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Passos N.97, Setembro 2008

EXPERIÊNCIA - SÃO PAULO

Em busca da Beleza

por Eliandro Pereira da Silva

Uma proposta de uma convivência para o final de semana: são as férias da Associação, com testemunhos, jogos e música. O tempo livre, vivido com seriedade, gera satisfação e alegria. E a experiência não termina ali

A Associação dos Trabalhadores Sem Terra promoveu nos dias 4 a 6 de julho deste ano um momento de férias, reunindo 130 pessoas. O local foi a Fazenda Monjolinho no alto da serra do Itaqueri, município de São Pedro, a 200 km de São Paulo O grupo representava todo o universo da Associação: pessoas que já construíram sua casa, pessoas que ainda estão envolvidas no processo para aquisição do terreno, pessoas que já adquiriram seu diploma universitário, pessoas que estão se preparando para entrar na universidade, coordenadores, voluntários que ajudam nas reuniões semanais, alguns membros de Comunhão Libertação.
Todos os anos, a Associação promove dois momentos de férias, mas no passado, antes do encontro com CL, as férias eram propostas somente para os coordenadores e suas famílias. Este foi o terceiro momento de férias aberto a todos. Na experiência da Associação, esse momento tem um aspecto metodológico muito preciso: é um momento em que as pessoas param todas as atividades e viajam para algum lugar em que possam fazer a experiência de encontrar o belo. Cleuza e Marcos Zerbini sempre lembram que esse momento não é uma fuga da realidade e dos problemas cotidianos, mas as férias são para que – diante dos problemas cotidianos – as pessoas sejam ajudadas a lembrar que o horizonte da vida não são os problemas, mas a busca da felicidade, da experiência da Beleza.
As férias começaram na sexta-feira com a chegada para o almoço, mas, devido a problemas de trabalho, a maioria dos participantes só conseguiu chegar à noite, para o jantar. Os que puderam chegar antes se ocuparam em conhecer o lugar para ajudar os amigos a caminho a aproveitarem melhor os dois dias que restavam. Entre as atrações do lugar, havia piscina com tobo-água, campo de futebol, quadra coberta, ginásio poli-esportivo e teatro.

Como o leproso
No sábado, logo após o café da manhã, houve um momento de oração em que padre Douglas Arão comparou o fato narrado no Evangelho, a cura do leproso, (Lc 17, 11-19), com aquele momento de férias: “A Associação tem mais de 100.000 inscritos e nós estamos aqui em 130, ou seja, menos de 1%. E estamos aqui por quê? Porque não nos basta resolver o nosso problema da casa ou da universidade; nós temos necessidade de uma companhia. Assim como aquele único leproso que voltou: não tanto para agradecer o fato de Jesus ter resolvido o seu problema, mas aquele samaritano voltou porque queria ficar com Jesus. Os leprosos que não voltaram não foram somente ingratos, o pior é que eles não se deram conta da excepcionalidade do encontro que tinham feito!”.
Em seguida, foi proposto um passeio de dez minutos a pé até uma cachoeira com uma queda d’água exuberante. Antes de começarmos a descida para a cachoeira, Marília e padre Cassio dirigiram alguns cantos: Viva la companí, Carbón... Foi bonito perceber que, para as pessoas, não havia separação entre o momento de oração e aquele momento de cantos, mas tudo fazia parte de um todo único.
Bracco, o responsável nacional de CL, chegou logo após o almoço. A sua presença estava sendo aguardada com entusiasmo por muitos dos Sem Terra, e Cleuza explica esse entusiasmo: “Eu tenho falado muito do Bracco na Associação. Tenho explicado que nós seguimos o Carrón que está lá na Itália e, para favorecer esse seguimento, Carrón nos indicou o Bracco. Nós precisamos sempre seguir alguém: quem não segue ninguém não pertence a nada”.

Cristo é uma pessoa
No sábado à noite, Bracco deu um testemunho sobre o seu encontro com Comunhão e Libertação: “Quando tinha 16-17 anos, experimentava uma insatisfação muito grande, como um grande vazio. Os domingos eram os piores dias, porque não acontecia nada e, no dia seguinte, recomeçava a escola, e a escola para mim era só um parêntese chato entre aquilo que me divertia. Então, alguns amigos do meu bairro me convidaram para ir a um encontro do Movimento CL. Eu fui, mas nem consegui entrar, o salão estava cheio. Eu fiquei do lado de fora, atrás da porta, sentado no chão e só conseguia escutar a voz rouca de um homem que era Dom Giussani. Eu não o via, mas esse foi o meu primeiro encontro com ele. Fiquei impressionado com aquela voz e mais ainda com pessoas que pareciam ser tão contentes, e assim comecei a frequentar o Movimento. Uma outra coisa que me marcou é que eu me surpreendi mudado, e as pessoas me falavam: ‘você está diferente’, mas eu continuava o mesmo, com os mesmos defeitos, fazendo as mesmas besteiras, mas eu era um outro. Acho que a mudança só é possível porque Cristo é uma pessoa: é alguém que pode entrar por aquela porta e sentar do seu lado, como disse Dom Giussani...”
De fato, Cristo estava presente, pois não há outra maneira de explicar o silêncio e a atenção que as pessoas estavam dispensando a alguém que haviam acabado de conhecer. Com certeza, para muitos, foi a percepção de que aquela experiência de tristeza que Bracco contava estava presente em muitos momentos de seu dia-a-dia, e a possibilidade de algo que pudesse preencher esse vazio enchia a todos de atenção e silêncio, como um pedido que aquilo fosse possível também para eles.
A noite continuou com uma festa muito animada em volta da fogueira: quadrilha, quentão, pipoca, bolo de fubá...

Uma beleza que atrai
A assembleia do Domingo de manhã foi uma enxurrada de agradecimentos: todos agradeciam à Associação por aqueles dias, não somente porque se sentiam entre amigos, numa companhia agradável, mas também porque cada um se sentia valorizado do jeito que era.
Uma senhora contou que ao chegar tinha ficado chocada porque os quartos não tinham chaves nas portas e ficou mais chocada ainda quando se deu conta que ninguém havia mexido em suas coisas: “Como seria bom se, nos lugares em que moramos, houvesse essa mesma confiança entre as pessoas”. Uma outra senhora contou que ela achava que as pessoas da Associação eram todas “generais”, mas que ali percebeu que havia uma humanidade e uma amizade entre elas que era fascinante e que ela queria para si.
Dois universitários, do curso de Educação Física, que já haviam participado do gesto das férias no ano anterior, disseram: “Quando ouvimos o convite para as férias, pensamos: se for com o mesmo pessoal das férias anteriores, nós vamos!”, e é comovente perceber que pessoas acostumadas a superar os problemas mais espinhosos em seu dia-a-dia, como moradia, saúde ou educação, possam confiar e apostar em uma amizade de maneira tão imediata e totalizante. É uma bofetada na nossa presunção de independência.
Estava também presente Anna, uma professora italiana que estava no Brasil para acompanhar o marido que participava de um congresso exatamente naqueles dias. Ela havia conhecido o pessoal da Associação três dias antes e, assim que soube das férias, decidiu abandonar o conforto do hotel para acompanhar os amigos recém-encontrados. Ao final, ela declarou: “A primeira vez que cantei Ho un amico eu tinha 16 anos. Fiquei emocionada por cantar novamente essa música com vocês, porque foi a experiência do encontro que se atualizava”.
Bracco encerrou a assembleia dizendo: “Vocês estão contentes por esses dias, mas quando voltarem para casa, lembrem-se de que esses dois dias não acabam aqui. O que vocês viram aqui é para a vida toda”.
Era visível o sentimento de letícia estampado no rosto das pessoas por terem podido ir àquelas férias, pois, como afirmou Deives, profissional da área da saúde, “participar de um encontro no final de semana na companhia dos amigos da Associação, mostrou-se clara a presença do Tu, de Cristo em nosso meio” e o que é que a presença de Cristo nos mostra? A Beleza. “Cristo atrai-me todo a si, tão belo é”, como nos lembrou Carrón nos Exercícios da Fraternidade de 2007.