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Passos N.109, Outubro 2009

ENCARTE

A Beleza do Encontro

Colocação de padre Julián Carrón na Assembleia mensal com os universitários da Associação Educar para a Vida. São Paulo, 13 de setembro de 2009

Estou feliz de reencontrar com vocês neste lindo dia. Uma amizade verdadeira é compartilhar o caminho para o destino. Estou aqui como companheiro de caminhada.

Estou muito surpreso pelo trabalho que vocês fizeram durante este mês, porque se estivermos atentos àquilo que as pessoas falaram, nós podemos aprender delas. Dissemos que a experiência é a possibilidade de comparar tudo aquilo que nos acontece com o coração. O coração, como nos explicou Marcos, não é só sentimento, mas também é razão, é o critério que Cristo nos deu quando nascemos para que encontrássemos a verdade, para que ninguém nos enganasse. Essa é a maior dignidade do homem: poder julgar as coisas, para que ninguém nos engane. Por isso, nosso grande amigo Dom Giussani dizia aos seus estudantes, desde o primeiro dia de aula: “eu não venho aqui para que vocês acreditem naquilo que eu falo, mas para lhes ensinar um método – a experiência –, para que vocês possam julgar o que eu digo, possam julgar a verdade daquilo que eu falo”. Pergunto: quantos professores de vocês tiveram a sinceridade de fazer-lhes uma proposta de julgar tudo aquilo que eles diziam para vocês?

O critério para julgar, todos nós temos. Fiquei surpreso com o que nossa amiga nos contou sobre seu aluno autista. Até mesmo uma criança autista tem um coração e pode reconhecer a beleza da música, pode reconhecer quando é amado. Não é um bobo, tem uma dignidade e pode reconhecer quando alguém o ama e quando algo é bonito, ele pode julgar quando corresponde alguma coisa que ele encontra pelo caminho da vida. Ou o que dizia nosso outro amigo: tudo é positivo porque tudo pode ser de ajuda para mim. Devo julgar. Uma das maiores descobertas da minha vida foi entender que tudo pode me servir, se eu julgar. Então, tudo é positivo porque se torna uma parte do meu caminho em direção ao destino. Ele então, mesmo numa situação dessas – de estar desempregado –, quer ser ativo. Ser ativo corresponde mais, é mais adequado ao homem do que não fazer nada. E mesmo numa situação de desemprego eu posso descobrir que eu sou maior do que a minha situação de desemprego. E por isso eu posso lutar, porque tenho dentro de mim aquelas exigências que me ajudam a caminhar na vida e a não ser derrotado pelas circunstâncias. Nenhuma circunstância pode arrancar de mim essas exigências.

O que é a correspondência? Muitos anos atrás quando eu era professor, eu tinha que explicar para os garotos de 16 ou 17 anos o que era a correspondência. Eu tinha que fazê-lo com um exemplo simples para que todos entendessem. Eu dizia para mim mesmo que se eu não soubesse explicar uma coisa complicada usando exemplos simples é porque eu mesmo ainda não havia entendido. E por isso pensei no exemplo dos sapatos. Imaginem que vocês vão comprar um sapato: qual é o verdadeiro sapato para mim? Sou eu que decido? Às vezes, eu até gostaria porque tem alguns sapatos que estão em promoção, eu economizaria alguns reais. Mas são de número maior ou são pequenos demais. Não sou eu que decido o número que me corresponde. Só há um número que me corresponde: é aquele que corresponde ao meu pé. Muitas vezes, nós gostaríamos de dizer o que nos corresponde, como se cada um tivesse sua opinião, como se a verdade para cada um fosse diferente. Porém, o que corresponde é, como no exemplo do sapato, o que corresponde ao meu pé: não sou eu que decido o tamanho do meu pé. E qual é o pé que uso para comparar qualquer sapato? O coração. O coração é esse critério, o conjunto de exigências, de verdade, de felicidade, de beleza, de justiça que eu não posso tirar de mim, e por isso eu não posso decidir, não sou eu que decido, posso simplesmente reconhecer, como reconheço qual é o sapato que serve para mim.

Depois que descobri isso que Dom Giussani nos ensinou, me dei conta de que isso é uma coisa muito importante para a vida, porque é o instrumento para que eu não me engane. Se eu o uso constantemente eu não vou me equivocar. É impossível que a vendedora de sapatos me engane, porque eu julgo e vejo que aquele não é o sapato para o meu pé. E essa é a dignidade que cada um de nós tem. Todos nós temos esse critério de juízo. Muitas pessoas pensam ou nos tratam como ignorantes: “você não entende”, “você não sabe”, “eu vou lhe explicar aquilo que você não sabe”, e assim brincam conosco.

Nós recuperamos nossa dignidade quando entendemos que temos um critério que pode julgar qualquer coisa que precisemos. E por isso é muito bonito aquilo que a Natália nos disse. Não importa como cada um chegou aqui. Ela disse: “eu sou metodista”. Cada um de nós pode ter vindo de lugares diferentes, sermos metodistas, evangélicos, católicos ou budistas, mas todos nós temos o coração, como ela viu. Ela veio aqui numa reunião com católicos e percebeu que as pessoas que ela encontrava aqui correspondiam a ela, correspondiam à exigência que ela tinha de ser amada, de ser tratada com dignidade, de ser abraçada e ficou surpresa por como a acolheram. “Essas pessoas correspondem ao meu coração”. Natália fez uma experiência. Veio, se relacionou com as pessoas da Associação, viu como a trataram e viu que o modo como as pessoas a tratavam correspondia. Ela disse: “eu nunca tinha me sentido tão acolhida e tão respeitada”. Chamou tanto a sua atenção a experiência das pessoas, a ponto de ela dizer: “eu entendi que aqui está Deus”. Mas o que tem que ver Deus com as pessoas que ela encontrou? Porque a única razão, a única explicação para ser tratada assim, ser acolhida e respeitada desse jeito, é que isso não pode ter outra origem diferente de Deus. É a mesma coisa que os Evangelhos nos contam: os discípulos encontraram um homem – como ela encontrou pessoas –, e vendo como Ele fazia, vendo como Ele olhava e tratava as pessoas, os discípulos diziam “nunca vimos algo semelhante”. Essa é a experiência católica: que eu não posso explicar uma coisa sem chegar a Deus. E é isso que corresponde, porque o desejo que temos no coração é infinito e por isso nada nos basta, nada que não seja o eterno nos satisfaz. Cristo veio ao mundo para que nós pudéssemos encontrar um homem, alguém para quem nós disséssemos: “esse sim corresponde àquilo que eu desejo”. E só quem pode reconhecer é quem usa o coração, como a Natália usou. E reconhecer que nunca tinha sido tratada assim.

Isso é experiência. Nós vivemos no meio do mundo e encontramos algo assim que nos corresponde, porque tem Deus no meio. Onde Cristo permanece, hoje? Onde nós fazemos, hoje, essa experiência que os discípulos fizeram, igualzinho a eles? Podemos fazer uma experiência assim, como Natália nos contou, encontrando pessoas mudadas. Não são pessoas que dizem que são cristãs, mas pessoas mudadas que, na forma como elas se relacionam comigo, percebo que isso corresponde ao meu coração. E por isso os discípulos seguiam a Jesus: porque correspondia, porque não queriam perder aquilo que de melhor tinha acontecido na vida deles. E por isso Natália volta: porque não quer perder a ocasião de ser tão acolhida e tão respeitada. E é por isso que vocês também voltam: porque cada um de vocês é tratado aqui como a Natália. Isso aqui não confunde vocês. Vocês podem acreditar nisso não porque vocês tiveram uma visão celestial, não porque apareceu um anjo para nós, mas porque usamos esse critério que Deus colocou no mundo para identificar o que é verdadeiro.

Dom Giussani dizia que o cristianismo tem um inconveniente: precisa de homens, homens que usem o próprio coração para descobrir aquilo que corresponde, para que possam descobrir que é Ele que corresponde mais do que qualquer outra coisa às exigências do coração. É aqui que nós podemos continuar a descobrir Cristo presente no meio de nós.

Obrigado amigos, bom caminho.

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Colocação de padre Julián Carrón no encontro público no Vale do Anhangabaú. São Paulo, 13 de setembro de 2009.


Por que vocês vieram, hoje à tarde, aqui? O que estão buscando? Porque “a vida pede a eternidade” – são as palavras que cantamos. Esta é a mesma razão pela qual Jesus perguntou aos primeiros que encontrou: “o que buscais?”. E eles começaram a segui-Lo. E, depois, vieram outros, muitos outros. E uma multidão de pessoas O seguia. E até se esqueciam de comer, se esqueciam de que estavam cansados e O seguiam durante dias. Por quê? Por que, há dois mil anos, todas essas pessoas seguiam a Jesus? Pela mesma razão, pela mesma fome, pela mesma sede de felicidade que cada um de nós tem. Porque não basta o pão, não basta a casa, não bastam as diversões: temos fome de algo mais, como dizia Cleuza, há pouco... exatamente como aquela gente que seguia Jesus. Aquela gente O seguia porque ninguém, como Ele, levava a sério a fome e a sede de felicidade que cada um tinha. E, porém, aquelas pessoas haviam nascido para isso: para encontrar a resposta para esta sede, para esta fome de felicidade. Nossas mães nos deram à luz para sermos felizes. Mas ninguém pode dar a si mesmo a própria felicidade. Cada um de nós sabe muito bem disso: cantamos isso em “Romaria”, que dizia que fomos em busca de aventuras – “descasei, joguei, investi, desisti” –, mas a felicidade nunca vimos. E por isso, ainda temos essa fome. Mas aconteceu uma coisa imprevista, uma coisa nova... nossos amigos nos falaram disso: casualmente, encontraram pessoas que viviam esta sede de vida com uma intensidade que eles nunca tinham visto antes. E todas as tentativas que cada um de nós fez não bastava. E, por isso, imediatamente eles se tornaram nossos amigos, porque ninguém antes havia levado a sério nossa fome e nossa sede de felicidade como eles. Por que vocês vieram? Por que estão aqui? Porque vocês encontraram Marcos, Cleuza e tantos amigos que levaram a sério a sede de felicidade que vocês têm. A mesma razão que fazia com que os que encontravam a Jesus fossem atrás d’Ele: porque Jesus tinha piedade deles, levava a sério a necessidade deles, não os reduzia a uma fome material, olhava para o coração deles. Da mesma forma que olhava para o coração da mulher que estava no poço de Samaria, e descobriu que aquela mulher tinha essa sede. Ele não olhou para seus pecados, não olhou para os erros que havia feito, não olhou todos os equívocos que cometeu, olhou para a sede, para o seu coração cheio de sede de felicidade. “Se queres saciar esta sede, vem comigo!”, Ele disse, “Eu tenho uma água que sacia esta sede”. Essa nossa sede começou a ser saciada no encontro com essas pessoas. Eu ouvia, nesta manhã, Natália – uma garota da Associação – que dizia que, depois de ter encontrado Marcos, Cleuza e os amigos da Associação, entendeu que “nunca me havia sentido tão bem acolhida e querida, nunca me havia sentido tão respeitada”. Por isso, ela volta: porque não quer perder isso, porque não quer perder o fato de que alguém a trate segundo toda a exigência de seu coração. Chama-se correspondência: isto corresponde ao desejo de felicidade que temos. “A forma de olhar dessas pessoas, a forma de me tratarem, a forma como levam a sério minhas necessidades corresponde ao desejo que eu tenho”. E Natália terminava dizendo: “entendi que era Deus que me abraçava por meio deles”. Exatamente como pensavam as pessoas que viam os milagres de Jesus: “nunca vimos algo assim! Nunca vimos alguém que levasse tão a sério o coração!”, e davam glória a Deus porque lhes havia enviado um homem assim. Esse homem continua presente no meio de nós. Não foi embora, permanece presente por meio das pessoas que nos tratam como Ele. Por isso, quando encontramos pessoas que nos tratam assim, pensamos em Deus. Não é que sejamos visionários... é que alguém que nos trate assim é o Divino, é Deus no meio de nós. E, por isso, estamos contentes, gratos por essas pessoas. Por isso, o cristianismo é fácil, como no primeiro dia: basta encontrar alguém que nos ame assim, que nos respeite assim, que nos estime assim. E este cristianismo é para todos. Porque, por acaso, vocês conhecem alguém que não deseje ser amado assim? Que não queira ser respeitado assim? Que não queira ter uma vida assim? Por isso, nós somos cristãos. Não somos estúpidos, não somos bobos, somos gente que usa a razão e o coração e sabemos reconhecer quem nos trata bem e quem brinca conosco. E, por isso, O seguimos: porque não queremos perdê-Lo. E, no dia em que isso acontece – O encontramos –, nos lembramos da pessoa mais querida, como dizia nosso amigo Camilo que se lembrou de sua mulher, porque queria que aquilo que ele havia encontrado, que aquela felicidade que havia encontrado fosse também para sua mulher... porque ele quer que isso alcance a todos os homens. Por isso, somos amigos: para poder participar dessa vida. Eu dizia a meus alunos, quando era professor, há vinte anos: “convém a vocês encontrar a Cristo, para que as coisas mais bonitas que acontecem – como o se apaixonar – não se acabem, mas se encham de vida; para que as amizades, os amigos que vocês encontrarem sejam verdadeiros; para que a vida seja cada dia mais interessante”. Foi para isso que Cristo veio: “para que tenhamos vida e a tenhamos em abundância”. Obrigado.