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Passos N.96, Agosto 2008

DESTAQUE - Meeting Rimini 2008

Testemunhas de esperança

por Luca Doninelli

Eugenio Borgna, psiquiatra, fala da oposição entre protagonismo e depressão. Mostra a inadequação da imagem moderna de protagonista: aquela de alguém que alcançou sucesso, poder, ficou rico, ou tornou-se um pensador famoso. Aqueles que Eliot chama de “os mil vigilantes que dirigem o trânsito” e que hoje, tal como ontem, “não sabem nos dizer de onde viemos e nem para onde vamos”

O perfil estereotipado do protagonista se confronta, hoje, com a dramática realidade da depressão...
Segundo as avaliações mais recentes, em nossa sociedade uma pessoa em cinco (alguns até dizem uma em quatro) passa pela dolorosa experiência da depressão. E os números, infelizmente, crescem vertiginosamente. Trata-se de uma condição ligada essencialmente à solidão. Estamos cada vez mais sozinhos. O abuso das tecnologias desvaloriza as experiências de vida, tornando confuso o confronto consigo mesmo. Como escreveu Romano Guardini em 1928, em páginas de maravilhosa atualidade (Retrato da melancolia), toda experiência depressiva está ligada à esperança derrotada, à busca mal-sucedida do Infinito. Pode-se dizer que na depressão nós encontramos as pegadas do Infinito, a busca de um sentido que vai além desse nosso ilusório bem-estar.
O senhor parece atribuir um significado positivo à depressão. Parece, porém, que numa pessoa deprimida ou desmoralizada são justamente as demandas que ficaram atrofiadas.
Se olharmos a superfície dos fatos, o sofrimento psíquico revela um abandono, uma perda da esperança e, portanto, das demandas que a expressam. Mas se lançarmos o nosso olhar mais em profundidade, à essência do problema e não à sua mera manifestação patológica, descobriremos que a depressão e o sofrimento psíquico podem ser também fontes de grande criatividade. Pensemos no Zibaldone, de Leopardi, ou no Os Budenbrook, de Thomas Mann.

Poderia aprofundar um pouco mais os problemas relacionados com o uso das tecnologias (PC, Internet, telefones celulares, e assim por diante)?
O uso indiscriminado desses recursos leva ao enfraquecimento, ao esvaziamento da personalidade. São cada vez mais numerosas as pessoas que, em nossos dias, falam quase que exclusivamente via computador. Perderam as outras formas de comunicação e as reencontram, deformadas, no relacionamento com a tecnologia.

Amizade on-line, amor on-line, trabalho on-line: é a isso que o senhor se refere?
Também. Mas a deformação a que me refiro se concretiza sobretudo na incapacidade de escutar. A esse propósito, há uma coisa que, como médico, me preocupa bastante. Eu noto que, quanto mais a tecnologia avança, mais os médicos vão deixando de ouvir e de examinar tocando os seus pacientes. Tudo se faz através do computador. Os pacientes, frustrados com médicos que não os escutam mais, vivem a própria doença como uma coisa completamente insensata. Isso acontece, hoje, em todos os níveis da medicina, inclusive na psiquiatria: não existe mais um confronto do médico com o tempo da doença, e se reduz a dor a um certo número de sintomas, a serem curados com remédios. Mas o sofrimento é uma linguagem, ele nos revela algo de nós mesmos: se nos limitamos à sua manifestação superficial, é como isolar a pessoa numa redoma: e a vida exterior corrói cada vez mais a interior.

Passando agora para o lado positivo, como o senhor definiria – mantendo tudo o que disse até agora – os fatores que revelam uma personalidade humana completa, uma personalidade-protagonista?
A generosidade, a capacidade de se doar, a atitude de escutar o outro e de enfrentar os próprios sofrimentos. Uma psique incapaz de reviver em si os sofrimentos dos outros é danosa. Nós só nos realizamos profundamente quando nos mantemos imersos num diálogo sem fim. E quando digo diálogo não me refiro somente a um diálogo feito de palavras, mas a um diálogo feito de relações, de pessoas, de faces, de olhares. Essa acepção da palavra “diálogo” sempre foi muito sublinhada por Dom Giussani. Nossa vida só se realiza em profundidade quando escapamos das garras das aparências: o mito do sucesso, o culto de si próprio. A esperança nos convida, inclusive através de modos que podem parecer dolorosos, a ultrapassarmos essa barreira da falência do humano, que não é tanto a depressão quanto o esvaziamento da capacidade de ouvir e de dialogar.

Já se falou e ainda se fala muito, neste período, em termos nem sempre construtivos, da relação entre fé e razão. Como o senhor definiria a razão?
Para começar, é melhor deixar de lado aquela idéia de razão baseada apenas em sofismas que tem alcançado grande sucesso na TV italiana e que levou ao abortado discurso do Papa na universidade La Sapienza de Roma. São idéias oitocentistas, ressuscitadas por aqueles que querem semear a confusão. A razão só pode existir numa contínua dialética com o homem todo, com a sua vida emocional, com as suas paixões e, sobretudo, com a sua fé. A fé é um ato cognoscitivo alicerçado no conhecimento, como é afirmado, em nossos dias, também por importantes cientistas. Fé e razão não são, de fato, antinômicos, como disse alguém, mas convergem num comum horizonte cognoscitivo baseado na experiência.

Quem é, então, o protagonista?
O protagonista é um homem capaz de testemunhar aos outros a possibilidade de uma vida humana realizada, quando se ultrapassam os costumeiros modelos frios e incomunicáveis. Se assim não for, o protagonismo será sempre, de um modo ou de outro, uma enganação, uma violência contra o outro: essa seria uma definição totalmente desumana de protagonista. Pessoas como Dom Giussani ou Chiara Lubich têm mostrado o caminho que leva a um diferente modo de entender o protagonismo humano, que é o de permitir que os outros, em seu âmbito, realizem até o fim a própria vocação, fazendo desabrochar em cada pessoa a ânsia de infinito e promovendo a vida no plano de uma contínua participação. Em outras palavras, em minha opinião, protagonista é quem revela, através de formas originais, qual o sentido da personalidade humana: o dom de si. Observar o protagonista é observar-nos num espelho, que nos restitui uma imagem plena de esperança, e ilumina a noite escura da angústia e aquela ainda mais escura da banalidade e da insignificância cotidianas.

Qual o fruto de um homem assim?
O protagonista sempre gera protagonistas.

Há dez anos, Dom Giussani disse que “o mendicante é o protagonista da história”. Como o senhor compreende essa frase?
É uma frase extraordinária, inclusive do ponto de vista estritamente psicológico. O mendicante vive até o fim a própria pobreza e, por isso, está aberto à compreensão das coisas essenciais, oferecendo-se como vítima aos nossos olhos desesperados. De fato, o olhar do mendicante está sempre aberto à esperança.