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Passos N.196, Outubro 2017

SOCIEDADE | MEETING 2017

Espera vigilante

por Alessandra Stoppa

Uma semana para “aguçar a vista”. Nestas páginas, um pouco do que aconteceu em Rímini: qual é a herança que recebe? E como se torna “sua”? Aqui, as “respostas vivas” diretamente do Meeting

Parar, pensar. “É precioso”, diz o Papa. Parar “para considerar as grandes perguntas” que nos definem. É o primeiro valor que Francisco vê no Meeting de Rímini – o grande evento cultural do verão europeu nascido no âmbito de Comunhão e Libertação – como ajuda a cada um dentro da vida que corre, fragmenta-se, torna-se árida. Mas também como responsabilidade diante deste mundo de pouca memória, que se tornou “um triste rosário de conflitos”, dirá o Cardeal Pietro Parolin em sua belíssima colocação no último dia do evento.
No meio, uma semana de imersão na tarefa recebida: “Aguçar a vista”. O Papa escreve em sua mensagem: “aguçar a vista para decifrar nos muitos sinais – mais ou menos explícitos – a necessidade de Deus como sentido último da existência, para poder oferecer às pessoas uma resposta viva às grandes perguntas do coração humano”.
Dom Pero Sudar, Bispo auxiliar de Sarajevo, está entre os mais de 300 relatores de Rímini. Ele conta a história de um idoso muçulmano que morava em uma pequena vila da Bósnia durante a guerra e assistia ao massacre de seus vizinhos cristãos: era a “sua” gente que matavam e perseguiam. Depois de dois meses, suicidou-se. Deixou um bilhete: “Não posso mais viver porque não tenho mais ninguém com quem tomar o café”.
“Não lhe faltavam as pessoas, mas a humanidade”, diz Sudar. Ele vê no grito da consciência daquele homem uma luz, não o escuro, vê a única “matéria prima” que pode sempre devolver a esperança, mesmo nas situações mais difíceis: a raiz do humano, irremovível, a sede de uma vida que seja verdadeira.
Para aquele homem da Bósnia, não bastou não estar só. Também não basta existir, segundo Gianni Dessi, um dos artistas da Mostra de Arte Contemporânea, autor da grande mão que agarra a casa-lanterna colocada no centro, iluminando as perguntas, as inquietudes, as descobertas dos milhares de visitantes. Escreve: “É no relacionamento com a história que se funda o nosso ‘aqui e agora’. Apenas o fato de existir não significa nada”. A semana em Rímini é um desdobramento desse relacionamento, de todas as maneiras – dramáticas, cordiais, ferozes, criativas ou mordazes – com que se vive a relação com a própria história, pessoal e coletiva, com as origens, a cultura, a fé, a família, os grandes mestres e os grandes ideais, os valores, as feridas. Tudo o que carregamos.
A primeira consciência trazida pelo título de Goethe (“O que herdaste de teus pais, reconquista-o, para possuí-lo”), é exatamente a de um “receber”. “Todas as coisas, para serem encontradas, devem ser perdidas, perdidas como realidade que nos pertence, e encontradas como dons”. Esta é uma passagem da palestra de Pierbattista Pizzaballa, Administrador Apostólico do Patriarcado Latino de Jerusalém. Em um título feito de palavras solenes, segundo ele há uma pequena e importantíssima palavra subentendida: tu. O que “tu” herdaste... “Precisamos nos tornar pessoas. Adultos”, diz: “Não se nasce pessoa, torna-se pessoa. Se não, tudo permanece abstrato”. E nos ajuda a entender “o quê” herdamos: não apenas os modos, as tentativas, os sonhos e os sacrifícios dos nossos pais, mas, antes de mais nada, o desejo deles. “Fazer memória não por nostalgia, mas para despertar o desejo”. Procurar tornar presente o que normalmente, para o mundo, é uma lembrança: as grandes perguntas, mas também as grandes respostas vividas por quem nos precedeu.
É a memória que vive uma jovem senhora, feliz por ter sido escalada para fazer a limpeza dos pavilhões, porque tem certeza de que “Deus continuará a me recolher assim como eu recolho essas bitucas”. Os voluntários são – sempre – a primeira maravilha do Meeting. Os mais de 2.000 que trabalham durante a semana do evento e os 400 que o construíram, vindos de todas as partes, do Canadá à Rússia, a Madagascar, à Indonésia, ao Brasil, para fazer, na maioria das vezes, trabalhos ocultos aos olhos de todos.

O sal e os monges. Durante aquela semana ocorreram muitos “Meetings dentro do Meeting”, ou seja, os espaços onde se multiplicavam as conversas, os testemunhos, atividades fora da programação, enquanto nos palcos se alternam os debates sobre economia, saúde, ciência ou política, com convidados do mundo inteiro.
Lembrará o Cardeal Parolin no encerramento: “Há uma palavra que devemos repetir até nos cansarmos: diálogo”. Certamente não cansa ver como se abre o horizonte quando o diálogo acontece, como foi ouvir o testemunho do chef venezuelano Sumito Estévez sobre um país que está “à beira do abismo”. Fala sobre empreendimento social e sobre como pessoas desconhecidas correram para ajudá-lo quando teve sua escola de culinária destruída: “No dia em que renasci da lama, não fiquei mais surdo ao encontro com o outro”. E vendo, juntos, o núncio Silvano Maria Tomasi, o rabino David Rosen e o muçulmano Mohammad Sammak, aprende-se uma coisa simples e radical: “É decisivo conhecer uns aos outros”. Também se aprende a “santa inveja” deles por aquilo que há de verdadeiro no outro: “Descobrir este divino é uma obrigação”, diz Rosen.
Se não se controla o sal, o solo torna-se um deserto, dirão os empresários calabreses da exposição “You are the salt of the earth” (Vocês são o sal da terra), que receberam de um Bispo 500 hectares de terra para cultivo onde investiram energia e dinheiro, mesmo sem serem os proprietários. No final da mostra, as perguntas que surgem, mais do que serem respondidas, tornam-se suas: o que significa “possuir”? Por que uma coisa, para florescer, deve ser dada? De onde vem a liberdade naquilo que se faz e se tem?
O Meeting acontece poucos dias depois dos atentados de Barcelona, enquanto a Itália é atingida mais uma vez por um terremoto e se inflamam as polêmicas sobre as imigrações na Europa: a contribuição que Luciano Violante, curador de um ciclo sobre a “Mudança de Época”, vê neste lugar é “a absoluta falta de cinismo, uma espécie de inocência do conhecimento”, enquanto em volta prevalece um “dar de ombros”. Depois de 38 edições, embora crescendo em dimensão e apesar de todos os limites, o Meeting de Rímini mantém um caráter não formal, pessoal, onde há um lugar para todos e para todas as paixões, e onde cada um faz o seu percurso.
Todos os dias dezenas de pessoas se encontram para a oração ecumênica no espaço dedicado à amizade entre Dom Giussani e os monges do Monte Koya e é isso que toca o coração de Wael Farouq, convidado com os amigos muçulmanos para participar deste momento junto com cristãos, budistas e judeus. No primeiro dia foi pensando que seria um gesto um pouco formal: “Depois, percebi a sinceridade da oração deles. Fui surpreendido. E senti vergonha. Foi assim que redescobri a importância da pessoa, não da ideia. Presença é isso: estar atento à pessoa”. É a perspectiva que redime tudo: na justiça restaurativa, no estar em guerra e abrir os hospitais católicos na Síria a qualquer pessoa, quer “seja Pedro ou Mohamed”, diz o núncio Mario Zenari. A pessoa é a chave, também na busca de entender o fundamentalismo, como diz Olivier Roy: “Os valores europeus não querem dizer mais nada: é preciso oferecer um espaço de espiritualidade”. E a exposição sobre a Rússia Cristã é uma ajuda, fazendo uma releitura da Revolução como radicalização violenta de um “vazio”: afirmando a ideia de um homem novo, negou-se a pessoa, a sua liberdade.

“Não se vive de renda”. Pouco a pouco, a herança fica clara: a primeira tradição, para o mundo de hoje, é o “eu”, a pessoa e o seu esforço, sem o qual não existe nem povo, nem comunhão. Isso é muito concreto, também pelo simples fato de se ver tantas pessoas – adultos, jovens ou velhos – irem aos encontros ou às exposições com uma postura de pergunta, como dizendo: vim aqui para mudar.
Encontramos isso em vários pensamentos que o compositor Claudio Chieffo anotava em suas cadernetas com a inocência de uma criança, mesmo sendo adulto, ao longo de toda uma história que nunca terminou, e na qual, em Rímini, um povo surge: “Há apenas uma coisa que tenho certeza de que devo fazer: mudar. E há apenas um modo de mudar: amar. E apenas um modo de amar: Cristo”.
“É preciso se lembrar bem disso”, dizia Pizzaballa: “Perde-se tempo esperando grandes ocasiões, mas não são estas que mudam a vida. A diferença não acontece pelo evento em si, mas pela qualidade do próprio jogar-se, pela consciência de que a vida é nossa”. “Não se vive de renda” é a frase escrita na área de fast-food. Aprende-se isso com os voluntários, ou com os personagens bíblicos – tão imperfeitos, mas que tomam nas mãos o próprio destino – apresentados por Joseph Weiler num debate com o público e padre Stefano Alberto. Ou vendo os mais experientes deixarem-se reavivar ou desconsertar pelos jovens na exposição sobre o trabalho.
“O trabalho pode ser vivido plenamente se enquanto trabalhamos nos lembramos de quem somos”, diz padre Mauro-Giuseppe Lepori, abade geral da Ordem dos Cistercienses, caminhando pela Feira. Para ele, o título descreve o filho pródigo: “A herança não é o dinheiro que desperdiça, mas o pai. A nossa herança é sermos filhos. E o coração de cada homem sabe disso: através da cultura, da ciência, da história... através de tudo nosso coração anseia por este ser filhos. E não importa a concepção que se tenha, o encontro acontece por causa dessa consciência comum”. Depois, acrescenta: “Nós desperdiçamos a herança, mas Deus não desiste nunca de torná-la recuperável”.

Imprevisto. Na Arena ressoam as palavras de Caim, interpretando os “pais e filhos” da Bíblia reescritos por Fabrizio Sinisi para um dos quatorze espetáculos: “Pai: matei, errei, traí todas as coisas, destruí tudo o que toquei – mas nunca, em nenhum momento, me esqueci que era filho. O abismo que carrego e que sou, o vazio que não sei preencher, a ferida em que consiste o meu coração devastado, o mal que represento – tudo fala de ti, pai, tudo clama por ti”. Nada, e ninguém, é excluído. Há uma herança magnífica também para os filhos – nascidos da violência – das mulheres raptadas pelas milícias ugandenses, constrangidas a matar os familiares e para as quais aquelas crianças eram o estigma do passado, seu sentimento de culpa. Mas aprenderam a amá-las, independentemente de como vieram ao mundo, quando foram acolhidas por Irmã Rosemary Nyirumbe: “Aquelas crianças têm uma herança em Deus”, diz: “E podem voltar a ocupar o lugar que Deus reservou para elas quando as criou”.
Há uma nota dominante no Meeting que é a estima pela humanidade do outro, pela sua tentativa, demonstrada nos aplausos durante os Encontros, ou no final das visitas guiadas, independente das opiniões e da proveniência das pessoas. Fausto Bertinotti, um ex-político italiano, tem um diálogo intenso com os jovens e diz o que sente como urgente, hoje: “A espera vigilante pelo imprevisto. Vocês são mestres nisso”. O imprevisto é “aquilo que irrompe na cena e não podíamos prever. Mas se estamos preparados, favorece a liberdade. Portanto: confiemos no imprevisto e nos preparemos para ele”.
Lembro-me do estupor do Bispo da Bósnia caminhando pela Feira pela primeira vez. Ele para e pergunta: “Mas, toda a Itália está aqui?”. Está habituado a participar de Conferências, e os números que costuma ver – sobretudo de jovens – não têm nada a ver com os de Rímini: “Ninguém mais tem interesse em escutar. Sobretudo em sacrificar um dia de verão. Aqui, há uma força arrebatadora”. É um diálogo pessoal comigo, mas, como se estivesse diante de todas as pessoas que passaram pelo Meeting, diz que espera que continue assim: “Vocês precisam se empenhar com o bem mesmo quando tiverem certeza de que não dará resultado. O bem nunca perde”.