IMPRIME [-] FECHAR [x]

Passos N.94, Junho 2008

DESTAQUE / OBRAS E POLÍTICAS PÚBLICAS

Desenvolvimento urbano

Um caso de sucesso baseado na centralidade da pessoa e na valorização dos corpos intermediários

A Fundação AVSI é uma organização não-governamental sem fins lucrativos, criada em 1972 e hoje empenhada em cerca de cem projetos de cooperação ao desenvolvimento, em 39 países do mundo (América Latina, África, Leste Europeu e Oriente Médio). Seus sócios principais são outras entidades sem fins lucrativos, inclusive 27 ONGs locais que estão presentes nos vários países onde atua. Ela é, portanto, uma rede de associações. Nos principais projetos desenvolvidos no Brasil, a AVSI atua em parceria com o poder público.
Na Bahia, desde 1993, a AVSI atua principalmente na área do desenvolvimento urbano integrado. Começando com um pequeno projeto piloto na comunidade de Novos Alagados, financiado pelo Governo da Itália, a AVSI estruturou um projeto maior em parceria com o Governo da Bahia e com financiamento do Banco Mundial, para realizar uma ação de urbanização e desenvolvimento social daquela comunidade, onde moravam cerca de 15.000 famílias, muitas das quais em palafitas construídas sobre o mar. Com os anos o Governo da Bahia decidiu ampliar a área da intervenção para toda a região dos “alagados”, criando assim o Programa Ribeira Azul, voltado para uma região da cidade de Salvador que envolvia comunidades com características de pobreza parecida. Eram 40.000 famílias, 135.000 pessoas e um orçamento de cerca de 70 milhões de dólares. O Governo Italiano apoiou o programa com uma doação de cerca de 5,7 milhões de dólares, por meio do canal multilateral da Aliança de Cidades, para a realização do Projeto de Apoio Técnico e Social ao Programa Ribeira Azul (2001-2006) executado pela AVSI em parceria com o Governo da Bahia, por meio da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder).
A metodologia aplicada ao projeto pela AVSI visou favorecer, sobretudo, o desenvolvimento da pessoa como tal. O foco fundamental é a pessoa como motor do processo de desenvolvimento. Sem estimular a liberdade da pessoa não é possível nenhum desenvolvimento duradouro. Essa afirmação tem implicações objetivas na forma de gestão dos projetos. Isso significa também que num projeto de urbanização não é suficiente construir as casas e a infraestrutura, mas é necessária também a criação de projetos educativos e o reforço dos corpos intermediários, como o Centro de Apoio a Família, creches, reforço escolar, Centro de Saúde, Centro de Qualificação Profissional etc. A população recebe uma casa-embrião com a possibilidade de ampliá-la por meio das cooperativas.
Todo o desenvolvimento do projeto parte da avaliação e conhecimento detalhados da comunidade. Um dos principais problemas que temos no Brasil para a construção de políticas públicas eficientes é a falta de conhecimento, de como conhecer a realidade. Que não significa como analisar a realidade, ou como subdividir a realidade para conhecê-la melhor. No Brasil, aliás, são muito avançadas as análises desse tipo, em relação a outros países. Mas trata-se de como conhecê-la na sua totalidade. Portanto, se a pessoa é o ponto de partida para conhecer a realidade em que ela está inserida, esse conhecimento pressupõe compartilhar aquela realidade, o que significa compartilhar com a população atendida os anseios, os desejos, as necessidades que vivem, e o que já conseguiram construir como estratégias de sobrevivência. Sem isso, é impossível encontrar a pessoa. O gerador de políticas públicas deve então participar do que está acontecendo naquela realidade.
Essa abordagem é mais ampla do que aquela que muitas vezes rege as políticas públicas no Brasil baseadas na distribuição de renda ou na ampliação do acesso aos serviços, pois considera e identifica os recursos já existentes na comunidade. Assim, as primeiras iniciativas de atuação são então no sentido de mapear esses recursos para, em seguida, reforçá-los e subsidiá-los por meio de cursos de formação e educação, e reforço dos corpos intermediários. Esse tipo de intervenção parte do oferecimento de recursos para micro-crédito, cooperativas e microempresas; busca o reforço dos atores presentes na comunidade, melhoria das moradias ou construção de novas; além de projetos de saneamento e ambientais, entre outros.
O plano de desenvolvimento social tem como fatores: a educação, a família, o trabalho e o apoio aos corpos intermediários, compreendendo que são esses os reais atores do desenvolvimento.
No campo da educação e formação, uma iniciativa importante é o reforço escolar para melhoria da qualidade da educação. Essa iniciativa tem um grande impacto na ação pública de promoção do desenvolvimento e combate à pobreza, especialmente aquela estrutural. Nesse sentido, o acesso é muito mais do que garantir um direito genérico de dinheiro e serviços.
Um exemplo da necessidade do conhecimento das estratégias de sobrevivência para o combate à pobreza, é a necessidade de se conhecer a real condição de vida da família e dos serviços de educação, saúde e de promoção humana, nos projetos de reurbanização de favelas. Muitas vezes esses projetos se resumem a uma preocupação urbanística, de construção de estruturas e oferecimento de serviços, mas sem ter a preocupação estratégica de procurar conhecer os recursos reais de proteção das famílias, como as fontes de renda e os tipos de atividades profissionais, os limites orçamentários para gastos com transporte, a distância dos locais de trabalho, etc. Por isso, um aspecto fundamental do método utilizado pela AVSI nos projetos de urbanização de favelas em Salvador e Belo Horizonte, é mapear os domicílios de acordo com suas redes de atuação profissional (tipo de profissão e recursos utilizados para o trabalho e geração de renda), condições de saúde (dependência de unidades hospitalares ou de saúde), unidades escolares utilizadas pelos filhos, laços familiares e de parentesco, etc.
Esse mapeamento é utilizado para o desenho e planejamento do novo agrupamento urbano. A desconsideração desses fatores e a pouca participação da população no processo de urbanização e construção das moradias levam a um “não-pertencimento” da população atendida ao novo local e sua alta mobilidade e “venda”. Uma intervenção que vem de “fora” daquela comunidade pode facilmente destruir o “patrimônio” que permite às famílias do local sobreviverem, o que pode provocar o abandono da nova moradia.
Um dado interessante tem sido o grande número de projetos e organizações criadas pela população que dobrou na segunda fase do projeto, mostrando uma evolução crescente de organização da comunidade atendida. Estes fatos demonstram que o projeto tem gerado um conjunto de bens e de serviços dentro da comunidade que é muito mais do que a presença do esgoto e da própria casa, tornando-se um lugar de “moradia” estável. Para realizar esse trabalho, foi mantido um escritório de campo durante cinco anos que permitiu a realização de todas as fases do projeto; sempre com a preocupação de associar o desenvolvimento urbano ao desenvolvimento social. Criou-se também uma cooperativa de construção civil que foi responsável pela construção de muitas das casas.
Esse projeto tem tido um investimento significativo em ações sociais, criando uma nova forma de enfrentar a pobreza, não mais considerada só em seus aspectos físicos, ao ponto que atualmente existem na Bahia projetos que destinam 25% de todos os recursos para ações sociais. O Governo Italiano está oferecendo continuidade no apoio ao governo local na implementação de políticas públicas de tipo integrado por meio de outra doação de cerca de 6 milhões de euros, utilizando o mesmo canal da Aliança de Cidades, oferecendo assistência técnica e metodológica ao Governo da Bahia, por meio da AVSI, para garantir a utilização da mesma metodologia de desenvolvimento baseada no fortalecimento da pessoa e dos corpos intermediários. Assim, uma outra forma de entender a pobreza compreende que a pessoa em situação de pobreza não encontrou condições de colocar em movimento todos os talentos que ele efetivamente tem. Dessa forma, o reforço a esses talentos torna-se estratégia prioritária.