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Passos N.196, Outubro 2017

FÓRUM CDO

Aceitar o desafio e desafiar

por Bernhard Scholz

A partir da reflexão sobre a Laudato si’, o presidente da CdO internacional propõe uma posição ativa e protagonista diante dos desafios de uma mudança de época

O parágrafo 47 da Laudato si’ ressalta que as dinâmicas da mídia e do mundo digital tendem a substituir as relações reais, com todos os desafios que elas trazem. A internet nos permite selecionar ou eliminar as relações e gera emoções artificiais, que têm a ver mais com dispositivos e monitores do que com as pessoas e a sua natureza.
Os meios atuais nos permitem comunicar e partilhar conhecimentos e afetos. Mas, às vezes, também nos impedem de tomar contato direto com a angústia, a trepidação, a alegria do outro e com a complexidade da sua experiência pessoal. Por isso, não deveria surpreender-nos o fato de, ao lado da oferta sufocante desses produtos, ir crescendo uma profunda e melancólica insatisfação nas relações interpessoais ou um nocivo isolamento.
Diante de tudo o que vimos neste Fórum, diante dessa mudança de época, o que podemos fazer? É preciso fazer com que a vida se torne experiência. E como ela se torna experiência? Quando você é capaz de captar o significado que as coisas têm para você. O trabalho torna-se cada vez mais um dos poucos momentos em que as pessoas podem fazer experiência de si mesmas, se positivamente provocadas a isso. (...) Uma pessoa que faz essa experiência de si começa a desenvolver todos os critérios de que falamos antes: um uso correto do lucro, um uso correto das tecnologias, um uso correto das relações, uma valorização correta das pessoas, uma forma correta de dar responsabilidades, etc. Porque emerge toda a bondade da sua vida, todos os critérios que encontra em si. (...)
Então, tem de haver alguém, concretamente, que desafie a uma atração. Se eu não desafiar, quem vai desafiar? Se eu vivo numa empresa e não desafio os meus colaboradores ou os meus chefes ou os meus colegas, quem o faz? (...) Se isso não ocorre, nos tornamos escravos do que acontece, porque não nos colocamos como sujeitos.

Outro ponto crucial nesse trajeto é o tema da educação. Acabou o tempo em que eu podia dizer aos jovens como deviam se comportar. Eu devo provocar neles uma tomada de consciência de acordo com a sua idade, despertar os jovens para si mesmos. Portanto, quanto mais vivemos a grande tentação da substituição do homem através da tecnologia, mais cresce a grande oportunidade do homem de descobrir a si mesmo. (...) Mas precisa ser desafiado. E esse desafio não pode ser algo abstrato, depende de mim, que desafio e me deixo desafiar.
Para poder desafiar, preciso ser desafiado, preciso de dois dias como estes que me tiram da minha comodidade e da minha zona de conforto. Preciso de uma companha que me desperte, que me diga por que vale a pena enfrentar os problemas, que me diga que é possível enfrentá-los. Por que vencem tantas formas de distração ou de alienação? Porque o homem está sozinho, atomizado. As nossas sociedades modernas são um sistema de átomos, de nômades que giram ao redor do nada; porque o pertencer é vivido virtualmente e não existencialmente. Então é preciso que haja lugares de relações verdadeiras e principalmente estáveis no tempo, porque só relações estáveis no tempo endereçam um verdadeiro desafio. (...) Acredito que pessoas, que têm certezas sobre determinadas situações, se ouvirem pessoas que lhes façam certas perguntas, vão enfrentá-las de uma maneira diferente.

Devemos dialogar o mais possível com todas as pessoas que encontramos. Não podemos ter medo de encontrar as pessoas, mesmo que pensem e vivam de forma completamente diferente. Temos de encontrá-las, porque nós, se quisermos ser realmente nós mesmos, precisamos levar ao mundo o que carregamos conosco. Não estamos aqui por acaso, fomos escolhidos, e não podemos esconder isto. Fomos escolhidos não porque temos a resposta para todas as perguntas, mas justamente porque temos a capacidade de colocar as perguntas corretas. Não há nada de mais necessário, quando estamos diante do cenário em que vivemos, do que colocar as perguntas corretas. Sem pretensões, mas com uma grande consciência daquilo que recebemos.