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Passos N.89, Dezembro 2007

DESTAQUE - Exemplos para todos

Onde habita a esperança

por Paolo Perego

Em Novosibirsk, Sibéria, uma obra da Avsi tira do desespero jovens mães e seus filhos. Levando a sério, até o fundo, suas necessidades


O bairro Leninskij é um velho subúrbio operário. Durante o regime, Novosibirsk foi um grande centro industrial da União Soviética. Hoje, as grandes construções que abrigaram milhares de operários estão, na maior parte, em ruínas. A queda do Muro coincidiu com uma drástica diminuição do trabalho e com a decadência do bairro que hoje é habitado, em sua maioria, por imigrantes de ex-províncias soviéticas. Para sobreviver, muitos precisam ter várias ocupações. As crianças deixam a escola cedo: elas podem ser vistas na rua, brincando em meio às barracas clandestinas montadas em cada cruzamento. Há três ou quatro anos, caminhando pelas ruas do bairro, encontraríamos uma jovem, Iemilja, com um folheto na mão a olhar em volta, desambientada. Está grávida, já há alguns meses. Ela quer ter o filho: aquele endereço é a última possibilidade antes de decidir pelo aborto. Nasceu em uma cidadezinha do norte da Sibéria em uma família pobre e de alcoólatras. Aos cinco anos foi para um orfanato e, aos 16, mudou-se para Novosibirsk onde fez cursos profissionalizantes, obteve o diploma de decoradora e começou a trabalhar. O primeiro quarto, alugado com o primeiro salário. E, depois, aquele homem, o pai do menino: o quarto custava muito, sozinha era impossível pagar o aluguel. Mas, quando ficou grávida, o homem foi embora. No consultório lhe falaram sobre um lugar e escreveram o endereço em um folheto. “Casa Golubka”, estava escrito. No meio da quadra há uma construção vermelha, de tijolos. Há ali um apartamento, onde convivem mães adolescentes, a casa de acolhida Golubka, especificamente. A história de Iemilja é verdadeira, não sabemos se aconteceu exatamente assim, como imaginamos. O fato é que Iemilja foi acolhida nessa casa. Vanja nasceu pouco depois e Iemilja, depois de um período de permanência, contam em Novosibirsk, “encontrou o seu ‘príncipe’ e decidiram se casar. Assim, organizou a sua festa de casamento na casa de acolhida: a considerava realmente como sua casa”.



Uma flor no deserto

A Casa Golubka é uma flor no deserto. É um ponto objetivo de esperança e de novidade em um lugar como Novosibirsk, não somente para Iemilja, mas para todos. Como é possível que exista um local tão um humano num lugar assim?

A casa é um dos projetos da Organização Maksora que, desde o ano 2000, opera na cidade siberiana. Maksora é uma ONG que se ocupa sobretudo de projetos sociais e formativos em colaboração com a Associação de Voluntários para o Serviço Internacional (Avsi). A história da Casa Golubka começou há cerca de dez anos. Em 1995, um missionário franciscano, padre Guido, percebeu o grande número de adolescentes grávidas que, sozinhas e sem dinheiro, decidiam abortar. O frade comprou uma casa, acolheu as mães adolescentes, mas se deu conta de que não bastava dar um teto: por isso pediu a ajuda da Avsi, por meio de Rosalba, voluntária da Associação italiana que, naquela época, começava a operar na cidade. Nasceu, assim, a Maksora que, imediatamente, abraçou o projeto Casa Golubka e acolheu, nestes anos, mais de 50 jovens e seus filhos: o objetivo é a reinserção das jovens mães na sociedade por meio de uma ajuda tanto material como educativa, dando-lhes a possibilidade de freqüentar cursos profissionalizantes e encontrar trabalho.

“Trabalhamos mantendo um contato estreito com os serviços de assistência social de Novosibirsk – conta Rosalba –. Na maior parte das vezes são eles que encaminham as jovens mães em dificuldades que, por vários, motivos precisam de um lugar que as acolha e ajude. A alternativa, para elas, é abortar ou abandonar o próprio bebê”. Com Rosalba, que é responsável pelo projeto, trabalham Anastasia, psicóloga e pedagoga responsável pela casa, e Vladimir, administrador que ajuda as jovens na regularização dos documentos e na burocracia. Também trabalham lá Marya e Lena, que acompanham os bebês: a primeira se ocupa do berçário, a segunda do encaminhamento das crianças primeiro à creche e, agora que os primeiros hóspedes cresceram, ao Ensino Fundamental. Há Evghenya, que ensina as mães a cozinhar, cuidar da casa, fazer as compras, costurar. E, ainda, as três babushke, avós voluntárias que revezando, chegam à noite e dormem na Golubka, brincam com as crianças, ajudam as mães. As moças podem ficar na casa 18 meses, durante os quais são ajudadas tanto no relacionamento com as crianças quanto na procura de um trabalho estável e um lugar para morar. As crianças são colocadas em creches conveniadas enquanto as mães são matriculadas em cursos de formação profissional.

As histórias das jovens da Casa Golubka são cheias de dificuldades: uma foi abandonada pela família, outra pelo parceiro, há aquelas que foram violentadas, há quem perdeu o emprego ou a vaga no pensionato por causa da gravidez, histórias de alcoolismo, de violência familiar... Natalia tem 24 anos. Ficou grávida e, sem dinheiro, foi obrigada a abandonar o filho, Petja, no orfanato: pensava em encontrar um trabalho e, depois, vir buscá-lo. Mas, quando voltou, seu filho já tinha sido “prometido” a outros pais... Natalia foi ao serviço social, onde lhe indicaram a Casa Golubka como possibilidade de ajuda. “Conseguimos levar a criança para casa – conta Anastasia –. Ele já tinha uns quatro ou cinco meses. Natalia ficou conosco durante um ano. Durante esse tempo estudou à noite, encontrou um emprego e regularizou sua documentação”. Agora, ela e Petja moram sozinhos, mas sempre reencontram os funcionários, inclusive na creche do filho, estatal, onde a Maksora trabalha. Não bastava um teto para Natalia? “A Casa Golubka não é pensada como um abrigo – explicam os funcionários, mostrando como o real problema do qual se ocupam é de natureza educativa. Para falar de acolhida verdadeira não são suficientes os muros domésticos”. Um olhar total, em suma, que as abraça até a raiz de suas necessidades. É o olhar que nasce da proposta cristã: “Não sei dizê-lo de outra forma – confessa Rosalba –: é uma paixão pelo homem que nasce da paixão que um outro teve por mim”. Uma coisa é certa: não existe nada parecido em Novosibirsk.



“Sveta” e as outras

Mas nem sempre as coisas são fáceis. E, normalmente, é preciso muita paciência com essas jovens. Svetlana deixou Vladivostock quando tinha 26 anos e uma situação familiar muito complicada. Chegando em Novosibirsk viu-se no meio da rua. Foi morar com outras pessoas num apartamento para dividir as despesas. Entre os moradores estava um homem do Tadjiquistão, de quem ela teve um filho, Omar. A situação se precipita depois da prisão dele. Chega à Casa Golubka onde é ajudada, mas sua permanência torna-se muito delicada por causa dos excessos do pai de seu filho. Consegue ganhar um concurso da academia dos cabeleireiros: é muito boa nisso e o demonstra penteando Anastasia no dia de seu casamento. Deixa a casa mas volta pouco tempo depois, ainda precisando de ajuda: não conseguiu encontrar um alojamento e corria o risco de voltar às ruas... Hoje, “Sveta” é autônoma, vive sozinha com Omar, que freqüenta a creche. Poderíamos continuar contando a história de Elja, Valia, Katia, Olja, Ljuba, Tamara... Histórias comoventes que revelam a real necessidade de um lugar como Golubka em uma cidade que, com 1.400.000 habitantes, registra 35.000 mães adolescentes, e onde nos últimos anos o número de crianças abandonadas (órfãs “sociais”) mais do que duplicou. São impressionantes algumas estimativas que, na Rússia, atestam que 70% das gestações são interrompidas com o aborto, com um total de cerca de seis milhões de crianças jamais nascidas.



Uma resposta real

“Desejamos que a acolhida que oferecemos seja uma resposta às necessidades reais que encontramos – dizem Rosalba e Anastasia –. A vida na casa não deve ser um parênteses feliz na tristeza da vida cotidiana”. Por isso, a atividade dos funcionários também continua fora da Golubka, seja como consultoria (cerca de mil contatos realizados), seja no relacionamento com as ex-hóspedes, como contam: “Os funcionários continuam a acompanhar as mães em sua nova vida depois do período de permanência aqui, visitando-as regularmente para ajudá-las no confronto da vida cotidiana”. Além disso, todas as crianças que passaram pela Casa Golubka entram no programa “Adoção à Distância”, da Avsi. As jovens ex-hóspedes também colocam à disposição sua experiência para ajudar aquelas que chegam.

“Histórias de outro mundo...”, é o título da coleta de fundos para obras sociais (Tendas Avsi 2007). E os resultados são de tal forma objetivos que a Prefeitura não pôde deixar de reconhecer o valor de uma obra como a Golubka e ajudá-la financeiramente, encarregando-se de algumas despesas ou estipulando verbas para as creches, facilitando a inserção dos filhos das moças da Golubka. Ou, ainda, exprimindo a vontade (o acordo já está em andamento) de dar à associação a administração de uma nova casa de acolhida: “Um novo edifício, maior e com jardim em volta, para onde a Golubka será transferida”. Parece pouco. Mas para Novosibirsk
é mais uma ocasião de encontro com uma humanidade diferente. Mais “humana”.