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Passos N.82, Maio 2007

EXPERIÊNCIA - Roma / O senso religioso em árabe

Um presente para os cristãos, uma obra aberta a todos

por Riccardo Piol

A apresentação do livro O senso religioso, de Dom Giussani, em nova edição egípcia sob a curadoria de Wael Farouq. A colocação do novo Secretário de Estado da Santa Sé, Dom Dominique Mamberti


“Um pequeno passo para o homem, um grande passo para a humanidade”. Quando Wael Farouq repetiu a célebre frase do primeiro homem que pisou na lua, a platéia do Augustinianum de Roma teria irrompido em aplausos imediatamente. Se o jovem professor egípcio tivesse lhes deixado tempo, as seiscentas pessoas que lotavam o auditório o teriam aplaudido. Mas foi questão de um segundo. Logo após as palavras de Neil Armstrong, acrescentou: “Publicamos O senso religioso, de Dom Giussani, no Cairo porque – como se lê no Evangelho – não se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire, mas sim para colocá-la sobre o candeeiro para que ilumine toda a casa”. Então, o aplauso explodiu, ruidoso. Em sinal de aprovação e também de gratidão. Tanto por parte das pessoas comuns como dos bispos, embaixadores, políticos e jornalistas: foi esta a platéia que se reuniu no dia 1o de fevereiro perto da Praça São Pedro para assistir a apresentação da edição em árabe do livro de Dom Giussani. “Alargar a razão” era o título do encontro. Apenas algumas horas antes, o Papa, em reunião com a Fundação para a Pesquisa e o Diálogo Interrreligioso e Intercultural, havia dito: “Somos convidados a nos empenharmos em um trabalho comum de reflexão, trabalho da razão que desejo ter com vocês de todo o coração, para sondar o mistério de Deus à luz das nossas tradições religiosas e de nossas respectivas sabedorias”.


Dominique Mamberti

No palco estavam: Dom Dominique Mamberti, Secretário de Estado da Santa Sé, em sua primeira colocação pública depois de ser nomeado Ministro do Exterior do Vaticano; Wael Farouq, egípcio, muçulmano, professor universitário no Cairo; e padre Stefano Alberto, professor de Introdução à Teologia na Católica, de Milão.

É a décima sétima língua para a qual o livro foi traduzido. Roberto Fontolan, diretor do Centro Internacional de CL e moderador do encontro, iniciou: “A história de O senso religioso é muito longa e já atravessa meio século. Em 1957, Dom Giussani publicou um pequeno volume com cerca de trinta páginas exatamente com o mesmo título”. E, cinqüenta anos depois, aquele primeiro livrinho, pensado para os estudantes colegiais de Milão, tornou-se The religious sense, Der religiöse sinn, Religinis jausmas... e fala a todo o mundo. Inclusive o mundo árabe.

“Em primeiro lugar – disse Dom Mamberti –, diria que a tradução de uma obra como O senso religioso constitui um evento cultural. Um estudo recente mostra que em todo o Oriente Médio, com uma população de trezentos milhões de pessoas, é publicada apenas 1,1% da produção mundial de livros. E os que lá são traduzidos representam um quinto dos que são traduzidos atualmente na Grécia”. A publicação de um livro como este de Giussani assume, então, neste cenário, um valor ainda maior. Enquanto o Ocidente e o mundo árabe encontram-se um diante do outro sem quase conseguir se comunicar, enquanto a ignorância recíproca corre o risco de tornar ainda mais profundas as divisões e as incompreensões, este livro aparece como um pequeno mas significativo presente. “Um presente aos cristãos de língua árabe – disse Mamberti –, que devem enfrentar não raramente situações difíceis. A tendência simplista em identificar o mundo árabe com o mundo muçulmano “leva a esquecer as muitas minorias cristãs do Oriente Médio”. Foi a elas que o Ministro do Exterior do Vaticano referiu-se lembrando “o problema doloroso da contínua diminuição da presença cristã em muitos destes países”. É para eles que O senso religioso se volta. Mas não somente para eles porque “trata-se de uma obra aberta a todos e que pode interessar qualquer pessoa independente de sua cultura ou religião e, em particular, aos muçulmanos”.

A relação entre razão e fé, muitas vezes colocada em pauta pelo Papa e proposta novamente por Dom Mamberti, percorrendo alguns momentos importantes do pontificado de Bento XVI, do discurso em Regensburg à viagem à Turquia, “é uma questão que absolutamente não é de natureza acadêmica. Nela fala-se do futuro de todos nós”. Alargar a razão é o convite que o Papa faz a todos e a experiência proposta a todo leitor de O senso religioso, experiência à qual são chamados tanto os cristãos quanto os muçulmanos. Aquilo que Dom Giussani chama “coração” é igual para todos os homens. Todos possuem as “exigências elementares”, lembrou Mamberti, “isso, obviamente, abre para nós, em nível muito profundo, a possibilidade de um verdadeiro diálogo e uma verdadeira colaboração com todos”. E é por isso que “com certeza, o livro de Dom Giussani pode oferecer uma contribuição valiosa na promoção do diálogo e da colaboração entre cristãos e muçulmanos. Desejo, por isso, que a edição em língua árabe encontre uma ampla difusão e produza muitos bons frutos. Desejo ainda que, sendo este o primeiro volume do PerCurso, também os dois volumes seguintes possam encontrar o tradutor e a difusão que merecem”.


Wael Farouq

“Por que um livro que pertence a um momento histórico e cultural diferente, redigido para afrontar o ateísmo e a crise espiritual das culturas européias é, hoje, útil para o diálogo com o mundo islâmico?” Wael Farouq decidiu publicar O senso religioso no Egito, acrescentando uma segunda edição à que foi apresentada no Meeting de Rímini, a partir da resposta que deu a essa sua pergunta. Uma resposta que tem três razões: “A primeira, de caráter geral, ligada à condição na qual a humanidade vive hoje; a segunda, particular, ligada à cultura árabe contemporânea; a terceira, prática, que leva em consideração o diálogo entre as religiões, hoje”. “Dom Giussani fez das diferentes literaturas do mundo uma fonte de conhecimento do homem”, disse Farouq. E, seguindo este método, ele próprio falou da condição do homem de hoje citando João Paulo II, Eric Fromm, Milan Kundera, Bill Gates e muitos outros, o que suscitou a admiração dos presentes na sala e encheu de justo orgulho a embaixadora do Egito junto à Santa Sé, que estava sentada na primeira fila. O homem de hoje está “fora do tempo”, “criou um novo mundo – disse Farouq –, no qual não há mais espaço para ele próprio e para o conhecimento da realidade. É um mundo novo onde a globalização quer impor um único estilo sem respeitar a diversidade, onde a voz dos fundamentalistas religiosos se elevou e aumentou sua influência, onde o choque entre as culturas tornou-se o quadro da atividade humana internacional. Um novo mundo que, no livro de Giussani, encontra resposta às suas perguntas”. Porque “não é um livro sobre religião, mas sobre religiosidade, que não é diminuída pelo fato de derivar de uma tradição cristã porque a necessidade da fé é uma necessidade do ser humano e o quadro do qual ele fala é comum a toda experiência humana”. Inclusive a do homem árabe que vive, hoje, uma profunda crise sobre a qual Farouq usou palavras muito claras. Uma crise que vê “a ruptura entre o pensamento e o seu objeto, a realidade”, que vê em luta dois frontes opostos e voltados, no fundo, à eliminação mútua: “De um lado, os partidários da tradição que vivem no “aqui” mas não no “agora”, porque permanecem no glorioso passado; de outro, os partidários da modernidade que vivem no “agora” mas não no “aqui” porque sua consciência migra em direção ao mito do Ocidente moderno”. Pagando a dívida deste choque está o próprio homem com a sua tradição destinada a cristalizar-se em formas ou a ser abandonada em nome de uma miragem. E, conseqüentemente a possibilidade de encontro e diálogo não pode subsistir porque “sem um diálogo consigo mesmo o diálogo com o outro é impossível”. Neste ponto, até este ponto, intervém uma obra como a de Dom Giussani cujas “dezessete traduções – lembrou padre Stefano Alberto – nasceram de uma história de amizade”. A amizade entre pessoas de diferentes culturas e tradições como aconteceu a Farouq e ao jovem estudante de CL, Paolo Caseta, que foi ao Cairo para estudar árabe. A amizade entre razão e fé, refutada tanto “pelo fundamentalismo de matriz islâmica, quanto pelas incontáveis expressões de um estranho ódio a si mesmo que caracteriza a cultura européia e ocidental hoje”.