrido, os jovens do CLU, as famílias. “Senti-me amada e esperada”. Entre seus parentes está também o primo do dia da tragédia que, aproximando-se do marido de Marina, diz: “Nunca vi pessoas que se querem tão bem. E antes de hoje nunca tinha entrado numa igreja, e nunca vi uma coisa tão bonita. Filmei tudo, quero mostrar esta beleza na Albânia”.
Poucos dias depois, Anduela, a mãe e o irmãozinho chegam a Lezha, uma hora distante de Tirana, para o funeral. É o início de um período difícil para a jovem. Em sua volta vê apenas dor e choro nas pessoas que enchem a casa. Lembra: “Havia muita tristeza e eu pensava: Papai não era assim. Não pode ter deixado só este abatimento. Não me basta”. Não se cansa de rezar, de pedir. Da Itália, os amigos não a deixam só: lhe telefonam e enviam mensagens de celular. “Não eram palavras vazias, mas algo que preenchia a minha vida dando-me uma certeza. Repensava nos últimos quatro anos, nas coisas bonitas que tinham me acontecido. Se aquele bem tinha um sentido, aquilo que tinha acontecido também tinha algo de bem para mim. A dor permanecia, mas não o desespero”.
Passa grande parte do dia cozinhando para parentes e amigos que, como é tradição, vêm encontrá-los. Um dia, um amigo da família lhe disse: “Não pensei que você pudesse enfrentar essa situação deste modo. Você está contente”. É uma letícia que até ela tem dificuldade de entender, mas que contagia. Então, uma noite, a mãe está na sacada e chama a ela e ao irmão: “Venham ver!”. No horizonte, um por do sol belíssimo colore o céu. Em Gênova, caçoavam um pouco dela porque sempre dizia: “Olhem que céu bonito! Olhem quantas estrelas!”. No entanto, agora... “Naquela noite, minha mãe estava contente. Tinha se dado conta daquela beleza”. E, depois, quando Anduela lê para ela as mensagens italianas, a mulher comenta: “Quanta gente gosta de você!”. A menina pensa: “Desse modo, também gostam de você”.
Conforme os dias passam, uma palavra começa a aparecer timidamente nos discursos de amigos e parentes: Deus. “Agora papai é d’Ele. Se Deus quis, tudo isso tem um sentido”. Algo aconteceu. Certa noite, Anduela telefona para Marina: “Nossa família não é religiosa, ninguém vai à mesquita. Mas, a um certo ponto, percebi neles a necessidade de afirmar algo que vai além da morte”. Depois de um mês e meio, a família volta para a Itália. A vida recomeça, os amigos, discretamente, não os deixam sós. Para Anduela nada é como antes. “É mais”.