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Passos N.76, Setembro 2006

IGREJA - ORIENTE MÉDIO

Na terra da esperança,
contra qualquer esperança

por Riccardo Piol

Na voz de Dom Twal, Patriarca coadjutor dos Latinos em Jerusalém, o drama da Terra Santa e a angústia pela fuga dos cristãos. “É verdade que as dificuldades são imensas, mas as esperas também são”. As razões de uma presença

Os 33 dias de guerra no Líbano, os mísseis lançados sobre Israel, o espectro de um futuro ainda mais trágico. Ele tem nos olhos tudo o que está acontecendo hoje e, na mente, a imagem do que poderia acontecer amanhã. Está preocupado porque a palavra paz parece ter sido banida da Terra Santa. Depois de 13 anos como Arcebispo de Tunísia, Dom Twal voltou à sua diocese de Jerusalém como Patriarca coadjutor dos Latinos e não esconde que “a impressão geral que se pode ter, voltando depois de muito tempo a Jerusalém, é que a situação está piorando continuamente”. Os últimos acontecimentos o levam a temer que “o duro destino da Cidade Santa possa estender-se a todo o Oriente Médio e, talvez, a toda a história humana”.

A cidade escolhida
Ele cita o salmo 87: “Pobre cidade de Deus... parece que o Senhor não a ampara mais”. Mas, também, o 127: “Não esqueceremos Jerusalém, cidade da paz, acima de qualquer alegria”. E é no paradoxo que parece separar estas duas afirmações que Dom Twal encontra as razões da sua esperança. Seu olhar sobre a Terra Santa é todo animado pelo fato irrefutável de que Jerusalém, hoje símbolo de um conflito contínuo, continua sendo a cidade escolhida por Deus: lugar que conserva “o registro dos nomes de todos nós”, sinal do destino de cada homem e, ao mesmo tempo, reflexo da situação de conflito na qual vive o mundo inteiro. Antes de percorrer a sua história de contínuo sofrimento e, mais que fazê-la objeto de uma pura análise política, Dom Twal convida todos a olhar para Jerusalém com a força de um juízo de fé: “É preciso nunca esquecer que a Terra Santa é a terra das surpresas, entre as quais a maior foi a oferecida por Jesus na manhã de Páscoa. Deixar-se cair no pessimismo poderia gerar uma mentalidade fatalista que não encontra espaço na Terra Santa. Jerusalém é a terra da “esperança contra toda esperança”, segundo a expressão do Apóstolo Paulo, porque naquele lugar a humanidade foi reunida pela potência do onipotente. Lá, aconteceu o fato que mudou o curso da História e revelou os verdadeiros destinos da humanidade”.

Gestos corajosos
Sobre a situação de constante instabilidade do Oriente Médio diz, com sofrida ironia, que “a instabilidade é a única coisa estável que temos, do ponto de vista político, econômico, social, cultural e alternativo”. Mas, quando se trata de avaliar concretamente a situação moderna, vai direto ao ponto: “A situação é tão grave que os discursos de denúncia tornam-se inúteis. Muitas têm sido as denúncias e muitíssimas as condenações e as claras resoluções internacionais, mas poucos são os êxitos. Já estamos saturados. Queremos, antes, anunciar que Jerusalém é a Cidade Santa e que são necessários gestos corajosos por parte dos dirigentes políticos para poder realizar uma paz justa e duradoura para todos. Não se pode governar sob o impulso do medo e da desconfiança, impondo-se com a força das armas ou do terrorismo”. A paz, que define como “a necessidade mais patente e vital, sem a qual nada é possível”, tem, porém, um preço que ninguém parece querer pagar e condições que Twal lembrou, citando os três “fundamentos essenciais” apontados pelo Papa no início da guerra no Líbano: “O direito dos libaneses à integridade e soberania de seu país, o direito dos israelenses a viver em paz em seu Estado e o direito dos palestinos de ter uma pátria livre e soberana”.

O êxodo da comunidade cristã
Num cenário de conflitos difusos e instabilidade permanente, “o estado de ânimo da comunidade cristã – diz Twal – é aquele comum a toda população: pergunta-se sobre a própria tarefa, mas a população está abatida por um certo desânimo e por não ter idéia de qual será seu futuro”. A sensação de estar isolados e abandonados pesa muito sobre a pequena minoria cristã que, já definhada, se reduz cada vez mais por causa das contínuas partidas. É um êxodo constante que atinge também as comunidades muçulmana e judaica. Mas, sublinha Twal, “a evasão da comunidade cristã não está ligada somente a fatos recentes, ela acontece em todo o Oriente Médio e é particularmente grave. Sem esta comunidade, a Terra Santa perderia um elemento essencial da sua identidade. Por isso, é necessário fazer um esforço urgente em âmbito local e internacional para ajudar os cristãos a permanecerem ali”. Nesse sentido, podemos encontrar iniciativas desenvolvidas pelas diversas Igrejas cristãs na Terra Santa: projetos habitacionais para jovens casais, bolsas de estudo para estudantes e seminaristas, subsídio às escolas. “Mas o problema ultrapassa as possibilidades da Igreja. A paz e a confiança no futuro são a verdadeira solução para acabar com o fenômeno migratório” e, por isso, é necessário um empenho internacional até hoje ineficaz, para não dizer ausente.

O desafio da fé
Twal sabe que ninguém tem a solução na manga e compreende a dificuldade dos políticos “em adotar posições claras e bem definidas”; fala do “risco de ir de encontro a um suicídio político” e convida a “falar pouco, amar mais e ajudar em maior escala” sem, porém, eximir-se de denunciar as injustiças e as violências cotidianas. Diz que “é necessário que cada um, palestino ou israelense, simpatizante de uma ou outra parte, tenha a honestidade de reconhecer os limites do seu ponto de vista e de abrir-se aos problemas da parte contrária”. O seu realismo, as suas considerações, que na boca de muitos outros poderiam parecer declarações utópicas de projetos, se fundam sobre a experiência direta da comunidade cristã. O patriarcado de Jerusalém recolhe fiéis, cidadãos árabes e israelenses que, no conflito, se encontram em lados opostos e vivem em minoria em sociedades diferentes, inimigas entre si e onde, além de tudo, a presença da Igreja não é bem aceita. Por isso, diz Twal, “somos chamados a descobrir a nossa identidade cristã e pessoal pela história conturbada de Jerusalém, pelos tormentos dos nossos fiéis, para termos um salto de qualidade na fé e uma renovação das nossas comunidades. Porque uma fé fundada simplesmente em um pertencer social e étnico é insuficiente, não pode responder aos desafios que cotidianamente se apresentam”.

Jerusalém: cidade da paz
“É verdade que as dificuldades e os desafios são imensos, mas as esperas também são”. Porque a espera pela paz é uma esperança que atravessou séculos de violências e conflitos na Terra Santa sem nunca esmorecer. Porque, não obstante tudo, Jerusalém continua sendo a cidade da paz. “Deus – diz Twal – dirigiu seu projeto de salvação sobre e a partir de Jerusalém, cantada nos Salmos e descrita pelos profetas como a Cidade sobre o monte à qual afluíram todos os povos da terra. Ao avaliar essas si-tuações, reconhecemos serem todas um pouco partidárias e, muitas vezes, teimosamente divididas nos juízos. O futuro da humanidade está no reconhecimento da liberdade, assim como Deus a quis para cada pessoa e para todos os povos. A nós, cabe agir nesse sentido e, também, sobretudo, rezar pela paz tão cobiçada e esperada e que parece tão distante. Peçamos que a nossa oração não seja defeituosa, quer dizer, partidária. A oração de intercessão, como aquela pronunciada no Gólgota, não exclui ninguém, nem mesmo aqueles que “não sabem, ou, talvez, sabem muito bem, aquilo que fazem”.