IMPRIME [-] FECHAR [x]

Passos N.192, Junho 2017

SOCIEDADE | ARGENTINA

As duas frentes e uma presença

por Alessandra Stoppa

O Movimento Comunhão e Libertação está presente na América Latina há mais de 50 anos. Nesse período, foi fundamental para a vida de uma infinidade de pessoas nas universidades, nas periferias pobres e nos lugares mais remotos de vários países. Em recente assembleia, o testemunho de como é possível, hoje, enfrentar as dificuldades à luz do carisma de Dom Giussani

Horacio Morel, de Buenos Aires, fala sobre a Argentina

A história da violência argentina dos anos 70 é marcada por uma crescente politização da sociedade e da radicalização do espírito de 68 e da Revolução Cubana, da qual nasceram as forças revolucionárias da época. As mais conhecidas são os Montoneros e o Exército Revolucionário do Povo. “Mas toda a sociedade estava envolvida naquilo que estava acontecendo, ainda que não através de uma participação ativa”, explica Horacio Morel. Sua primeira lembrança política remonta a quando tinha 7 anos: “Eu estava com meu pai e minha mãe e da cadeia saíam os prisioneiros políticos que o Governo democrático estava libertando”. Era 1973. Três anos depois, acontece o golpe militar, com uma série interminável de atentados, sequestros, ações repressivas. E o drama dos desaparecidos.
“Um dado que sempre gerou inquietação em mim”, diz, “é que a Igreja estava presente em ambas as frentes”. Havia os padres terceiromundistas, que entraram na luta armada, e os coniventes com o regime militar. Lembra o caso do torturador oficial do Garage Olimpo, um dos centros clandestinos de detenção, que perguntou ao padre que o assistia: “Deus sabe o que estamos fazendo?”. “Vocês estão lutando contra o Anticristo”, foi a resposta.
Hoje, as feridas profundas daqueles anos não sangram só nas vítimas ou em quem precisa conviver com o que foi feito, mas em toda a sociedade argentina. O que a divide é um juízo que envolve o presente, porque “um povo encarcerado na sua história precisa libertar-se”. O contexto pode desenvolver-se, mas a mentalidade continuar lacerada. A partir de um drama ainda vivo e de como a Igreja no passado dele fez parte, Morel pergunta a Pe. Carrón por que ele insiste no testemunho como presença e não como militância.
“O que significa testemunho, e qual é a modalidade desse testemunho, eis uma questão que se reapresenta todos os dias”, diz Carrón. Em casa, com os filhos, com os amigos, no trabalho, em público: “Querendo ou não, inevitavelmente nós sempre temos uma posição cultural. O problema é onde ela tem origem, o que a determina. Tudo surge do sentimento que prevalece em nós: se prevalece a incerteza, o medo, o querer impor a nossa visão, ou se a fé gera uma posição original”. Pode-se chegar ao que se viu na história – cristãos em frentes opostas – porque a fé não é algo automático”, continua Pe. Carrón: “Precisamos mudar sempre, como muda a Igreja, que tomou consciência de si no tempo”. Optar pelo testemunho como presença não significa estar fora dos problemas. “Mas é essencial entender qual é a modalidade de presença. Quando eu era criança, na escola todos precisavam ir à missa. Pensava-se que era a forma de transmitir a tradição cristã. Mas faltava o interesse. E o resultado, todos o vimos”.

Insistência ou liberdade. Como se transmite, então, a verdade cristã? Pe. Carrón parte do Concílio Vaticano II: “A verdade não se impõe a não ser pela força da verdade em si mesma” (cf. Declaração Dignitatis Humanae, nº 1). Ele convida a julgar à luz dessa afirmação as próprias tentativas: “Cada um pode ver se a sua posição corresponde à natureza da verdade, que não tem necessidade de apoios externos”.
Na Evangelii nuntiandi, Paulo VI escreve: “O homem contemporâneo ouve melhor as testemunhas do que os mestres” (cf. nº 41). A testemunha é mais fascinante do que quem “ensina” alguma coisa e, sobretudo, porque se oferece à liberdade. “Qualquer posição que mortifique uma das duas – verdade ou liberdade – não é testemunho”. Ter uma posição de insistência significa não entender a natureza do homem e a natureza do cristianismo”, que não é um conjunto de “verdades”, mas uma atração onde fatos e palavras estão intrinsecamente ligados. É isso que o Cardeal Angelo Scola, Arcebispo de Milão, disse a respeito de Papa Francisco: “O seu modo de testemunhar a fé envolve a todos, mesmo os distantes. É uma abertura de 360 graus, um magistério que passa muito através dos gestos, não apenas das palavras”.
Continua Pe. Carrón: “Mas nós temos a paciência do caminho? De todo o tempo que é preciso para gerar um sujeito plasmado pela fé?”. Pensamos que seja mais eficaz e veloz, “dar as soluções. Assim confundimos a tarefa da Igreja. É fácil dar soluções, para que todos pensem do mesmo modo. Mas assim não se gera o eu, não se gera nenhum sujeito novo”.