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Passos N.109, Outubro 2009

EDITORIAL

Não nos basta

Alguns talvez prefiram fazê-lo depois de folhear esta revista. Será a ocasião para se aprofundar naquela proposta, para não deixar que ela escape tão depressa, tomado pelas preocupações do dia a dia, na retomada do trabalho cotidiano. Mas se o leitor já o fez, se já leu ao menos a introdução daquela Assembleia que reuniu, no mês passado, em La Thuile, quatrocentos responsáveis de CL do mundo todo, é provável que tenha sentido um eco do contragolpe sofrido por quem lá estava presente.
Digamos a verdade: com aquele primeiro “não nos basta” lançado no ar pelo padre Julián Carrón, frente à confusão em que vivemos, alguma familiaridade já tínhamos com a expressão. “Não nos basta uma repetição, ainda que justa, de um discurso limpo e correto”. O cristianismo não é uma questão de palavras, ou de princípios a serem aplicados na vida. “Isso nós também o sabemos”, acrescentava Carrón. “Já repetimos várias vezes a coisa certa, mas isso não nos mantém de pé, não nos faz respirar”. Não nos basta, justamente. “Precisamos ter diante de nós pessoas que, em sua postura, com seu modo de enfrentar a realidade (...), introduzem uma luz, uma clareza em meio à confusão do mundo, no qual vivem os afetos, o trabalho, as circunstâncias.” Precisamos de testemunhas. A fé vive disso. Quem acompanhou Passos – e o trabalho educativo que a revista retrata – no último ano, sabe muito bem do que estamos falando.

LOGO DEPOIS, PORÉM, ACONTECEU OUTRO GOLPE.“Mas a testemunha não basta. A testemunha nos mostra uma real possibilidade mais humana de viver nas circunstâncias para as quais fomos chamados, e por isso nos impressiona; mas não basta, porque cada um de nós (eu, você) precisa que aconteça em sua vida, nas circunstâncias que é obrigado a enfrentar, precisa fazer a experiência pessoal daquilo que a testemunha mostra. Para que se torne algo meu!”
Aí está. E alguns ficaram meio deslocados. Ou melhor, sentiram-se provocados. Porque não se trata de uma reviravolta, de uma mudança de direção. Não há interrupção nessa passagem, não há saltos, como se a insistência no testemunho tivesse que ser arquivada para dar passagem a outras palavras “da moda”: juízo, experiência... É uma trajetória que precisa ser feita (e no texto do encontro disponível no site de Passos você encontra tudo, passo a passo). Porque uma coisa é clara, ao observarmos nossas vidas: nesse “meu” é que se centraliza tudo. Certeza e esperança. E se não chego a dizer “meu”, não posso nem mesmo dizer “eu”. “Enquanto isso não se tornar verdadeiramente experiência, nós não cresceremos na certeza da fé.”

PARA MUITA GENTE, O MEETING DESTE ANO foi mesmo uma documentação dessa trajetória, como procuramos explicar no destaque deste número. Mas pensem que perspectiva se abre para quem retoma as ocupações “normais” do ano com esse passo claro a ser realizado, com esse trabalho iniciado de comparação contínua entre aquilo que acontece conosco e o nosso coração, com esse aprofundamento da certeza da presença d’Ele em nossas vidas. Pense nas batalhas que nos aguardam na escola, no trabalho, na família. Ou no contexto sempre confuso da vida pública: mídia, política, cultura... Pense no que ocorre se aí dentro, não um instante antes – em abstrato – ou uma fraçãozinha depois – como uma etiqueta a ser colada –, mas dentro da realidade começarmos a tomar verdadeiramente consciência da presença inextinguível d’Aquele que, tendo ressuscitado, domina o real. Aqui e agora.
Dizia São Gregório Nazianzeno, naquela frase tão cara a Dom Giussani: “Se não fosse teu, meu Cristo, eu me sentiria uma criatura finita”. Mas se conseguirmos dizer “meu”...