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Passos N.196, Outubro 2017

CULTURA | CLAUDIO PASTRO

Uma amizade através da arte

por Ubiratan J. A. Silva

Há um ano, em 19 de outubro, falecia em São Paulo o artista plástico Claudio pastro. Nos anos, a mudança para um traço mais essencial e uma vida mais próxima do Senhor. Suas obras, espalhadas no mundo todo, nos ajudam a fazer experiência da beleza que nos leva ao Mistério

Tive a oportunidade de viver uma grande amizade com Claudio Pastro, pois trabalhamos juntos por aproximadamente 34 anos. Conheci o Claudio em 1980, antes do término do curso de arquitetura, quando eu frequentava a Casa Cultura e Fé (na época, a sede de CL), no bairro de Perdizes.
Era nesse local que Claudio tinha seu atelier. Lembro-me dos primeiros cartões, das pinturas de Páscoa e de Natal na varanda de entrada da casa. Ele não tinha nenhum receio de pintar sobre a sua própria obra, era de uma liberdade impressionante.
Era o início da presença do Movimento Comunhão e Libertação em São Paulo e Pe. Francesco Ricci tinha levado seus trabalhos para serem divulgados na Itália. Desde logo percebi a riqueza de sua arte, passando a admirar seu trabalho e perceber a qualidade artística que apresentava, o dom da sua vocação.
O primeiro projeto que fizemos juntos (arquitetura e arte sacra) foi uma Casa de Campo, localizada na represa de Nazaré Paulista. Era um local preparado para ser a sua residência, junto com os padres João Carlos e Vando. Mas Claudio não conseguia viver a vida de eremita, essa não era a sua personalidade; embora gostasse muito do silêncio e da vida simples, sua arte estava espalhada pelo Brasil todo, seu coração queria o infinito.
Alguns anos depois, projetei e construí a sua residência-atelier em Itapecerica da Serra, a Casa São Lucas. Foi uma grande aventura, época de um convívio intenso e, com a ajuda dele, de grandes oportunidades de trabalho.
Essa parceria entre projeto de arquitetura e arte sacra perdurou por muitos anos. Desenvolvemos juntos vários projetos de igrejas, capelas, mosteiros: uma grande parceria no tempo.
Uma das coisas que mais admirava no Claudio era a sua imensa generosidade e a sua simplicidade, o que fica evidente na elegância do seu traço, que com o tempo foi ficando mais essencial. Isto fica visível na igreja de São Bento do Morumbi, cujo presbitério conta com um grande painel da história da salvação, executado na década de 1980. Muito anos depois trabalhamos juntos na reformulação da Capela do Santíssimo, na qual ele pintou os discípulos de Emaús – a diferença e a evolução do seu trabalho ao longo do tempo são evidentes. Sua arte tornou-se cada vez mais densa, profunda e mais cheia de vida.
Fizemos juntos a reforma da Capela monástica da Abadia São Geraldo, em que o espaço litúrgico seguia todo uma nova forma, atendendo às indicações da reforma litúrgica baseada no Concílio Vaticano II. A dinâmica do espaço foi toda determinada pela vivência cristã: batismo, palavra e eucaristia.

Uma vida realizada. Claudio carregava sempre uma grande alegria na sua vocação, era um homem de muita fé e cheio de certeza. Era firme nas suas convicções, mas também dócil para mudar de ideia, na busca da beleza e da funcionalidade. Sempre à procura do essencial e do belo, sua pintura foi se transformando, com o tempo, tornando-se cada vez mais simples e marcante.
Era dono de um temperamento forte. Falava com uma franqueza às vezes ácida, e quem assistiu a seus cursos e palestras sabe bem disso. Tratava-se de sua intensa busca pela verdade, que o fazia não ter medo de se opor às opiniões divergentes. A doença, enfim, acentuou a consciência de que a vida era uma graça, e por isso não tinha medo de enfrentar a polêmica e afirmar aquilo em que acreditava.
Nos últimos tempos estávamos trabalhando em vários projetos, alguns ainda iniciais que ficaram inconclusos, como o projeto da ampliação da capela da Trapa, no Paraná; a entrada da igreja Santa Generosa, em São Paulo; e a Capela da Casa de Retiro das Irmãs Marcelinas, em Santana do Parnaíba.
Depois do seu transplante de fígado, em 2001, brincava com ele dizendo que Nossa Senhora só permitiria que morresse quando terminasse a sua grande obra na Basílica de Aparecida. Acho que ela sabia que só ele seria capaz de trazer a beleza àquele espaço, e foi isso o que aconteceu.
Vivenciei com Claudio sua última viagem a Aparecida, em que entregou o projeto do forro da Basílica. Lá ele me mostrou os sinos que haviam chegado e a Porta Santa, com uma alegria e uma satisfação incontidas, apesar do agravamento da doença. Foi um dia memorável para mim. Eu tinha viajado com ele para verificar a possibilidade de um trabalho por indicação sua, em Guaratinguetá. Logo depois veio o agravamento da doença e a sua última internação.
Claudio foi um grande mestre – na sua arte tudo tinha um significado, nada era gratuito, cada traço era carregado de vida e de sua experiência de Cristo! Com ele aprendi que a liturgia não era um aspecto formal, mas expressão do contato com Deus e o espaço sagrado é a possibilidade de fazer o encontro com o Mistério. A marca de seu traço ficará para sempre na história da arte do Brasil e da Igreja.
Foi-se um grande amigo, mas ganhei um intercessor no céu.