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Passos N.98, Outubro 2008

EXPERIÊNCIA - SALVADOR

Em Novos Alagados, um sinal do abraço do Senhor

por Francisco Borba Ribeiro Neto

Depois de vinte anos da presença de Comunhão e Libertação e outros amigos é entregue para a comunidade a igreja de Jesus Cristo Ressuscitado

No último dia 14 de setembro, uma pequena multidão com mais de 2.000 pessoas assistiu emocionada à inauguração da igreja Jesus Cristo Ressuscitado, em Novos Alagados, um bairro da periferia de Salvador. Como não havia nenhuma outra igreja no local e com a inauguração começa uma nova paróquia na região, ninguém sabia muito bem como seria a sua recepção pela comunidade local. Para quem chegava, as pessoas pareciam como que vindo do nada, saídas das casas simples do bairro, vindas para comemorar a inauguração da nova igreja de um modo que nem os organizadores mais entusiasmados esperavam.
Na verdade, as pessoas não haviam saído do nada. Em grande parte, chegavam também para celebrar uma história de presença do movimento Comunhão e Libertação (CL) e da Fundação AVSI na dura realidade de Novos Alagados, que já tem cerca de 20 anos. Mas, por outro lado, chegavam também testemunhando o profundo desejo de Deus, que se mantém vivo no coração de todo ser humano, esperando apenas o momento de se manifestar.

Um povo novo
Na igreja de Jesus Cristo Ressuscitado se reunia um povo novo, um belo fruto de uma nova síntese que acontece na periferia de Salvador, cidade símbolo da capacidade do senso religioso de criar sínteses culturais. Em nenhum outro lugar, como na capital baiana, a tradição católica de origem européia se mesclou tão profundamente com as tradições africanas e o sangue branco com o sangue negro, criando uma tradição cultural única e marcada pelo senso da beleza. Mas podemos nos perguntar: não terá sido essa síntese uma força do passado, comprometida pela dominação e pelos desvios da ortodoxia típicos de qualquer experiência sincrética? Em outras palavras, um folclore que não voltará mais, que gerou uma beleza que nunca mais será fecunda, petrificada nas belas igrejas conservadas por certo “patrimônio histórico”.
A nova igreja é exatamente o testemunho grandioso de que essa capacidade de síntese continua viva, que o povo novo continua a nascer, unindo posições culturais, condições sociais e até mesmo nacionalidades com o mesmo ímpeto do passado.
Como disse Dom João Carlos Petrini – atualmente Bispo Auxiliar de Salvador, que começou a trabalhar na região há muitos anos –, nas suas origens está o trabalho discreto de jovens universitários de CL que, na década de 1980, vinham trabalhar com as crianças e acompanhar a dura vida da população de Novos Alagados. Hoje eles vieram em peso prestigiar a nova igreja, olhando – entre emocionados e orgulhosos – aquelas crianças, transformadas agora em adultos, que consideram como parte de sua própria história de vida.
Nas suas origens também está o trabalho da Fundação AVSI em Novos Alagados. Depois de intervenções anteriores de várias organizações, com pouco sucesso, um grupo de italianos da AVSI iniciou, há anos, um trabalho com a comunidade local, visando a eliminar as favelas sobre palafitas no bairro. Partiram de um pressuposto simples: não apenas procurar uma solução para os problemas e as necessidades locais, mas valorizar o potencial que existia naquela gente. Com isso, conseguiram erradicar as palafitas da região, criando um novo bairro popular e desenvolvendo um projeto que é referência internacional, inclusive para o Banco Mundial. Também tem grande importância o trabalho com obras sociais que a Fundação mantém no bairro: a creche João Paulo II, o Centro Educativo para adolescentes, o Centro de orientação às Famílias e, mais recentemente, a creche Monsenhor Luigi Giussani.
Nesta igreja também está a solidariedade do casal Abbondio, uma família italiana que se ofereceu para auxiliar financeiramente projetos sociais em Novos Alagados, inclusive nessa construção. E por trás deles, o carisma de Dom Giussani e a experiência de CL, ponto de partida para que eles se lançassem no desafio de ajudar comunidades tão distantes e que eram aparentemente tão pouco ligadas à sua vida cotidiana. Ou ainda o trabalho de Cláudio Pastro, o artista que está criando todo o interior do Santuário Nacional de Aparecida do Norte e que, por sua amizade com Dom Petrini e outras pessoas que trabalham na comunidade, criou os belos vitrais da igreja.
Por fim, nas suas origens está todo aquele povo que fiel às suas origens e vivendo um desejo profundo de Deus, lotaram a igreja no dia de sua inauguração.
Todas essas origens estavam ali presentes, mescladas num único gesto, num único povo. Numa época em que se fala tanto da diversidade cultural, das diferenças entre as pessoas, das barreiras sociais, era impressionante ver todas aquelas pessoas, ricos e pobres, professores universitários e trabalhadores humildes, italianos pálidos e brasileiros negros, loiros ou mulatos, vivendo unidos uma mesma experiência. Um espaço onde a diversidade encontrava seu verdadeiro destino, que é a comunhão.

Um lugar de dignidade
Qual o significado dessa igreja para o povo de Novos Alagados? Joseilma, uma das primeiras pessoas da comunidade local que se envolveu com o trabalho de CL e da AVSI na região, respondeu a essa pergunta com palavras comoventes, em seu depoimento no final da missa: “A gente olha para tudo isso e sente uma emoção forte, porque percebe que é um lugar belo feito para nós. É um lugar de fé, mas também é um lugar de dignidade. A gente vê que ele aconteceu porque muitas pessoas vieram de longe, se preocuparam com a gente, trabalharam junto conosco. Esse lugar existe porque nós somos importantes para todas essas pessoas que vieram de longe. A atenção deles por nós é um sinal da nossa dignidade”.
Joseilma tem razão, a atenção de todas aquelas pessoas pela comunidade de Novos Alagados é um sinal inequívoco do valor e da dignidade da pessoa humana e daquele povo. Mas também é um sinal, para as pessoas que se dedicam ao trabalho junto à comunidade, e para todos que olham para aquela realidade que ali foi construída, que o verdadeiro sentido da vida só é descoberto numa experiência de partilha e compromisso com a vida do outro. Mais do que isso, esse gesto de inauguração da Igreja de Jesus Cristo Ressuscitado mostra que toda experiência de partilha só encontra seu verdadeiro sentido, sua plena realização, na comunhão e no encontro com Cristo – pois, no mais profundo de qualquer situação, é a Ele que o coração de todo homem deseja.

As pessoas têm sede de Deus
Padre Inácio Lastrico, que a partir de agora é o pároco da igreja de Jesus Cristo Ressuscitado, não se cansava de repetir o quanto era importante perceber que, com aquela acolhida à nova Igreja, o povo testemunhava a sua profunda necessidade de Deus. Por isso, as pessoas já começaram a chegar às 7h15 para a missa marcada para as 9h30. Quem chegava depois das 8h30, já não encontrava mais lugar para sentar.
Já antes da inauguração as pessoas comentavam sobre o novo templo e sua beleza. Ele fica em frente a uma movimentada avenida do bairro, e comentá-la se tornou um hábito freqüente entre os passageiros dos ônibus que por ali passavam: “Uma igreja nova! Será católica? É tão bonita! Quando vai começar a funcionar? Eu conheço o pessoal que está construindo. É católica sim...” Os comentários foram “divulgando” a nova Igreja muito antes de sua inauguração.
Existem sinais simples, mas que marcam uma história, uma cultura e um povo. Os sinos desempenharam seu papel fundamental – ecos de uma memória e de um desejo erradicado no coração das pessoas. Quando começaram a ser tocados, alguns dias antes da inauguração, despertaram no povo a atenção e o desejo de conhecer e fazer parte da história daquele lugar dedicado a Deus. Assim foi o caso de dois jovens que ouvindo os sinos, foram conhecer a Igreja e, lá chegando, se propuseram a ajudar na distribuição dos convites no bairro.
Agora, a grande atenção de padre Inácio é a de ajudar as pessoas a descobrir cada vez mais que a Igreja é um sinal de que Cristo veio até eles. Por isso, nas semanas que antecederam à inauguração, voluntários foram de casa em casa distribuindo um convite, com palavras do Cardeal Dom Geraldo Magella, apresentando a nova Igreja e convidado a todos para virem até ela. As pessoas eram convidadas para ir até lá, mas era Cristo – pelo gesto simples dos voluntários que iam de casa em casa – que se movia primeiro convidando a todos. O próximo passo, anunciado por padre Inácio na missa inaugural, é a sua proposta de ir abençoar todas as casas da comunidade, bastando que as pessoas o convidem. Novamente é Cristo, agora no rosto franco e alegre deste sacerdote italiano, que se move em direção àquelas pessoas que O desejam.

Viu como é fácil reconhecer?
Padre Carrón, responsável pela Fraternidade de Comunhão e Libertação em todo o mundo, esteve presente na missa de inauguração e depois conversou com a comunidade de CL em Salvador. Gilberto, o responsável local da comunidade, conta que foi comentar com ele como tudo tinha sido bonito e como a presença de Cristo era evidente em tudo aquilo. Padre Carrón respondeu-lhe: “Viu como é verdade que é fácil reconhecer a presença d’Ele? Basta olhar e seguir”.
Ele chamou a atenção, ainda, para o fato de que ver tudo aquilo que acontecera pela manhã era como ver o próprio Cristo vivo, pois não podia ter acontecido apenas por obra de uma organização humana, por melhor que fosse. Era Cristo quem movia o coração das pessoas, em seu desejo por Ele. Via-se uma grande quantidade de pessoas, mas, por baixo disso, havia uma multidão de corações movidos por Cristo.
Mas, disse ainda padre Carrón, esses corações não se moveriam em função de um fato acontecido 20 séculos atrás. Cristo moveu aqueles corações porque é uma realidade viva, presente agora entre nós. Essa é a mensagem última que cada um carregava após sair da missa de inauguração. Esse é o testemunho que todo aquele povo, com suas muitas origens, dá para todos nós. Povo que agora forma a comunidade da igreja de Jesus Cristo Ressuscitado.

Relato de uma história

por Dom João Carlos Petrini, Bispo Auxiliar de Salvador

Gostaria de recordar algumas etapas desta amizade com a Comunidade de Novos Alagados que prepararam o terreno e tornaram possível a realização desta Igreja. Lembro que foi o Cardeal Dom Lucas Moreira Neves que, já em 1989, quis que pessoas do Movimento Comunhão e Libertação e da Fundação AVSI se dedicassem ao bairro.
Ele esteve presente na inauguração da primeira casa construída no beira mar, na inauguração da Creche João Paulo II, e em muitas outras ocasiões. A Arquidiocese confirmou seu empenho nesta região com o Cardeal Geraldo Majella Agnelo, que acompanhou de perto os momentos mais importantes desta história.
Recordar as etapas desta história significa recordar fatos: alguns simples, como jovens universitários que aos sábados estavam no outro lado da avenida, no Primeiro de Novembro, para jogar bola com as crianças. E fatos grandes como a realização da creche João Paulo II, construída 14 anos atrás, pela qual passaram centenas e centenas de crianças; fatos discretos, não notados, como a conversa com um adolescente para ajudá-lo a definir sua vida rumo à maturidade, e fatos que chamam a atenção, como a retirada das palafitas e a reconstrução das casas. Fatos simples, como pesar uma criança para acompanhar seu desenvolvimento e fatos importantes como a constituição do Centro Educativo que atende centenas de adolescentes. E por fim, o fato mais importante, a disponibilidade para total dedicação a esta igreja do padre. Inácio Lastrizio, um sacerdote missionário do PIME, que passou dez anos em comunidades do Amapá, nas margens do Rio Amazonas.
Todos estes fatos e muitos outros têm na sua origem a Presença de Jesus Cristo Ressuscitado. É Ele que motiva a dedicação de um, a disponibilidade de outro, o sacrifício de outro. Hoje, dedicando esta igreja a Jesus Cristo Ressuscitado, queremos reconhecer esta Presença, de modo que cada um possa dizer: “Tu, Senhor, estás aqui”.
Hoje a Arquidiocese de Salvador entrega esta igreja que será um ponto de vida cristã, de evangelização. Além do espaço sagrado, aqui temos cinco salas para a catequese e o reforço escolar, um auditório para 300 pessoas e o espaço para uma quadra de esportes.

Conosco, nesse bairro, está o Senhor
A construção desta igreja constitui o coroamento desta história, para que ela continue crescendo. Quantos jovens puderam prosseguir os estudos, terminar o Ensino Médio, cursar a universidade. Quantos encontraram trabalho! Quantos acertaram o passo e o rumo da própria vida.
Cada morador, olhando para a bela torre da Igreja poderá dizer: conosco neste bairro está o Senhor. Ele nos ama, porque sabe até o número dos cabelos de nossa cabeça. Seu poder divino que vence a morte realizou todos estes fatos que hoje podemos ver diante de nossos olhos. Ele mantém viva a nossa esperança. Por isso, cada morador, ouvindo o sino da Igreja tocar, poderá lembrar-se que é Jesus que o chama e poderá dirigir-lhe o seu pedido: venha Senhor Jesus, fique conosco, venha para ser a bênção da minha família, venha Senhor Jesus para guiar os passos deste adolescente um pouco confuso, venha Senhor Jesus vitorioso sobre a morte para nos comunicar seu amor e renovar nossa vida.




A beleza e a resposta a Cristo

A família Abbondio, presente na missa, deixava transparecer claramente sua emoção. Sua presença é discreta, vê-se que não esperam homenagens ou coisa parecida. Estão contentes por terem ajudado em alguma coisa bela – e isso sim, para eles é importante.
Angelo Abbondio, em seu testemunho na missa, fala da surpresa e emoção que sentiram quando viram a Igreja e perceberam o quanto ela era bela, como – apesar de terem seguido todas as etapas da construção – encontraram um resultado que era superior a todas as suas expectativas. E, por isso, sentem a emoção que vem naturalmente em todo ser humano quando se encontra diante de uma coisa particularmente bela. E é ele que agradece, paradoxalmente, a oportunidade que a comunidade lhe deu de viver essa experiência.
Mas como e por que eles vieram parar em Novos Alagados? Por que ajudaram a construir essa Igreja? Abbondio explica que, quando encontraram Dom Giussani, compreenderam que todos os desejos, uma vez satisfeitos, remetiam a um outro. Só Cristo podia realmente satisfazer ao desejo que sentiam.
Assim, Dom Giussani lhes indicou, há cerca de 15 anos, que viessem ao Brasil e procurassem aqui uma obra do movimento que pudessem ajudar. Ficaram particularmente sensibilizados pela realidade de Novos Alagados e começaram a ajudar primeiro um ambulatório, depois a construção da escola João Paulo II e demais obras da AVSI na região.
Como o Movimento lhes mostrou que o escopo da vida é fazer conhecer a Cristo, perceberam que a sua contribuição deveria ir no sentido também de construir a Igreja. Impressionou-os particularmente o nome dado à Igreja, Jesus Cristo Ressuscitado, pois corresponde claramente àquilo que Dom Giussani nos ensinou sempre: que Cristo é alguém presente aqui e agora.