IMPRIME [-] FECHAR [x]

Passos N.109, Outubro 2009

DESTAQUE - MEETING DE RÍMINI

Submetidos à experiência

por Davide Perillo

Do bar dos prisioneiros ao encontro sobre São Paulo, da mostra sobre Nápoles aos prêmios Nobel, passando pela mudança das velhas testemunhas e a surpresa dos novos convidados. Diário de um Meeting que permitiu, a seus participantes dar um passo a mais na aventura do conhecimento da realidade, e de si mesmos

“E vocês, o que estão fazendo aqui?”. A pergunta veio à tona mais ou menos na metade do Meeting. Era o enésimo encontro espontâneo com os presidiários de Pádua, que no ano passado montaram em Rímini uma exposição sobre a experiência deles de trabalho e de liberdade na prisão e, agora, estavam ali para trabalhar no bar da Cooperativa Giotto, um dos pontos mais vivos da Fiera. Três ou quatro deles sobre um palco, centenas de pessoas adiante, encontros, abraços, testemunhos. Todos procurando captar o sentido profundo da frase marcante dita por um deles no final do Meeting 2008: “Não vejo a hora de voltar para o presídio para contar a todos o que eu vi aqui”.
E aí vem aquela pergunta feita por Nicola Boscoletto, responsável pela Cooperativa: “Nestes dias vocês nos procuraram, nos abraçaram, quase nos atacaram. Mas o que vocês vieram fazer aqui?”. E conta um fato acontecido pouco antes. Entre os presidiários aparece Rose, a enfermeira que deu vida ao Meeting Point, de Kampala (Uganda), com suas histórias incríveis de mulheres afetadas pela Aids que voltam a viver – como Vichy, que sacudiu o povo de Rímini, no verão passado. “Rose, como está Vichy?”. Silêncio. E Rose: “Se você diz o seu sim, ela está bem”. “Ela queria dizer que ou você se interessa por Aquele que plenifica o coração de Vichy, ou nem mesmo Vichy lhe interessa...”.
Relendo agora aquela pergunta e aquele episódio, que ficaram quase que escondidos nas pregas de uma semana tão intensa e densa (oitocentas mil presenças, 3.800 voluntários, dezenas de encontros, exposições, testemunhos), é preciso reconhecer que foram muito úteis. Porque ajudam a esclarecer a trajetória do Meeting 2009. E perceber o que aconteceu nos pavilhões da Fiera, dos signos que marcaram a edição número 30, tornando-a diferente das outras, inclusive das mais recentes. O Meeting 2008 foi impactado por fortíssimos testemunhos: de Vicky e dos presidiários, justamente. E também do padre Aldo, Marcos e Cleuza Zerbini, dom Paolo Pezzi... Rostos e fatos que tornaram evidente em toda a sua imponência a presença de Cristo.
Bem, este ano, talvez tenhamos avançado mais, ido mais a fundo. Quem esteve lá certamente deu um passo adiante no conhecimento. Afinou a comparação entre aquela Presença e o próprio coração, procurando captar melhor a sua natureza excepcional, desejando que se torne uma experiência ainda mais pessoal, mas própria.
Coloquem como quiserem, mas esse mergulho aconteceu por toda parte. A começar justamente pelas testemunhas, que no verão passado tinham impressionado a todos pela força das suas histórias e que, este ano, fizeram ainda mais, pelas suas mudanças recentes, pelo que se aprofundou nesses doze meses. Tomemos o exemplo de Marcos e Cleuza Zerbini. Este ano, vieram para o Meeting com cerca de quarenta amigos, a vanguarda dos 120 mil sem-terra de São Paulo, que graças a eles construíram a própria casa e o próprio futuro e que, seguindo os passos deles – e o encontro deles com CL –, se questionaram sobre o significado profundo de toda a caminhada. Sentada no estande brasileiro, numa pausa entre um testemunho e outro, Cleuza dizia que este ano tudo lhe parecia “maior e mais maduro. Em relação ao ano passado, há mais gente. Está mais bonito. E aqui as pessoas fazem perguntas para aprender”. Não falava do Meeting: falava dela mesma no Meeting. Como vimos quando ela subiu ao palco: “Vocês mudaram a minha vida, foi aqui que aprendi esse olhar, que ofereço a 120 mil pessoas. Porque é esse vosso olhar cheio de ternura que me dá força. Cada um de vocês, para mim, é uma presença de Cristo”. E Marcos, logo em seguida, falando da amizade que marcou este ano: “Padre Aldo e pe. Carrón, para mim, são testemunhas; cada amigo que vive verdadeiramente é uma testemunha para mim. Mas o que isso significa? Que eu me comovo com eles, que é lindo, e basta? Não. Testemunha significa que eu quero aprender a ser livre como Carrón. Quero olhar para ele e aprender a ser livre como ele, quero olhar para o padre Aldo e aprender a amar como ele, aprender a crer como ele crê, que eu sou Tu-que-me-fazes”.

A DIREÇÃO CORRETA.Aprender. Fazer experiência de fato. Como os presidiários, também eles dizendo em coro que este ano “está melhor do que no ano passado”. Ou como Franco, um deles, que conta (com palavras, mas também com gestos) a trajetória da amizade impensável que nasceu com Vicky. Ou como os napolitanos do Rione Sanità, todos focados na narração da sua experiência durante a exposição, que provocou grandes filas e chamou logo a atenção, mas que recebeu uma guinada quando apareceu por lá o próprio Carrón, antes da lectio sobre São Paulo, que (junto com a intervenção de Carmine Di Martino) foi o coração do coração do Meeting: “Ele nos disse: vejam, a exposição em si conta pouco. O importante é que seja uma oportunidade para cada um de vocês”.
Eis aí a direção correta. Uma aventura para cada um. Uma trajetória de conhecimento que cada um tem de fazer, se apropriar dela. Exatamente como aconteceu com outros participantes, gente que já esteve em outros Meetings, talvez no ano passado, e que voltando contou – diretamente ou não – que estava caminhando nessa direção, que estava fazendo a comparação entre o próprio coração e o que estava vendo. Exemplos? O jornalista Giampaolo Pansa, que evocou essa trajetória no início da sua intervenção, fazendo-nos entender como a experiência feita em Rímini no ano passado teve a ver com a sua decisão de deixar o jornal L´Espresso, e relatando a sua relação mais profunda com Deus, as suas preces noturnas diante de uma imagem de “um Menino Jesus com barba, que tem o mundo na mão e parece dizer: vejam, meus meninos, eu sou tudo e vocês não são nada”.
Mas no fundo aconteceu o mesmo com Mary Ann Glendon, ex-embaixadora americana no Vaticano, professora em Harvard e jurista finíssima, que fez um relatório sobre “a experiência elementar e o direito natural”, na qual o impacto do pensamento de dom Giussani e a amizade com o Movimento, aprofundada nos ultimes meses, tiveram um papel evidente.
E também outras cenas, outros fatos, menos chocantes mas igualmente indicativos. Ennio Morricone, o maestro, que depois do concerto ficava até às duas da madrugada conversando com o público. Os políticos que giravam pelas exposições e estandes, movidos por interesse pessoal e não meramente “por educação” (um deles, político de esquerda, a certa altura estava off limits até para os seus assessores: “Estou vendo as Reducciones e depois vou ver Galileu, deixem-me em paz...”. Mariastella Gelmini, ministra da Instrução, que chegou três dias antes do encontro sobre a escola e não perdeu nada do Meeting. Franco Frattini, ministro do Exterior, que depois do encontro de abertura sobre a África (três chefes de Estado discutindo concretamente a paz possível) propõe fazer todo ano, no verão, um momento de diálogo sobre temas candentes da política global... Mas também Tat´jana Kasatkina, a grande especialista em Dostoievski, que já havia encontrado CL nos meses anteriores, depois de uma semana passada inteiramente no Meeting fez uma observação que diz muito desse mergulho mais profundo: “Em geral, o indivíduo se perde na massa; aqui, porém, ele é valorizado: por quem explica as exposições, por aquele que serve as mesas...: cada um propõe o que descobriu de precioso para si”.
Verdade. Essa descoberta foi possível a todos os que participaram do Meeting. A todos. Inclusive a quem estava ali realizando os trabalhos mais humildes. Como Francesco, vigia de estacionamento: turno de oito horas sob o sol. O máximo de negativo que aconteceu foi discutir com algum motorista que não queria deslocar um pouco o carro. “Gorjeta zero, cansaço grande. E mesmo assim estou contente. E eu me pergunto como isso foi possível”.
Ou então leva a pessoa a iniciar uma caminhada. Em profundidade, sem parar, comparando sempre fatos e coração, Presença e correspondência. Entre os muitos cruzamentos do Meeting, aconteceu um entre Rose e algumas meninas do Imprevisto, uma Coop que ajuda na recuperação de jovens dependentes de drogas. Uma delas dizia: “Tudo aquilo de que preciso está aqui”. E Rose: “Você não deve se contentar com isso, nem com os seus amigos operadores. O sentido da vida não são eles. Eu não sou o sentido da vida das minhas assistidas, abaixo o Meeting Point. Uma pessoa não pode deixar de sentir esse não basta”.
É isso: se há alguma coisa que marca o Meeting é essa tensão a se fazer a caminhada juntos, sem meias medidas, às vezes inclusive sem descanso, em relacionamentos talvez apenas começados, mas que já carregam dentro de si um pressentimento de verdade para si, já são um acontecimento. Tensão que, também aqui, afeta quem faz o Meeting e quem vive o Meeting. Do contrário, é difícil explicar o espanto de personagens como Mario Draghi, formalíssimo governador do Banco da Itália, que, impressionado com o bar e com os relatos dos presidiários de Pádua (“mas são presos de verdade?”), agradece aos organizadores “por terem insistido comigo para vir ao Meeting antes do meu discurso”. Ou do assessor de imprensa de Tony Blair, que, durante o discurso do “chefe” no auditório, correu para a fila desse mesmo estande para experimentar alguns doces preparados pelos presidiários. Ou de James Murdoch, herdeiro designado do imperador da mídia, que não se cansava de perguntar aos que o acompanhavam: “Mas como vocês conseguem realizar tudo isso? Por que não fazê-lo também em outros lugares?”. Mais ou menos o mesmo impacto teve Roberto Calderoli, outro ministro que pela primeira vez participava do Meeting (“Belíssimo: mas por que, lá fora, a gente tem uma imagem tão diferente?”), e sua esposa (“Por favor, me chame de você. Mas, sobretudo, expliquem-me direitinho quem era dom Giussani...”).
Mas sem essa tensão não se explicaria nem mesmo a caminhada, evidente, feita por Harry Wu, o dissidente chinês que sobreviveu a dezenove anos nos campos de concentração de Mao-Tsé-Tung: enxuto, sério, quase com dificuldade para expressar sua esperança durante o encontro de domingo, mas comovido e destravado no final do Meeting, como se naqueles cinco dias tivesse entrevisto uma esperança para si e para seus amigos (“por favor, escrevam-me”, disse aos sacerdotes da São Carlos que moram em Taiwan). Ou a disponibilidade de Mario Calabresi, novo diretor do jornal Stampa; de Gigio Alberti, protagonista do Miguel Mañara; de Fabrice Hadjadj, o filósofo francês. Ou de Enzo Jannacci, no palco e fora dele, num jantar em que falou de coração aberto sobre si e sobre Deus: “Mas como não pensar que para além da vida e da dor existe um mistério? Que para além do afeto do Nazareno há um mistério?”. E não se explicaria o comentário de John Mather, Nobel de Física, na saída da exposição sobre Nápoles: “Essa exposição mexe com o coração mais do que todas as explicações que eu poderia dar”. Ou, ainda, a profundidade impressionante de Hossam Mikawy, juiz do Cairo, que primeiro brinca com um amigo (“Quantos anos eu tenho? Trinta e cinco. Mas é como se tivesse três dias, porque renasci aqui...”) e depois explica ao Quotidiano Meeting o seu encontro com dom Giussani: “O Senso Religioso me abriu os olhos. Entendi que para julgar uma pessoa não posso me limitar a ler folhas. É o oposto daquilo que aprendi quando estudava as leis: o juiz precisa viver numa torre de marfim, se quiser ser imparcial...”.
Somando tudo, a gente percebe de fato o que significa dizer que o conhecimento é um acontecimento. Um encontro que acontece e muda a gente. Revoluciona o modo como a gente vê a si próprio e a realidade. Justamente como aconteceu com São Paulo, relido profundamente por Julián Carrón. Ou com o Innominato, citado por Di Martino: “Agora eu me conheço, compreendo quem eu sou”.
Era o que buscavam os participantes do Meeting.