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Passos N.85, Agosto 2007

CULTURA - Meeting / Edição 2007

Verdade, realidade, destino

por Alberto Savorana

De 19 a 25 de agosto de 2007, será realizada a 27ª edição do Meeting de Rímini, na Itália, o evento cultural mais importante promovido pelo Movimento. O público estimado é de 700 mil pessoas. A seguir, algumas idéias para um primeiro aprofundamento do título de 2007: “A verdade é o destino para o qual fomos feitos”


1) O problema da verdade
O problema da verdade, hoje, está na contradição entre a verdade como “pensamento” e a verdade como “fato”.

1. O destino da palavra verdade, no contexto em que vivemos, foi obscurecido, porque verdade, hoje, é igual a interpretação, isto é, não se fala mais de verdade no singular, mas “das verdades”; tudo é declinado no plural, justamente porque verdade é igual a uma teoria ou a uma interpretação, há muitas verdades.

2. Adaequatio rei et intellectus: a verdade é a capacidade que tem o acontecimento de corresponder às instâncias estruturais do homem. A correspondência é uma dimensão existencial da experiência da verdade. Quando a gente faz experiência da verdade? Quando experimenta algo que é capaz de corresponder, de preencher a expectativa.

3. Como diz dom Giussani, a verdade é, ao mesmo tempo, objeto da razão e objeto do desejo (o que é capaz de preencher a expectativa). A pessoa é “una”: razão e desejo estão unidos.

4. A estética precede qualquer outra coisa: o contragolpe da verdade é uma experiência da beleza. A verdade fascina, atrai, e o primeiro modo pelo qual percebemos a verdade é no plano da estética: só o maravilhamento conhece.


2) Da razão à verdade
Há um nexo profundo com o tema do Meeting do ano passado – “A razão é exigência de infinito...” –: a verdade como acontecimento. Esse nó da verdade tem um ponto central nos temas da convivência civil, que, depois de três séculos, é avaliada pela “não-verdade”: a idéia de Hobbes que está na base do Estado moderno ou a idéia de direito como acordo de poder, ou a idéia de bem comum como vantagem individual. Essas três idéias, hoje, estão em crise porque colocar uma convivência civil que não se baseie na busca e na prática da verdade só leva à violência, a violência que se queria evitar.

Quando se fala de verdade, todos esperam uma definição, ao passo que o método é o aspecto fundamental. O caminho para a verdade é uma experiência, sublinha o aspecto dinâmico na relação com o destino. O tema da verdade como destino é um desafio, como possibilidade de que eu possa percorrer um certo caminho que me leva a ele. Hoje, um dos aspectos trágicos da condição em que vivemos é que parece que ninguém está mais em condição de apostar no futuro, isto é, de que existe uma promessa e de que a meta é alcansável.


3) Expandir a razão e mostrar a verdade
Colocando a demanda em torno da verdade, expandimos o horizonte da racionalidade: isso liga o discurso do Papa em Regensburg ao Meeting deste ano. Nós não dizemos, antes de tudo, o que é a verdade, mas damos o primeiro passo, colocando a demanda de verdade, porque hoje já é uma escolha colocar a demanda de verdade. O Meeting 2007, como evento midiático, entra no mundo da comunicação colocando a demanda de verdade.

Nós sempre temos um modo de pensar na verdade como objeto do conhecimento intelectual, mas há um aspecto, que encontramos em dom Giussani, que destaca a verdade como “o ser verdadeiro”; por isso, colocar o problema da verdade significa ir contra a antropologia da destruição humana, ou seja, do homem que não é mais verdadeiro, da experiência humana que não é mais verdadeira. Então, trata-se de fazer ver o que é verdadeiro: não é demonstrar, mas mostrar a verdade.

Jesus é “o caminho, a verdade e a vida”: nós não falamos da verdade por prazer filosófico, mas porque há alguém, único na história, que pode identificar a verdade com uma pessoa (ver o Evangelho de João, que apresenta Jesus como a verdade). O testemunho da verdade não depende do fato de que somos mais puros do que os outros, que temos mais “interesse” do que outros pela verdade, mas do fato de que encontramos, no tempo e no espaço, a verdade que se fez pessoa, que se fez humanidade.


4) O valor de Regensburg
Sob essa luz, será fundamental uma retomada explícita de Regensburg, que erroneamente muitos viram como um episódio, ou melhor, como um grave infortúnio deste pontificado; são os mesmos que separam o Cristo da fé do Cristo da história, com as duas contraposições conseqüentes: entre verdade e história, entre verdade e caridade.

Enfrentar um Meeting sobre a verdade é interessante em relação ao contexto atual, para o qual nenhuma verdade é possível e, por isso, vivemos na completa escravidão da opinião.


5) O desafio: participar de uma experiência para comunicá-la
O desafio é este: apesar de toda a ditadura da opinião e da interpretação, há ainda no homem o desejo e a exigência de verdade? Responder a isso significa mostrar em ato a expansão da razão, desafiar, fazer apelo a essa experiência elementar de cada um, pela qual, apesar de tudo, permanece uma exigência à qual nenhuma interpretação é capaz de responder adequadamente.

Colocar a pergunta já é, por si só, desafiar o uso reduzido da razão, tornando presente que somente uma pessoa pode responder adequadamente a essa exigência, que diz respeito à totalidade do eu. Sem isso, até nós sucumbimos às interpretações, se não acontecer um evento, de calibre tão potente que é capaz de unir a totalidade da pessoa e de atraí-la para a verdade, indicando a estrada como caminho para o futuro, por isso como caminho para o destino.

Isso significa que o Meeting desafia, até o fundo, a mentalidade comum. Mas resta uma observação: qualquer um que vá a Rímini poderá ser desafiado na sua experiência elementar, apesar de todas as incrustações que podem cobri-la, se for verdadeira em nós aquela verdade que queremos comunicar. Não podemos olhar a realidade de cima do muro e dar uma lição aos outros: se a verdade não acontece em nós, podemos dizer todas as palavras que quisermos, mas elas serão uma abstração e não a comunicação de um acontecimento. Em outras palavras, não podemos “fazer” o Meeting sem participarmos, em primeiro lugar, de uma experiência que nos permite testemunhar a verdade.


Citações úteis

* “A busca e a experiência da verdade a que ela [a Igreja] nos estimula desenham no tempo a autêntica estatura do homem, desde sempre e constantemente sedento de realidade, de ser” (L. Giussani, Por que a Igreja)

* “O homem, por natureza, busca a verdade, a sua pesquisa tende para uma verdade posterior, em relação às verdades parciais, que seja capaz de explicar o sentido da vida, o sentido último da vida” (João Paulo II, Fides et ratio)

* “O destino, isto é, o ideal, é a coisa mais presente que existe. De fato, aquilo que você é neste momento tem consistência para o ideal, tem consistência para o destino” (L. Giussani, Realidade e juventude. O desafio)

* “O homem deseja principalmente duas coisas: em primeiro lugar, aquele conhecimento da verdade que é próprio da sua natureza. Em segundo lugar, a permanência do ser, propriedade essa comum a ambas as coisas” (S. Tomás de Aquino)

* “O que mais ardentemente deseja o homem, se não a verdade?” (Santo Agostinho)

* “Esse ser único que é o homem, na profundeza da sua existência, é interceptado pela verdade mesma” (J. Ratzinger, Fé, verdade e tolerância)

* “Quem vive para a verdade tende a um conhecimento que se inflama sempre mais de amor para aquilo que conhece” (João Paulo II, Fides et ratio)

* “Deus é a verdade última a que toda razão naturalmente tende, estimulada pelo desejo de cumprir até o fim a trajetória que lhe foi designada” (Bento XVI, Discurso aos Universitários, Pontifícia Universidade Lateranense, 21 de outubro de 2006)

* “A mentira é não reconhecer a verdade” (L. Giussani)

* “Para quem tem a necessidade de amar, o desejo da verdade pertence à natureza mesma do homem, por isso na educação das novas gerações a questão da verdade não pode ser evitada, colocando a exigência da verdade alargamos o horizonte da racionalidade” (Bento XVI, Discurso ao Congresso da Diocese de Roma, 5 de junho de 2007)