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Passos N.187, Dezembro 2016

ARGENTINA

Corpo a corpo com a vida

por Monica Poletto

A narrativa de dezoito dias na Villa 21 de Buenos Aires, com padre Charly e os curas amados pelo Papa Francisco. Mas, sobretudo, com Paula, Ana, Juan Cruz... E uma humanidade plena de beleza


A Villa 21 é um conjunto urbano na periferia sudeste de Buenos Aires: pelo menos 40 mil habitantes, casas pobres e barracos, imundície, ruas destruídas. As villas em Buenos Aires são muitas, todas muito pobres, perigosas e devastadas pelo paco, a pasta base de cocaína preparada com material barato – solventes, veneno para ratos – que custa barato e faz muito mal a quem a usa. Na Villa 21 está a Paróquia Virgen de Caacupée, na qual vive padre Charly Olivero, junto com outros dois sacerdotes. Até 2010 vivia ali também padre Pepe di Paola, que por causa das ameaças dos narcos teve que ir embora. Ambos estiveram no Meeting de Rímini, na Itália, nos últimos anos. E ali, em 2015, nos tornamos amigos do padre Charly: começamos a "compartir miradas", a compartilhar um olhar, a dialogar sobre nossas obras. No final, decidi que para compreender melhor o que ele vivia seria preciso aceitar o método que ele próprio sugeria: morar e trabalhar na villa com ele, ao menos por um pouco de tempo. E então parti por dezoito dias, em setembro.
Viver na Villa 21 é ser catapultado para um universo estranho. Ao primeiro impacto parece que somos vencidos pela miséria, pelas pessoas que vivem cercadas pela imundície, por jovenzinhos já destruídos pela droga, pelo potencial perigo de violência, que te obriga a ser acompanhada por alguém de confiança para onde quer que vá. Mas basta um pouco de tempo para compreender que não é esse susto o verdadeiro coração da villa. Padre Charly está à frente na resposta que a Igreja argentina está procurando dar à marginalidade, sobretudo quando ela se apresenta sob a forma de pessoas cuja vida é destruída pela droga. A resposta, há alguns anos, assumiu a forma dinâmica dos hogar de Cristo, locais que acolhem os jovens viciados em paco e propõem um percurso de saída do consumo.

Tempo e espaço. Quando o Papa Bergoglio era ainda Arcebispo de Buenos Aires, tinha dado como mandato aos curas villeros o trabalho "corpo a corpo", que implica o envolvimento com qualquer pessoa encontrada e a busca de soluções sempre diferentes, porque cada pessoa e cada história são diferentes; e acolher a vida "como ela vem", sem pré-condições, para iniciar uma trajetória da qual não se conhece a duração, porque "o tempo é superior ao espaço".
Padre Charly me contou algo que aconteceu com ele, que ajuda a entender a partir de dentro o seu método, o seu olhar. Uma jovem mulher (nós a chamaremos de Paula), que vai sempre à paróquia para pedir, cheia de projetos – com uma história de violências e de droga que a tornaram também violenta – que ouçam uma poesia que sua irmã lhe tinha dado e que fala de um homem que sofreu tantas injustiças, mas não deixou de amar. Enquanto lia para Charly a poesia, a mulher chorava. Ele me diz que se comoveu muito, porque "era a primeira vez que eu via o coração dela: portanto, havia um ponto a partir do qual o processo podia começar, um ponto de partida".
É isso, o fato de estar ali é só isso: à espera do coração. Continua-se a abraçar para que o coração se mova, e o coração se move só se for acolhido. Incondicionalmente. Não há nenhuma possibilidade de parar de se drogar se a pessoa não encontra uma resposta à razão pela qual se droga. E essa resposta vem antes de tudo e tem a forma de um encontro. Como explica, certa noite, Juan Cruz, rapaz com uma história passada de consumo e que agora está bem, trabalha e é feliz. Quando lhe pergunto o que o levou a sair do paco, responde com poucas palavras, mas que impressionam pela sua clareza: "Cada um na vida tem um significado. É preciso encontrá-lo. Eu o encontrei".

O colarzinho vermelho. De manhã começo a ajudar no hogar "Niños de Belen". É uma extensão da villa cheia de barro e sujeira, na qual vivem muitos homens e mulheres entregues ao consumo de paco. Sobre papelões juntados para proteger-se do frio e da chuva. Têm histórias de abandono, violência, prostituição, filhos em geral criados por outros. De manhã esses homens e mulheres que vivem na rua vêm aquecer-se um pouco, tomar o café da manhã, lavar-se, e conversar com alguém. O hogar é o primeiro lugar aonde eles se encontram, o ponto estável de suas vidas. É também o primeiro passo da trajetória, que depois se desenrola em outros lugares, nos quais se inicia a terapia da desintoxicação, em cooperativas que oferecem possibilidade de trabalho e em muitas outras iniciativas que a abordagem "corpo a corpo" vai sugerindo. As pessoas que frequentam o "Niños de Belen" são sofredores, abandonados. No início parecem todos iguais, sem uma individualidade e, talvez, não totalmente conscientes. Abraçá-los é muito difícil, mas eles não se afastam. Essa é a família deles, dizem com frequência, e por isso se abraçam muito... Mais evidente ainda do que a sujeira deles é que essas vidas são amadas uma por uma. No hogar, nas paredes estão escritos os aniversários, e é o único lugar em que se lembram de alguém. No início, me esforço mas não consigo tirar da cabeça como padre Charly e os seus amigos se inclinam sobre eles, e essa é a estrada que torna simples e desejável começar a abraçá-los. Assim, de muitos nos tornamos amigos. E acontecem tantos fatos que me fazem ver, nu e cru, o coração, o ponto inflamado e irredutível.
Um dia, enquanto lavo os pratos, me pergunto se e quanto estão conscientes desse abraço silencioso. Será que algo se move neles? Entra Ana, muito suja. No pescoço traz um colar vermelho. Chama a atenção porque é um enfeite que parece não ter nada a ver com o resto. Tem a ver, certamente, com algo mais profundo e invisível que se agita dentro dela, mas não com o seu exterior. Digo-lhe que é um belo colar. Ela não hesita nem um minuto: tira o colar e o dá a mim. Fico surpresa, digo-lhe que ela só tem esse. "É por isso que te dou", responde. E vai embora. Sento no banco, onde outro amigo cansado dorme com a cabeça apoiada na tábua. Ergue a cabeça e cruza o olhar comigo. Digo-lhe que Ana me presenteou com o colar dela. Ele percebe que estou um pouco comovida e dá um belíssimo sorriso. E me diz: "Nós temos um coração bonito", e volta a dormir.
É isso, diante de fatos desse tipo a gente entende que a presença do padre Charly e dos seus amigos – um acolhimento incondicional e um dom de si total – gera um clima humano diferente. A gente percebe que, depois de um pouco de tempo, eles nos saúdam na rua, que há uma operatividade alegre que anima a paróquia a qualquer hora do dia, feita da preparação da comida para todos, de acompanhamento das pessoas em dificuldade, de ouvir toda essa pobre humanidade que encontra naquela comunidade uma família. Fiquei impressionada com o fato de não haver uma distinção muito nítida entre os "assistidos" e quem trabalha com eles: dependendo das possibilidades, cada um é chamado a fazer a sua parte, a assumir uma responsabilidade.
Para ir à procura daqueles que ainda não recorrem aos hogar, uma vez por semana, à noite, eles levam comida pelas ruas da cidade. Partem com carrinhos carregados com uma enorme panela, pratos, pão, bebida. As pessoas são divididas pelo bairro e vão em frente. Antes de partir, padre Charly lê o Evangelho do dia. Esclarece logo que "não lemos o Evangelho porque somos religiosos, mas porque nos interessa a humanidade de Jesus".

Um a um. Vamos levar comida quente para pessoas que vivem cobertas por papelão, vestidas de trapos, extremamente pobres. Mas não estão abandonadas. Charly e os seus amigos as conhecem pessoalmente, uma a uma. Vão atrás delas, chamam-nas pelo nome, falam de eventuais filhos ou parentes. Essas pessoas existem singularmente e são abraçadas. O que me impressiona é que estão conscientes disso. Na primeira noite dei um pão para um homem derrubado, muito mal. Ele me deu um pedaço porque "é muito e talvez falte para outros". Um outro voltou atrás, com o passo um pouco arrastado, para me dar um beijo. "Eu não tinha te agradecido", me diz.
Essa forma de testemunho, que nestes amigos se traduz em um modo tão explícito de "ir ao encontro das feridas do homem levando a presença forte e simples de Jesus" gera uma comunidade, uma forma de vida nova cujos protagonistas são homens e mulheres que vivem a certeza da fé. E, alegres por causa da presença viva de Jesus, levam ao mundo uma coisa tão bela que até o horror deve ficar de lado.