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Passos N.75, Agosto 2006

CULTURA - SÃO BENTO

A batlha da vida

por Laura Cioni

O trabalho do monge, por natureza pacífico, é, na realidade, luta. A sua arma é a obediência.

São Bento viveu em um tempo de
barbárie: o Império Romano do ocidente caiu, as populações germânicas invadiram seus territórios levando guerras e desolação. Os campos foram abandonados, as cidades tomadas pela anarquia: estas são as trevas da Idade Média! Bento, a princípio, parece evitar este mundo em ruínas, deixando para trás a corrupção de Roma, mas o seu retiro tem um êxito imprevisto: ele torna-se fundador de uma ordem monástica que, tendo como objetivo dar glória a Deus mediante a oração e o trabalho, reconstrói o tecido religioso, cultural e social da Europa. Uma obra colossal, lenta como a enxada que escava sulcos na terra, inexorável como a força de uma boa semente deitada no solo. Sabe-se que soldados e camponeses são inimigos históricos desde os tempos de Virgílio. No entanto, ao traçar a figura do monge, São Bento parece unificar as virtudes de uns e de outros. No início da Introdução de sua Regra, ele se dirige ao homem que o escuta e o convida a retornar, pela fadiga da obediência, àquele do qual se afastou pela inércia da desobediência. A vida monástica é um trabalho que faz o homem reconquistar sua dignidade de filho. Mas este trabalho, por natureza pacífico, se apresenta como uma luta e quem o assume deve estar pronto para combater, brandindo as armas invencíveis e gloriosas da obediência. Assim, a operosidade do camponês e a disciplina do soldado são unificadas na construção de uma figura de homem, talvez, rude, mas também muito fascinante. O abade tem os traços de um capitão, de um proprietário de terras e de um pai: guia seus homens na tarefa da unificação de si mesmos e na construção de uma escola de serviço divino. É evidente que ninguém nasce mestre e que é necessário ser educados a ser camponeses e soldados, educados a um tipo de humanidade sólida e tenaz que é, ao mesmo tempo, terna e equilibrada.
Podemos imaginar quantos homens rudes se debruçaram sobre as terras inexploradas e pantanosas da Europa nos séculos das trevas, prontos para o aceno de seus superiores, silenciosos trabalhadores sob o céu, na penumbra dos claustros ou nos sólidos muros das igrejas. O mais famoso destes homens participou exatamente do início desta história: trata-se de um godo, sinal de que na ordem eram acolhidos tanto romanos quanto germânicos, em uma mistura de costumes e de línguas que só a discrição do fundador poderia manter juntas em um tempo de luta entre povos tão diferentes. São Gregório Magno, primeiro monge e, depois, Papa, em seu livro Vida e Milagres de São Bento, conta que o godo estava, um dia, ceifando um terreno para transformá-lo em um horto. Ele estava às margens de um lago e trabalhava com todas as suas forças para desmatar o terreno quando a lâmina da foice que usava saiu do cabo e caiu na água, que era tão profunda que ele perdeu qualquer esperança de poder reavê-la. O pobre godo, então, correu até o monge que dirigia os trabalhos e pediu uma penitência pela sua desatenção. Era São Bento que, segundo o relato do livro, pegou o cabo das mãos do godo, desceu até as margens do lago e recuperou milagrosamente a lâmina devolvendo-lhe o utensílio e dizendo: “Toma, trabalha, e seja feliz”. Ênfase biográfica? Pode ser, mas cheia de vivacidade e significado.
Hoje não ceifamos emaranhados de espinhos, mas também queremos ser convidados àquela alegria que torna possível trabalhar com gratidão e com fruto, para sermos, também nós, radicados na terra do pertencer e com olhos fixos no céu.