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Passos N.190, Abril 2017

IGREJA | PAPA EM MILÃO

O maior anúncio da história

por Paolo Perego

A visita do Papa Francisco à Milão. Um dia intenso que começou pelas “Casas Brancas”, na periferia da cidade, passou pelo Duomo, a penitenciária de San Vittore e o estádio San Siro. E ainda, a missa no Parque de Monza, onde foi acolhido e abraçado por um milhão de fiéis

Um dom e uma “pro-vocação”, escrita assim, com o traço: algo que nos chama em causa até a nossa raiz, que solicita a nossa liberdade de maneira profunda. Foi assim a visita de Papa Francisco a Milão no sábado, 25 de março. Apenas dez horas, desde o desembarque até a saudação final para voltar a Roma. No meio, a passagem pelas “Casas Brancas” da rua Salomone, na periferia, seguindo para a Catedral (Duomo) onde realizou um encontro com os padres da Diocese, e depois recitou o Angelus na praça. Almoço na penitenciária de San Vittore, com os detentos, e finalmente chegada a Monza às 15h. O local fica a pouco mais de 15 km da minha casa, mas às 9h já é necessário colocar a mochila nas costas e iniciar o trajeto. É um momento muito esperado e não quero perder nada.
Irei com um grupo e nosso encontro está marcado para às 10h, na estação de trem Greco. Há tempo para tomar um café com Mimmo e trocar duas palavras: “Ele vai passar por aqui. Vai vê-lo?”. “Vou convidá-lo para entrar e farei um café para ele”, responde, rindo. Acho que, se pudesse, Francisco realmente pararia nesta Cafeteria do subúrbio milanês. Da janela é possível ver as pessoas passando pela rua. “Olhe, todos estão indo tomar o trem”. “Sim, já vi muitas pessoas desde o início da manhã”. Todos saindo para ver o Papa, para esperá-lo, abraçá-lo, mesmo de longe. O telefone se enche de mensagens de amigos que já o viram em outros pontos da cidade. O grupo da minha paróquia começa a ganhar vida nas mensagens pelo celular. Dividimo-nos em 8 grupos de 50 pessoas. A previsão é de muito calor e um céu azul e claro que permite ver as montanhas no horizonte. Milão está pronta.
Ivo e Simão já estão no local do encontro. Os outros chegam aos poucos. Distribuem os crachás vermelhos do meu grupo. Vejo Patrícia, a representante da paróquia de São Dionísio que ajudou a organizar esta visita. Ela trabalhou durante duas semanas fazendo listas, distribuindo os grupos, reservando passagens de trem... “Esta noite, quero que me diga se valeu a pena...”, digo-lhe, curioso. Chega o trem e subimos. Emanuel e o filho. Antonio e Iole, com as crianças. Paolo, com a mulher. E os outros. Alguns deles ainda não conheço.
Chegando a Monza vejo um mar de pessoas subindo a ponte da estação. Alguns habitantes da cidade, das mesinhas dos bares, e os comerciantes, de dentro de suas lojas, observam a multidão colorida. Usando papel, um marcador de textos e uma vara cheia de pedras encontrada no chão, improvisamos um cartaz para servir de referência. Alessandro o segura.

A espera por “alguém”. Nossos amigos padres estão no Duomo. Padre Gabriel envia algumas fotos. Outras são enviadas por amigos. Alguns já estão no Parque, outros, na Praça do Duomo. Em todos os lugares, haverá alguém que conheço esperando pelo Papa. Olho para a multidão caminhando. A observação de Carrón sobre o livro Os noivos, de Alessandro Manzoni, se reascende diante de um povo de homens, mulheres e crianças, que seguem juntos para encontrar “alguém”. Serão todos loucos? Encontro-me com Domingos e Luisa. Eles têm dois filhos pequenos, são pessoas conhecidas, mas nunca tinha acontecido uma familiaridade assim. Conversamos sobre tudo, sobre as crianças, a escola, sobre as horas que nos esperam. “Olha que belo sol nos foi dado”, alguém diz, enquanto como em um canyon, um povo com milhares de histórias, rostos e expectativas, desliza entre os velhos casarões da cidade. Alguns quilômetros mais, e atravessarão os portões da Villa Reale, que também esperam, abertos: o Papa entrará por aqui.
No Parque, o espetáculo de centenas de milhares de pessoas que enchem o gramado na frente do palco mostra que chegamos. Os jovens acampam sobre lonas; ao lado deles, as famílias com as crianças. Em volta, centenas e centenas de pessoas quase a perder de vista. Não se conhecem. No entanto, todas estão ali pelo mesmo motivo. Come-se algo rapidamente. Já é quase uma da tarde. Papa Francisco está almoçando com os detentos da penitenciaria de San Vittore. Padre Gabriel mantém o grupo informado: ele e os outros padres, acompanhando o dia do Papa, estão entrando em Monza. Patrícia e os líderes dos grupos, que já estão dentro do Parque, também enviam notícias. Chegamos todos.
“Ontem mesmo escrevi um texto sobre por que estou aqui hoje, com mais de 50 anos, por que saí do meu sofá para esta façanha”, conta Paolo, jornalista, sentado em seu banquinho, entre um gole de Coca-Cola e um cigarro: “A verdade é que muitos católicos criticam este Papa: basta, eu venho para abraçá-lo”. Uma mensagem da minha família anuncia que o Papa está a caminho. Minhas filhas desceram com a mãe para saudá-lo enquanto passava. Há centenas de pessoas ao longo do percurso. Pergunto-me o que o Papa deve pensar ao vê-las. Dirá no Angelus do Domingo: “De verdade, senti-me em casa, e foi assim com todos, crentes e não crentes. Agradeço-lhes muito, caros milaneses, e lhes digo uma coisa: constatei que é verdade o que se diz: Em Milão, se recebe com todo o coração!”.

A alegria da salvação. Há uma movimentação no gramado. “Ele chegou”, todos dizem. Fora, perto das grades. Poucos minutos e o papamóvel aparece entre a multidão, os lenços são agitados enquanto ele passa. Francisco saúda a todos, sorrindo. Depois, desaparece da vista, enquanto faz a sua volta.
“Em nome do Pai...”. A voz está cansada. Todos percebem. Todos sabem o que fez antes. E o coração se enche ainda mais de gratidão por aquele sacrifício para levar a todos, mais uma vez, “o anúncio mais importante da nossa história”, como começou sua homilia no dia da Anunciação. “O novo encontro de Deus com o seu povo terá lugar em locais que normalmente não esperamos, nas regiões distantes, na periferia. Ali acontecerão encontros, ali se conhecerão; ali Deus se fará carne para caminhar junto a nós através do seio de sua Mãe. Já não será mais um lugar reservado a poucos enquanto a maioria fica de fora, à espera. Nada e ninguém lhe será indiferente, nenhuma situação será privada da sua presença: a alegria da salvação tem início na vida cotidiana da casa de uma jovem de Nazaré”. Não se ouve nenhum som. A espera é preenchida por aquelas palavras, pela possibilidade de um encontro “aqui e agora”.
Lembro-me do Inominado, do livro de Manzoni, e sua pergunta sobre a expectativa da multidão que ia ao encontro do Cardeal Frederico. O que mais pode atendê-la senão algo “aqui e agora”? Mas é preciso um caminho, feito de memória, de pertença ao povo de Deus e de abertura à Sua iniciativa. Por isso, o convite à hospitalidade própria de “um povo que não tem medo de acolher quem precisa porque sabe que ali está presente o seu Senhor”. Francisco volta a se sentar. O grande campo permanece em silêncio. Um milhão de pessoas.

Cansados, mas felizes. A missa termina, um grande aplauso saúda Francisco que parte para a próxima etapa, um encontro no estádio San Siro com os jovens crismandos e suas famílias. Oitenta mil pessoas o esperam. Recolhemos tudo, nos organizamos e começamos o caminho de volta para a estação. A multidão inteira movimenta-se ao mesmo tempo, não em partes, como na chegada. Respira-se alegria. Todos estão plenos daquilo que acabaram de viver. A volta é mais difícil. Há muitos congestionamentos. E há também o cansaço, e a chuva, que está chegando. O telefone se enche de mensagens. Cada grupo, disperso no mar de pessoas que atravessam a cidade, busca a melhor solução para o regresso. Em nosso grupo, ficamos em cinco. Às 19h30 entramos no trem. Vê-se rostos cansados por todos os lados, mas felizes. E ainda há oportunidade de falar sobre Francisco com uma pequena família que acabo de conhecer. Ao descer, caminhando a pé para casa, fico sozinho com Alessandro. “Obrigado por hoje”, é a única maneira possível de nos despedirmos. Ainda falta uma coisa. Patrícia, a organizadora: “Então, o que você me diz? O que você ganhou com esse trabalho?”. “Em primeiro lugar, o fato de caminhar juntos. Com a possibilidade de conhecer realmente as pessoas que você vê todos os domingos, mas de quem não sabe nem o nome, nem a história. Com um olhar diferente: a certeza de que estávamos indo encontrar um amigo. E, depois, diante do que vimos hoje, poder dizer ‘eu estava lá’”. Porque aquele “aqui e agora” acontecia ali.