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Passos N.200, Março 2018

VIDA DE CL | VENEZUELA

“Eu nasci do barro”

por Alessandra Stoppa

A história de SUMITO ESTÉVEZ, estrela da TV e hoje educador e empreendedor social num país exaurido. Mas qual é o sentido de ensinar e cozinhar lá onde o povo passa fome? Aqui ele fala da “resistência” do humano, e do seu encontro com o cristianismo

Sumito Estévez é um chef venezuelano conhecido em toda a América Latina. Recebeu o Batismo no dia em que completou 50 anos de idade. Diz que não foi o medo de se tornar velho, da doença ou da morte, que o aproximou da fé. “Nem sou um viciado que decidiu mudar de vida”, esclarece. “Eu me converti porque há anos vejo pessoas cristãs que são de fato cristãs”.
Ao longo da sua carreira abriu e dirigiu oito restaurantes, conduziu programas culinários na TV e no rádio, publicou livros e assinou colunas em jornais e revistas. Com o colega Héctor Romero fundou o Instituto Culinário de Caracas. Tudo contradizendo a sua absoluta timidez. Nem ele consegue explicar isso. “Toda vez que preciso falar em público fico aterrorizado. Mas quando abro a boca sou uma metralhadora”.

Autoestima. Em 2009 mudou-se para a Ilha de Margarita, ao largo das costas venezuelanas, no Mar do Caribe: o lugar perfeito para fugir do trabalho sob a luz dos refletores, mas também para a vida com que ele e a esposa Sylvia sonhavam. “Somos um casal solitário, amamos a companhia recíproca, passar o tempo juntos”. Um ano antes da mudança, porém, começam a construir na colina da ilha uma escola culinária. Mas, apenas um mês após a inauguração, todo o investimento e o esforço deles vão por água abaixo, por causa de uma inundação.
Naquela manhã, encontram-se sentados nos degraus da escola, só eles dois, em silêncio, impotentes. “De repente começam a chegar os vizinhos”, conta. “Vizinhos que não nos conheciam, mas que começaram a retirar o barro. Eu não entendia mais nada. Por que estavam nos ajudando se não eram nossos amigos?”.
Quando Sumito apresentou o seu testemunho no último Meeting de Rímini, disse que vindo de um país “à beira do abismo”, como a Venezuela, ele oferecia a história simples de um homem “que nasceu do barro”.
Gastou um ano para levantar de novo a escola, “mas naquela manhã eu mudei para sempre”. Jamais pensou que, muitos anos depois, seria batizado na fé católica, mas “tudo começou com aqueles desconhecidos que vieram nos ajudar. A partir daquele dia não fiquei mais surdo ao encontrar-me com os outros”.
Então a sua história se encheu de nomes, rostos e ainda mais trabalho. Sumito não é só embaixador da cozinha venezuelana no mundo, é também empreendedor social e educador. A cozinha e a educação são os instrumentos com os quais ajuda o seu país dividido e exaurido. Suas palavras são sempre marcadas pela dor, por causa do que está acontecendo lá. Sobretudo quando perguntam a ele qual o sentido de ser cozinheiro e formar outros cozinheiros num cenário de pós-guerra, onde o povo passa fome. Para ele, sobretudo na Venezuela de hoje, cozinhar é algo subversivo. “É a resistência mais importante, a resistência do humano, da cultura. As ditaduras podem mudar os nomes das cidades, das montanhas, dos lagos, podem mudar as bandeiras, as moedas, a burocracia. Mas não poderão jamais retirar do povo a Reina Pepiada...”, a típica torta venezuelana.
Ele e Sylvia também viveram o desemprego, e não foi fácil. Ainda hoje não está sendo fácil. Sumito cozinha com os poucos produtos que encontra, sem desperdiçar nada, e forma novos cozinheiros também entre os jovens desempregados e pobres. Com a Fundação Fogones y Bandera abriu duas escolas culinárias e dá cursos de empreendedorismo gastronômico para formar as famílias, em suas casas, e criar o microemprego. Ensinar e valorizar ao máximo possível a paixão e a tradição cultural de cada um, para ele, é lutar contra o fator mais forte (e menos pesquisado) da pobreza: a autoestima.
Oscar era um jovenzinho de um povoado de montanha a mil quilômetros da ilha. Um dia, Sumito recebe uma carta dele: “Eu recebia muitas cartas, todas com pedido de ajuda. Ao invés, ele não me pedia nada, só me falava do amor que sentia pela cozinha e me mandava a sua bênção”. Ele e Sylvia procuraram o jovem e convidaram-no para uma visita, lhe ofereceram uma bolsa de estudo e um trabalho no restaurante deles. “Agora Oscar é um confeiteiro importante na Cidade do México”, diz Sumito com orgulho. A partir do encontro com Oscar, hoje, através da Fundação, eles criaram um sistema nacional de bolsas de estudo.
A quem lhe pergunta por que não vai embora do país, ele diz: “No dia em que eu tiver apenas uma cabeça de alho, agradecerei a Deus e farei de modo que seja o melhor alho colocado num prato para tornar alguém feliz. Continuarei a estudar, a criar redes e trabalhar pelo empreendedorismo social, procurando dar a minha contribuição para a reconstrução do país. Farei isso carregando as minhas dúvidas, os meus temores, indo e voltando. Mas desde que me tornei cristão, tudo isso se tornou mais simples”.

O rosto de Meche. O fato decisivo na conversão aconteceu em família. A mãe de Sylvia, Meche, estava muito doente e por isso decidiram levá-la para a casa deles, onde ela viveu os seus últimos meses de vida. Ela sofria muito, e o seu rosto estava sempre marcado pela dor. “Uma noite, logo que chegou em casa, Sylvia me pede para chamar um padre. Eu não sabia como fazer. Fui até a igreja, ali perto, mas como era tarde, o padre obviamente não estava. Assim, telefonei para uma amiga, que nos encaminhou o padre Irineu”. Sumito assiste, pela primeira vez, à Extrema Unção, sem ter ideia do que era um sacramento. “Vi aquele padre chorar, tomar Meche pela mão e agradecê-la por lhe ter permitido viver aquele momento. E vi, pela primeira vez, a paz no rosto da minha sogra. Ela sorria. Morreu cinco horas depois, sem jamais perder aquele sorriso. Foi o encontro da fé comigo”.
Filho de dois comunistas que se conheceram em Moscou, em 1959, Sumito cresceu numa família “muito bonita, mas onde nunca se falou de Deus”. Formou-se em Física, como seu pai. “Já então havia em mim alguns sinais, mas eu não os tinha entendido. Eu ficava incomodado quando se falava de teorias anticriacionistas”, embora o divino nunca tenha sido objeto de qualquer conversa. Até que a vida se encarregou de mostrá-lo. “Nunca tinha ido à missa. Mas a certa altura me dei conta de que as pessoas que me impressionavam, que me marcavam ou me ensinavam alguma coisa eram católicas. E o faziam com o próprio exemplo, com um modo de viver a vida”.
Um ano depois da morte da sogra, 8 de setembro, ele vai à procissão de Nossa Senhora do Vale. Quando a imagem dela passa a seu lado, ele começa a chorar. Algo muito raro no caso dele. No final da procissão, volta-se para a sua mulher, e lhe diz: “Eu sou católico!”. Um dia depois vai procurar o padre Irineu, que um ano antes havia dado a Extrema Unção à sua sogra. “Eu lhe disse que queria me converter”. Começa, então, um período de estudo e catequese, e no dia 22 de outubro de 2015 recebe o Batismo na igreja do Cristo da Boa Viagem de Pampatar.
Nestes anos, fazendo empreendedorismo social, encontrou o movimento de CL, através do amigo Alejandro. “Quando me pediram para apresentar a biografia de Dom Giussani, sem nenhuma lógica eu disse sim... E encontrei para mim palavras muito importantes. Comecei a aprender a rezar, porque quando eu ia à missa era algo meio mecânico”. Para ele foi o encontro com “um método”, que “me ajuda a sair de um modo inconsciente de viver a liturgia”. Diz isso pensando num fato dramático, dentre muitos que marcam a vida do seu país.

A mãe e o assassino. Durante uma manifestação antichavista, um soldado matou à queima-roupa um estudante universitário. A mãe desse jovem, entrevistada no velório, pediu justiça e perdoou a pessoa que o havia matado. “Foi o fim-do-mundo. Aquela mulher foi massacrada nas redes sociais e na mídia, porque só uma mãe degenerada pode perdoar o assassino do próprio filho”. Sumito ficou impressionado com o fato de entre os que reagiram assim haver até católicos. “Eu não entendia, me perguntava que relação havia entre tudo isso com o ir à igreja todo domingo... Depois pensei em mim. Eu nunca tinha estabelecido uma relação com os ritos. Para mim, a estrada havia começado com as pessoas: com o seu exemplo, com um modo de viver que tinha visto. Foi um namoro. De fato, me interesso pela Igreja, pela sua tradição, porque é como pedir para a pessoa amada contar a sua história, como era desde criança...”.
Ele havia se transferido para a Ilha de Margarita “para estar sozinho e libertar-me”. No entanto, como disse em 2016 ao apresentar a biografia de Giussani, “encontrei uma comunidade que me acolheu. Isso nos une: a comunhão para a libertação”.